Ficou feio

Decisão sobre empresas de Collor revela mais uma aberração no processo
Sede das empresas de Collor e o juiz Leo Denisson Bezerra de Almeida: se a emissora local queria contestar a decisão da Globo de encerrar a parceira, não era nesse processo e nem nesse lugar; e em vez de fazer por onde manter-se fiel à parceria, o que fez Collor? Conforme o STF, usou a empresa para cometer corrupção. (Foto: reprodução)

A decisão que derrubou a liminar do juiz Leo Denisson Bezerra de Almeida foi o abalo da vez no conturbado processo envolvendo as empresas de Collor – e já tão repleto deles.

Mas, para além do fato em si, a decisão do desembargador Paulo Zacarias revela distorções – para dizer o mínimo – na tentativa do outrora pujante grupo de comunicação de evitar a falência e impropriedades – também para dizer o mínimo –na decisão do juiz de primeiro grau.

A primeira seria de âmbito meramente processual: o desembargador aponta que o juiz “extrapolou sua competência” ao dar a decisão referente à Globo.

Na prática, na liminar concedida em dezembro, favorável à emissora de Collor, o juiz Leo Denisson nada menos que obrigou a rede carioca a manter a TV Gazeta como sua afiliada em Alagoas – e pelos próximos cinco anos!

Há, porém, um detalhe que não careceria ser acadêmico de ciências jurídicas – nem bacharel e, muito menos, advogado – para perceber, bastando para isso ter bom-senso: a Rede Globo não é parte da recuperação judicial, processo que está sob responsabilidade do juiz.

Foi nesse processo que a emissora de Collor pediu que o juiz desse a decisão – e o juiz Leo Denisson atendeu.

A emissora carioca não é credora, não é devedora (como as empresas de Collor são) e sequer sócia – a relação é outra e não tem a nada a ver com esse caso.

Se quiser contestar a decisão da Globo de pôr fim à parceria – intenção que a própria Globo afirmara em petição no processo, já comunicada à TV Gazeta de longa data –, a emissora de Collor terá que entrar com outra ação judicial.

E no foro escolhido pelas partes quando da assinatura do contrato, lá pelos idos de 1975.

Qual? A Justiça no Rio de Janeiro, não em Alagoas.

Ponto.

Isso porque de certo tempo, a presença de Collor tem sido constrangedora e a emissora carioca avaliou que manter a parceira lhe causava desgaste na imagem.

Em outras palavras: quando apontasse algum escândalo aqui ou ali, a avaliação foi de que, pior do que ouvir o já notório “isso a Globo não mostra” seria escutar: “e vocês, que têm uma emissora ligada ao Collor?” – e pior: escutar e engolir.

E eis que, não satisfeito, Collor foi condenado pelo STF.

Pelo quê? Por lavagem de dinheiro de corrupção.

Crimes em que usou o quê?

A própria emissora afiliada à Rede Globo.

Depois, as empresas vieram com a conversa de que a relação com a Rede carioca lhe era essencial.

Daí ser inevitável não recordar algum meme, baseado em seriados – daqueles de piadinhas prontas, fáceis e previsíveis, porém, tão bem executadas que nos levam a embarcar com gosto na piada: “e você acreditou, foi?”

Para quem alegou que dependia tanto da relação com a Globo, usar a empresa local que ostenta sua marca para cometer corrupção foi muita ousadia, desfaçatez, crença na impunidade, muita falta de noção – ou tudo isso junto.

O juiz acreditou.

Não apenas: mandou que a relação se mantenha por “intermináveis” cinco anos – até que as empresas de Collor (que, não custa relembrar, fizeram empréstimos aos sócios no valor de R$ 6 milhões já durante a recuperação judicial) pudessem reequilibrar o caixa.

De novo: “e você acreditou?”

Foi sobre esse prazo, aliás, que o desembargador desautorizou mais um ponto na decisão do juiz Leo Denisson: o processo de recuperação, pela lei, não pode ultrapassar dois anos – este já vai em quatro; e o juiz, pelo visto, queria que se alongasse mais.

Ficou feio, muito feio.

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