Mpox volta a ser uma emergência sanitária global, diz OMS

A “varíola dos macacos”, como era então chamada a doença, recebeu o mais alto nível de alerta pela organização
Partículas do vírus da mpox vistas em microscópio eletrônico: “varíola dos macacos”, como era então chamada, recebeu o mais alto nível de alerta da organização; decisão ocorre pouco mais de um ano após a OMS anunciar que a mpox não era mais uma emergência de saúde internacional. (Foto: reprodução / NIAID via AP, File)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou nesta quarta-feira (14) que a mpox é, mais uma vez, uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).

O mais alto nível de alerta da organização havia sido declarado para o surto da “varíola dos macacos”, como era então conhecida a doença, no final de julho de 2022.

Somente em maio de 2023 que a organização decidiu rebaixar seu status, por causa da diminuição global do número de casos (como também aconteceu com a Covid).

Agora a preocupação é com a rápida propagação da mpox – numa variante nova – que vem acontecendo no continente africano, em especial na República Democrática do Congo (RDC), país que vem registrando somente este ano quase 14 mil casos, incluindo 450 mortes, segundo o último relatório do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças, o Africa CDC (entenda mais abaixo).

Fora da África, até o momento, “o surto continua com um baixo nível de transmissão”, afirmou a OMS.

“A OMS está comprometida em coordenar a resposta global nos próximos dias e semanas, trabalhando em estreita colaboração com cada um dos países afetados e alavancando nossa presença local para prevenir a transmissão, tratar os infectados e salvar vidas”, disse Tedros Adhanom, diretor-geral da organização nesta quarta-feira.

No momento, a avaliação do Ministério da Saúde é de que o risco para o Brasil é baixo.

Atualmente, há duas vacinas recomendadas pela OMS contra a doença.

No entanto, nenhuma delas está sendo usada no país.

Especialistas sugerem a vacinação principalmente em casos de contato com infectados, para evitar surtos – como o do RDC.

Uma campanha de vacinação em massa é improvável, a menos que ocorra uma grande emergência sanitária global. Essas ações são consideradas cruciais para proteger os grupos mais vulneráveis.

Ao G1 (responsável por esta reportagem), o Ministério da Saúde disse que “caso novas evidências demonstrem a necessidade de alterações no planejamento, as ações necessárias serão adotadas e divulgadas” sobre a imunização contra a doença.

1) Qual é a atual situação?

Hoje vivemos uma situação bem diferente do surto de 2022.

A principal razão por trás dessa declaração da OMS é a propagação de uma nova variante do vírus (conhecida como Clado Ib), que causa uma maior mortalidade, é mais fácil de transmitir e está circulando na África Central, afetando principalmente crianças e se espalhando por meio de múltiplos modos de transmissão (não apenas a via sexual).

Em toda a África, cerca de 14.250 casos de mpox e mais de 450 mortes foram registrados entre o começo deste ano e o final de julho.

Esses números indicam um aumento de 160% no total de infecções e um crescimento de 19% no número de óbitos em relação ao mesmo período de 2023.

Fora isso, na África Central, quatro países da região que não tinham relatados casos anteriormente também confirmaram registros pela primeira vez esse ano – Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda.

Um total de 68 casos, ainda segundo a OMS.

A título de comparação, de 1º de janeiro de 2022 a 30 de junho de 2024, foram confirmadas em todo o mundo 208 mortes por mpox, um número bem abaixo do registrado esse ano somente na RDC (segundo o Africa CDC).

2) Por que o alerta? É uma pandemia?

É uma questão técnica. E NÃO, não é uma pandemia.

O alerta da OMS é feito para desencadear uma resposta internacional coordenada e desbloquear financiamento para colaboração no compartilhamento de vacinas, tratamentos e testes de diagnóstico.

A virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e um dos 16 membros do comitê da OMS que avaliou a emergência do surto de mpox, explica que a declaração apenas facilitará a coordenação internacional para lidar com a doença, e NÃO implica automaticamente em uma nova pandemia.

“É um alerta, não há nenhuma necessidade de pânico”.

“A declaração reflete a preocupação da OMS em evitar que a situação piore e em buscar melhorias”, diz Damaso, que dedicou mais de 3 décadas de estudo aos orthopoxvirus (a família do vírus da monkeypox).

O termo pandemia é bem diferente e faz referência a disseminação mundial de uma nova doença, quando vários continentes têm uma transmissão sustentada do surto – o que não está acontecendo com a mpox.

Para a OMS, a declaração de uma pandemia é uma caracterização ou descrição de uma situação.

“Já [a declaração de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional] canaliza uso de recursos de um país para a compra de vacinas e medicamentos”.

“Não é necessário ter uma emergência global do tipo da Covid-19, onde muitos países são afetados”.

“Pandemia refere-se a você ter uma doença ocorrendo em vários países e em mais de um continente”.

“Às vezes a mortalidade não é alta, mas a morbidade sim [número de pessoas doentes]”, acrescenta a especialista.

No caso da Covid, por exemplo, o título de pandemia só foi declarado meses mais tarde que o surto do novo coronavírus foi decretado Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).

Por outro lado, outras doenças que receberam o título de ESPII nunca foram declaradas pandemia.

3) É um caso sem precedentes?

Também não.

Além da Covid, em fevereiro de 2016, a OMS classificou, por exemplo, a microcefalia causada pelo Zika vírus (ZIKV) como uma emergência de saúde global.

No entanto, em novembro do mesmo ano, a emergência foi encerrada. Hoje, o Zika já é considerado endêmico (restrito) nas Américas.

No total, desde 2007 (quando o Regulamento Sanitário Internacional de 2005 entrou em vigor, dando à OMS a responsabilidade de detectar e responder a ameaças globais à saúde), foram feitas seis declarações de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), começando com a pandemia de H1N1 em 2009. Veja abaixo:

H1N1 (2009-2010): Declaração em 25 de abril de 2009, encerrada em 10 de agosto de 2010. Afetou México e EUA, com 42 casos confirmados e 3 mortes.

Poliomielite ou paralisia infantil (2014-presente): Declaração em 5 de maio de 2014, ainda em vigor. Afetou vários países, principalmente o Paquistão, com 74 casos na época. Hoje afeta principalmente Afeganistão, Etiópia, Guiné Equatorial, Quênia, Mali, Níger, Paquistão, Senegal e Somália.

Ebola (África Ocidental, 2014-2016): Declaração em 8 de agosto de 2014, encerrada em 29 de março de 2016. Afetou Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa, com 1711 casos e 932 mortes.

Zika (2016): Declaração em 1º de fevereiro de 2016, encerrada em 18 de novembro de 2016. Afetou Brasil, França, EUA e El Salvador, com 594 casos de microcefalia relatados.

Ebola (RDC, 2019-2020): Declaração em 17 de julho de 2019, encerrada em 26 de junho de 2020.

Afetou principalmente a República Democrática do Congo, com 2522 casos e 1698 mortes.

Covid-19 (2020): Declaração em 30 de janeiro de 2020. Afetou vários países. Pelas estimativas da OMS, desde 2020, a doença matou mais de 7 milhões de pessoas em todo o mundo, um número que pode ser ainda mais alto.

4) Por que esse surto é diferente do anterior?

Em resumo, ainda não sabemos por completo.

A nova variante (Clado Ib) parece estar se espalhando mais facilmente por meio de contatos próximos rotineiros, como é o caso entre crianças.

Contudo, existem mais outras três variantes reconhecidas do vírus: o Clado Ia, presente na Bacia do Congo, com mortalidade de até 10%, transmitido principalmente por roedores e com pouca propagação entre humanos; o Clado IIa, que ocorre na África Ocidental, com baixa mortalidade; e o Clado IIb, que provocou o surto de 2022.

Os cientistas ainda desconhecem a causa genética das diferenças na virulência (sua capacidade de produzir casos graves e fatais) e transmissão desses vírus.

Também não está claro se essas mudanças são resultado apenas de fatores comportamentais e ambientais ou se o vírus da mpox está se adaptando a um novo hospedeiro.

5) Qual o risco para o Brasil?

No momento, a avaliação do Ministério da Saúde é de que o risco para o Brasil é baixo.

Até o momento, em 2024, foram notificados 709 casos de mpox no país, com um total de 16 óbitos, o mais recente registrado em abril de 2023.

Nenhum desses casos, porém, está relacionado com a variante responsável pelo surto na África Central.

Como precaução, a pasta disse que está atualizando as recomendações e o plano de contingência para a doença, mas ainda não deu detalhes sobre o projeto.

Na última terça-feira (13), também foi convocada uma reunião com especialistas que teve como objetivo revisar os serviços de vigilância e assistência médica.

Fora isso, Clarissa Damaso, ressalta que o país tem uma vantagem significativa devido à pesquisa local já existente sobre o vírus, o que permitiu uma resposta mais rápida e eficaz durante o surto de 2022.

Mas para que a mpox não vire uma preocupação no país, a especialista também enfatiza a necessidade de investimento contínuo em pesquisa para aprimorar a capacidade de resposta do Brasil a futuras crises sanitárias e ressalta a importância de o Ministério da Saúde estar preparado para agir diante de casos mais graves ou variantes mais virulentas, como o clado Ib.

Os cuidados atuais com mpox devem ser mantidos.

Qualquer pessoa que apresente lesões, coceira ou alterações em qualquer parte do corpo deve procurar imediatamente um atendimento médico especializado, como um infectologista, para uma avaliação adequada.

Isso é importante porque os sintomas podem indicar tanto varicela quanto mpox, e é essencial obter um diagnóstico preciso

6) E a vacinação?

No Brasil, a vacinação contra a doença começou em março do ano passado para grupos específicos, como pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA), profissionais de laboratório que trabalham diretamente com orthopoxvírus [a família do vírus da monkeypox] e pessoas que tiveram contato direto com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas.

Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação do uso emergencial da vacina contra a monkeypox, chamada de Jynneos/Imvanex.

A medida tinha validade de seis meses, mas quando o prazo esgotou em fevereiro de 2023, a pedido do ministério, a agência prorrogou a dispensa de registro para que a pasta importasse e utilizasse no Brasil o imunizante, que é fabricado pela empresa Bavarian Nordic A/S.

Isso porque as doses já tinham sido adquiridas por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e importados pelo governo federal, um número aproximado de 49 mil.

Apesar disso, as vacinas, que possuem prazo de até 60 meses de validade, só foram utilizadas no ano passado, 6 meses após a aprovação do imunizante.

Ao G1, o Ministério da Saúde disse que “caso novas evidências demonstrem a necessidade de alterações no planejamento, as ações necessárias serão adotadas e divulgadas” sobre a imunização contra a doença.

Vale lembrar que especialistas sugerem que a vacinação deve ser recomendada principalmente quando há contato com casos confirmados para evitar surtos epidêmicos.

Uma campanha de vacinação em massa é considerada improvável, a menos que surja uma emergência sanitária de maiores proporções.

Essas estratégias são vistas como essenciais para proteger os grupos mais vulneráveis à doença.

E como o atual surto está ligado ao Clado Ib, Damaso avalia que uma estratégia do tipo no Brasil, nesse momento, não se faz necessária.

7) O que é a mpox?

É uma zoonose viral: uma doença que foi transmitida aos humanos a partir de um vírus que circula entre animais.

Antes do surto de 2022, ocorria principalmente na África Central e Ocidental, sobretudo em regiões perto de florestas, pois os hospedeiros são roedores e macacos.

É causada pelo vírus monkeypox, que pertence à mesma família (poxvírus) e gênero (ortopoxvírus) da varíola humana.

A varíola humana, no entanto, foi erradicada do mundo em 1980, e era muito mais letal.

A taxa de letalidade histórica da varíola dos macacos, antes do atual surto, era considerada na faixa de 3% a 6%.

O primeiro caso foi detectado em humanos em 1970.

As complicações são mais comuns em pacientes com problemas no sistema imunológico.

Quadros graves estão relacionados ao surgimento de pneumonia, sepse, encefalite (inflamação do cérebro) e infecção ocular, que pode até levar à cegueira.

8) Quais são os sintomas da mpox?

De acordo com Giliane Trindade, virologista, professora e cientista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os sintomas mais comuns nem sempre são caracterizados por uma manifestação externa: pode ser apenas uma dor na região anal.

Além disso, ela explica que os casos também podem apresentar “poucas lesões e lesões atípicas”, muitas vezes em regiões não descritas em surtos passados.

“Os principais sintomas continuam a febre, o inchaço e o desenvolvimento de lesões, ainda que poucas”, explica a professora da UFMG.

Segundo a virologista, depois do período de incubação (em torno de 7 dias), os sintomas inespecíficos (febre, prostração, perde de apetite) duram pelo menos de 3 a 4 dias. É após esse período que as lesões aparecem. Depois de 3 a 4 semanas, elas cicatrizam, as crostas se desprendem e forma uma cicatriz.

São sintomas clássicos da doença:

febre,

dor de cabeça e dores no corpo,

dor nas costas,

calafrios,

cansaço,

feridas na pele (erupções cutâneas) e

gânglios inchados (que comumente precedem a erupção característica da doença)

Relembre 5 pontos sobre a mpox, quando a doença ainda era chamada de ‘varíola dos macacos’.

Mpoxs: veja 5 pontos sobre a doença

9) Como é a transmissão e o tratamento?

A mpox é transmitida, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) por meio de:

contato próximo com as lesões de pele,

por secreções respiratórias ou

objetos usados por uma pessoa que está infectada.

Ao contrário da Covid, em que há transmissão pelo ar através de pequenas gotículas suspensas no ar, o entendimento atual em relação à mpox é que o vírus causador da doença se espalha pelo contato próximo com uma pessoa infectada, que pode passar o vírus pelas lesões características na pele ou por gotículas grandes espalhadas expelidas pelo sistema respiratório, como os presentes nos espirros.

A doença geralmente se resolve sozinha (é autolimitada) e os sintomas costumam durar de 2 a 4 semanas.

Não há tratamentos específicos para infecções por vírus da mpox, segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

No entanto, o vírus da doença e o da varíola são geneticamente semelhantes, o que significa que medicamentos e vacinas para se proteger da varíola também podem ser usados ​​para prevenir e tratar a varíola dos macacos.

10) Por que a mpox mudou de nome?

A mpox era chamada de varíola dos macacos porque foi identificada pela primeira vez em colônias de macacos, em 1958.

Só foi detectada em humanos em 1970.

Entretanto, o surto mundial de 2022 não tem relação nenhuma com os primatas – todas as transmissões identificadas foram atribuídas à contaminação por transmissão entre pessoas.

Por causa disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um processo de consulta pública para encontrar um novo nome para a doença e assim combater o racismo e estigma provocado pelo nome.

Durante o processo, foram ouvidos vários órgãos consultivos até chegar no termo “mpox” (do inglês, “monkeypox”).

Roberto Peixoto — G1

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