Polícia Civil começa investigação sobre empresas de Collor

Apurações têm início mais de dois anos depois de recomendação – e ao menos três meses depois de determinação da Promotoria
Sede das empresas e o advogado Felipe Nobre: entre os supostos crimes falimentares um dos que teriam sido praticados pelo grupo Organização Arnon de Mello foi o favorecimento de credores – além deste, mais indícios devem ser apurados pela Polícia Civil. (Foto: reprodução)

A Polícia Civil começou a investigação criminal para apurar supostos crimes contra a Lei de Falências nas empresas de Collor, os chamados crimes falimentares.

Conforme apurou o blog, quatro pessoas foram ouvidas: três, de forma presencial e uma por videoconferência.

Entre os supostos crimes na Organização Arnon de Mello (OAM) estão favorecimento de credores, fraude contra credores e informação falsa.

A maioria das irregularidades consta de parecer expedido pelo Ministério Público de Alagoas que, juntamente com as constatações, apontou recomendações – a própria abertura de inquérito era uma delas.

Outra recomendação era o afastamento de gestores e do administrador judicial, José Luiz Lindoso.

Ele deverá ser um dos ouvidos pela polícia em fases posteriores da investigação.

Em processos como o que está passando a OAM – a recuperação judicial –, a lei manda que seja nomeado um perito para acompanhar a situação dentro da empresa.

Na prática, trata-se de uma espécie de “olhos e ouvidos” do juiz que concedeu o benefício da recuperação judicial, um mecanismo para evitar que certas empresas em situação de insolvência sigam direto para a falência.

Mas, em troca, elas têm que cumprir certos requisitos.

E quem os atesta é o administrador judicial.

Mas, a conduta de Lindoso levou o MP de Alagoas a recomendar seu afastamento.

Entre outros pontos questionados, ele alegou não ver irregularidades no repasse de cerca de R$ 6 milhões pela OAM aos sócios.

Feitas sob a modalidade dos empréstimos de mútuo (sem passar por instituições financeiras), as operações foram apontadas como indícios de esvaziamento patrimonial – e realizadas já durante a recuperação judicial; o que é ilegal.

Fernando Collor é o acionista majoritário do grupo de comunicação.

Para as fases seguintes também está previsto o envio de documentos, que constam de informações da própria empresa, além de diligências na Organização Arnon de Mello (OAM).

O inquérito começa mais de dois anos depois do parecer do Ministério Público recomendando a abertura de investigação policial e pelo menos três meses depois de determinação do promotor titular da unidade do MP responsável pela medida.

Para melhor entendimento: o processo da recuperação judicial tramita na 10ª Vara Cível da Comarca da Capital.

Mas, por se tratar de uma investigação do âmbito criminal – e não cível –, toda a parte relativa às providências de caráter policial teriam que ser tomadas por um promotor desta esfera, dentro da estrutura do MP.

Como exemplo, tem-se no âmbito cível, as questões envolvendo empresas e relações de consumo, entre outras.

No âmbito criminal, o mais conhecido é o caso de crimes contra a vida que vão a júri popular: o representante do MP é o que faz todo o procedimento nas sessões de julgamento, representando a acusação.

No caso da investigação criminal nas empresas de Collor, o caso está na 64ª Promotoria, cujo titular é o promotor Bolívar Cruz Ferro.

Entre a recomendação do promotor que atua no âmbito cível e a identificação de quem tocaria o caso, na esfera criminal, dentro do próprio Ministério Público, transcorreu mais de um ano.

E outros cerca de dez meses entre uma providência inicial do representante do MP na esfera criminal e a efetiva determinação para que o inquérito fosse aberto.

O leitor pode até considerar os prazos demasiados longos, mas ainda é curto, se comparado ao período em o processo de recuperação judicial foi tramitando sem que houvesse um representante do MP atuando perante o caso, na 10ª Vara Cível da Comarca da capital: um deles se averbou suspeito e o outro, impedido – fazendo com que os dois se afastassem do processo.

Somente aí, após titular e substituto estarem afastados, é que a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), órgão dirigente da instituição, nomeou o terceiro representante.

Favorecimento e fraude a credores

Um dos pontos denunciados como irregulares e que devem ser investigados pela Polícia é o favorecimento a credores.

Um dos benefícios de entrar em recuperação judicial é que as empresas de Collor puderam suspender o pagamento a todos a quem devia: fossem grandes bancos (entre os quais o BNDES e o Bradesco), fossem grandes ou pequenos fornecedores locais.

E, em particular, aos credores trabalhistas, dos quais muitos já tinham fechado acordos com algum das empresas em que trabalharam, perante a Justiça do Trabalho.

Pelas regras dessa espécie de blindagem determinada pelo Judiciário de Alagoas, o pagamento só seria feito depois que as empresas elaborassem um plano de pagamento – o ponto central do plano de recuperação judicial.

Esse plano é apresentado na Assembleia geral de credores (AGC), que, como o nome indica, é o fórum que decide se as condições de pagamento apresentadas pela empresa satisfazem ou não os maiores interessados: os credores.

Entretanto, conforme documentos da própria empresa, que deverão chegar à polícia, alguns credores receberam antes; o que configura crime praticado pela empresa.

Um dos beneficiários teria sido o advogado Felipe Nobre.

Advogados de outros estados que representam alguns credores trabalhistas apuraram que o colega alagoano detinha mais de cem procurações de trabalhadores demitidos das empresas ou que estavam empregados na época da assembleia de credores.

A procuração, documento importante para alguém se fazer representar pelo vizinho numa assembleia de condomínio ou para nomear um contador, e crucial para se constituir um advogado, desse total de credores, foi passada para que o advogado Felipe Nobre votasse no lugar dessas pessoas – empregados de vários segmentos do grupo de comunicação, de jornaleiros (entregadores do jornal) a técnicos dos veículos de mídia eletrônica, a exemplo da TV Gazeta.

Na AGC, a empresa apresentou uma proposta apontada por muitos credores como um escárnio: pagar dez salários-mínimos – e parcelados em dez vezes.

Na época, isso representava cerca de R$ 12,5 mil.

Para se ter ideia do desaforo: um dos credores, que trabalhou na Gazeta de Alagoas por cerca de 40 anos, tinha algo em torno de um milhão de reais em débitos trabalhistas devidos pelas empresas de Collor – pelo tempo de serviço.

Porém, por mais injusto que parecesse, o total de procurações que o advogado Felipe Nobre tinha em mãos decidiria o resultado da AGC.

Acontece que a investigação dos advogados de credores (de escritórios no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e no Distrito Federal) identificou também que Felipe Nobre já tinha atuado em favor da própria empresa.

E mais: em vez de votar no sentido de atender os interesses dos constituídos (as pessoas que assinaram as procurações para ele) e rejeitar condições tão desfavoráveis, Felipe Nobre votou a favor da empresa.

Por isso, esses advogados de credores – que se mobilizaram por identificar o tanto de irregularidades contra os trabalhadores que estavam sendo praticadas na recuperação judicial das empresas de Collor – pedem que a Justiça de Alagoas classifique essas procurações como viciadas, juridicamente, e convoque nova assembleia de credores.

Além disso, a prática se constitui no que, no universo jurídico, é denominado de patrocínio infiel: quando um advogado atua em sentido contrário ao de seu cliente.

Na prática, a via oficial de contratação de um advogado: passando a procuração – como ocorreu com aqueles credores.

Os primeiros procedimentos policiais foram adotados em oitivas no último dia 23 e nessa última quinta-feira (30).

Os próximos ainda não teriam sido definidos.

O blog procurou ouvir os citados – na maioria dos casos, por meio de mensagens de correio eletrônico.

E, pela relevância da instituição, na defesa da legalidade – o que lhe valeu o prestígio que detém na sociedade brasileira –, estendeu o pedido de manifestação também à OAB de Alagoas, à qual está vinculado o advogado Felipe Nobre.

Por meio de seu setor de Comunicação Social, a instituição informou:

“A OAB/AL não se posiciona em relação a fatos isolados envolvendo advogados ou advogadas vinculados à instituição”.

Em pedido feito ao Tribunal de Justiça, pela atuação do titular da 10ª Vara Cível, juiz Erick Costa, que em petição recente da defesa de credores foi citado por ter concedido medida “sem previsão legal”, o TJ informou por meio de sua Diretoria de Comunicação Social:

“O juiz informou que não comenta processos em andamento em respeito à Loman”, diz a mensagem – referindo-se, no caso, à Lei Orgânica da Magistratura, que rege a atuação da categoria.

E acrescentou:

“Disse que se manifesta sobre os pedidos das partes interessadas nos autos”.

A Polícia Civil, também por meio de mensagem de correio eletrônico, informou:

“De Ordem, informamos que após perquirir em nossos sistemas foi identificado o Processo nº 22.186/2023, o qual encontra-se no setor da Seção Especializada no Combate à Corrupção”.

A reportagem entrou em contato com os telefones informados no cadastro referente ao advogado Felipe Medeiros Nobre – um fixo e um celular – e em ambos se deparou com a mensagem “não é possível completar a ligação”.

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