Mais de 300 anos após queda do quilombo, Zumbi dos Palmares resiste e inspira cultura

Artistas, coletivos e cineastas se inspiram na vida e na luta do maior líder do maior quilombo das Américas
Platô da Serra da Barriga é aberto à visitação; cerca de 300 anos depois, Zumbi dos Palmares é um marco de luta do povo negro em todo o país e a sua vida, história e ideias continuam vivos na cultura alagoana. (Foto: reprodução / Waldson Costa / G1)

Resistência. Quando você pensa em um símbolo de resistência, que luta ou lutou pela defesa dos direitos dos negros, você lembra de quem?

Se a gente fizer uma lista com diversos nomes, muitos deles serão um consenso, como Carolina Maria de Jesus, Djalma Ribeiro, Nelson Mandela, Angela Davis, Malcon X ou Martin Luther King Jr.

Entre tantos, no Brasil, um nome surge como um farol de luta contra a escravidão: Zumbi, o principal líder do Quilombo dos Palmares.

O quilombo localizado na Serra da Barriga, em Alagoas, foi um local de resistência que abrigou e serviu de refúgio para milhares de homens e mulheres, mocambos e quilombos, que fugiam do preconceito e da escravidão.

Após anos de luta, o quilombo acabou em 1710, poucos anos após a morte de Zumbi.

Cerca de 300 anos depois, Zumbi dos Palmares é um marco de luta do povo negro em todo o país e a sua vida, história e ideias continuam vivos na cultura alagoana.

Para celebrarmos o Dia da Consciência Negra, comemorado nesse 20 de novembro, e o legado de Zumbi, o G1 (responsável por esta reportagem) conversou com artistas que se inspiram nele para fortalecer os movimentos culturais de matrizes negra no estado.

O Coletivo AfroCaeté surgiu em 2009, dois anos após a realização de uma oficina de Maracatu com o mestre Wilson Santos, a partir da necessidade de propagar a história do ritmo musical em Alagoas, além de criar uma rede de valorização das tradições afro-alagoanas.

O grupo é conhecido como “Amarelo Trovão” devido as cores amarela e vermelho, e por conta do barulho que se assemelha ao do trovão, quando os tambores são tocados na avenida.

De acordo com a mestra Letícia Sant’Ana, uma das motivações para a existência do coletivo é a história do Quebra de Xangô, um movimento de silenciamento da cultura negra que aconteceu no estado em 1912.

O “Quebra”, como é conhecido, foi orquestrado pela Liga dos Republicanos Combatentes, liderados pelo político Fernandes Lima.

O episódio foi um dos maiores atos de intolerância religiosa do país, com a prisão e espancamento dos praticantes do candomblé, umbanda e outros cultos africanos.

“Manter vivo um grupo de cultura afro é se colocar diretamente contra um sistema que tenta oprimir as tradições de matriz africana até hoje”.

“Nossa trajetória é marcada por diversas ações de valorização da cultura negra alagoana, além de projetos e oficinas que propagam a história das nossas tradições em comunidade e escolas da capital e do interior”, relata a mestra.

Para a mestra, não é possível falar de Alagoas sem falar de Zumbi dos Palmares.

Ela acredita que o respeito só é possível quando se há memória, e que a sociedade tem que valorizar e reconhecer as tradições de matriz africana.

“Zumbi é um símbolo de resistência e, também, nos aponta para uma reflexão sobre os desafios do presente”.

“Como Zumbi e o povo do quilombo enfrentaria as problemáticas do racismo nos dias de hoje?”

“A educação formal por vezes ignora a história de Zumbi, do Quilombo dos Palmares, do Quebra de 1912 e a cultura aparece como essa professora, que educa a população através da arte, da dança, da música”.

“Isso é essencial, principalmente pra os mais jovens, porque sabemos que uma pessoa jovem sem identificação cultural com seu território está sujeita a qualquer tipo de influência, seja ela positiva ou negativa”.

“Quando a cultura está presente em uma comunidade, ela fortalece todos os membros”, afirma Letícia Sant’Ana

“E é no seu exemplo forte que vou mirar. Meu povo foi escravizado, pode crer que vou lutar”. O trecho é da música “Zumbi Vive”, a canção que abre o álbum “Quilombagem”, da banda alagoana Vibrações.

O grupo surgiu em Maceió, capital alagoana, em 1998, e emplacou diversos hits no cenário do reggae local, regional e nacional.

Com músicas e ritmos que fazem referência e bebem das fontes africanas e afrobrasileiras, o disco tem diversas canções que podemos destacar.

Além de “Zumbi Vive” e da música “Quilombagem”, que dá nome ao disco, também podemos destacar “Corpo Fechado”, “Bate Moleque” e “Posso Fugir”.

Para o vocalista e frontman Luiz de Assis, Zumbi dos Palmares é uma inspiração constante para as nossas letras da banda, pois simboliza a resistência e luta por liberdade. De acordo com ele, cantar sobre Zumbi é uma forma de manter vi o o espírito dele além de dar voz às narrativas silenciadas.

“Cantar e contar a história negra é fundamental para que mais pessoas se identifiquem com o movimento”.

“Através das nossas músicas, ressaltamos a riqueza da cultura negra, suas lutas e conquistas, dando visibilidade a histórias negligenciadas”.

“Falamos sobre figuras históricas como Zumbi dos Palmares e abordamos questões de racismo e desigualdade, criando um espaço de reconhecimento e pertencimento”.

“As pessoas se veem nas nossas letras, encontrando força e coragem”.

“Nossa música é uma ferramenta de conscientização e empoderamento, ajudando a construir uma sociedade mais justa e igualitária”, explica o vocalista da Vibrações”.

Sétima Arte

A história de luta e resistência de Zumbi dos Palmares também ganhou lugar nas telonas do cinema.

E um dos filmes que retrata um pouco sobre essa história é “Quilombo”, do cineasta alagoano Cacá Diegues.

Lançado em 1984 a obra acontece próximo ao ano de 1650, quando um grupo de escravizados se rebelam em Pernambuco e partem em direção ao Quilombo dos Palmares.

Entre eles está Ganga Zumba, um príncipe africano que se tornaria líder do quilombo antes de Zumbi.

Além de Cacá Diegues na direção, o elenco conta com atores como Tony Tornado, Antônio Pompêo e Zezé Motta.

Lucas Leite — G1 / AL

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