Credores trabalhistas pedem que Justiça cobre do MP sobre investigação nas empresas de Collor

Documento pede ainda que Justiça apure “desídia e/ou prevaricação” dos envolvidos; ou seja, negligência e crime, respectivamente
Manifestação dos credores no “aniversário” de um ano do parecer do MP recomendando inquérito para investigar empresas de Collor – o próprio MP poderia fazê-lo, mas, até hoje, a investigação não começou; na 123 Milhas já teve operação policial, compara documento. (Foto: reprodução)

O futuro chefe do Ministério Público de Alagoas pode chegar já tendo que se deparar com demandas desconcertantes – para dizer o mínimo – das quais a instituição tenha de que se desincumbir.

Num caso para lá de emblemático e que já maculou a imagem da entidade outrora mais temida.

Um grupo de credores trabalhistas que reivindicam seus direitos não pagos pelas empresas de Collor pediram à Justiça que cobre do MP de Alagoas respostas para questões – na visão desses trabalhadores – difíceis de entender.

Daí serem perguntas desconcertantes.

Afinal, os questionamentos começam por ser constrangedores só de receber e, ainda mais, de ter que responder, porque podem revelar desídia (como diz o documento) ou prevaricação.

O primeiro termo define algo como negligência, enquanto prevaricação é o crime cometido por servidor público que deixa de adotar providências ao se deparar com irregularidades ou denunciar o caso às autoridades competentes.

Para a maioria dos servidores, a instância mais alta a quem denunciar é – adivinha: o Ministério Público.

Os direitos cobrados por esses credores são definidos pela própria lei como “de natureza alimentar”.

Apesar disso, as empresas de Collor, com a aquiescência dos órgãos da Justiça alagoana, tornaram um processo que arrastam com a barriga para não pagar.

E das perguntas, o difícil de entender é só aparentemente.

Se levado em conta o que desconfiam até as pedras do calçamento de antigos endereços do MP e da OAM, fica não apenas fácil entender – como torna-se até óbvio.

“Diante de tudo isso, os jurisdicionados se perguntam se a manutenção desta situação é apenas pelo fato de o sócio majoritário ser um ex-presidente da república, ou se esse é um posicionamento comum adotado em todos os processos de recuperação judicial em Alagoas?”, diz trecho de documento protocolado para o juiz do caso, Leo Denisson Bezerra, atual titular da 10ª Vara Cível da Capital, onde corre o processo de recuperação judicial, no qual as empresas de Collor tentam evitar a falência.

Mas, que muitos ardis jurídicos têm mostrado que se trata, na prática, de manobra visando calote nos credores trabalhistas.

Afinal, uma empresa que estaria mal das pernas, financeiramente, não faria repasses que totalizaram, em alguns meses, mais R$ 6 milhões aos sócios – já no curso da recuperação judicial; o que proibido.

Camuflados de empréstimos de mútuo (sem passar por instituição financeira), esses são apenas parte dos R$ 125 milhões que os documentos do processo mostram que foram tirados das empresas para os sócios.

O sócio majoritário é Fernando Collor.

E para reforçar o questionamento acima, a petição dos credores vai além, citando – com link e tudo:

“Apenas para ilustrar, na data de hoje [1º/02], a empresa 123 milhas que também está em recuperação judicial foi alvo de uma operação policial para apuração de crimes contra o interesse dos credores”.

Para a gigante do mercado de passagens teve até operação policial, para as empresas de Collor (muito menores, em termos de mercado, mas, com muito mais peso, perante a autoridade da justiça, pelo dono influente), Justiça e Ministério Público permitem que passe dos quatro anos um processo que a lei diz que só pode durar dois – no máximo – e eivado de irregularidades e indícios de crimes.

Numa constatação feita por quem? Pelo Ministério Público.

Que teve seus dois representantes naturais pedindo para deixar o caso; o que só foi descoberto – pelos credores – quando o processo já somava mais de 15 mil páginas.

Em 2022 – mas, apenas uma semana depois de Collor deixar a disputa pelo governo de Alagoas, caindo no primeiro turno –, o terceiro representante do Ministério Público designado para o caso produziu um contundente parecer sobre o processo de recuperação e recomendou medidas drásticas: o afastamento da direção da empresa, substituição do administrador judicial (uma espécie de olheiro do juiz dentro das empresas em recuperação judicial) e abertura de inquérito policial para apurar indícios crimes contra a lei de falências.

Em outubro do ano, os credores fizeram uma manifestação pacífica estendendo uma faixa cobrança ao Ministério Público.

Motivo: tratava-se do “aniversário” de um ano da apresentação do tal parecer, sem que nenhuma das providências fosse tomada.

Algumas dependiam de decisão do juiz – nada menos que cinco já passaram por este caso –, mas, a abertura de inquérito podia ser adotada pelo próprio MP, como prevê a lei.

Porém, só depois de mais essa manifestação dos credores, a instituição esclareceu que seria preciso definir o representante do MP na esfera criminal.

Já que, por uma dessas implicações dos labirintos da lei, o caso está numa Vara Cível, e ações policiais são da alçada criminal.

“A administração caótica tem gerado prejuízos aos credores, especialmente os trabalhistas que sem um posicionamento firme deste juízo sobre as inúmeras irregularidades estão se vendo praticamente coagidos a aceitarem acordo com deságio e cumprimento da obrigação em 8 anos (os 4 anos que já se passaram desde o deferimento da recuperação judicial e ainda mais 4 de parcelamento), em total desacordo com a lei 11.101/2005 e a proteção do crédito de natureza alimentar. (art. 54, § 2º, inciso III da lei 11.101/2005)”, diz outra passagem da petição.

Pelas questões que o documento aponta, os credores pediram “a intimação do Ministério Público Estadual para se manifestar sobre todos os fatos e documentos apresentados na manifestação e, também, sobre o afastamento dos sócios da administração das empresas, com fulcro no art. 64 da lei de regência”.

E solicitam ainda que a Justiça, na pessoa do juiz Leo Denisson, determine que o Ministério Público “também se manifeste sobre o andamento do inquérito policial e determine de uma vez por todas se vai entrar mesmo com a ação penal, liberando assim que os próprios credores ingressem com a ação na esfera criminal, conforme o parágrafo único do art. 184 da lei 11.101/2005, sem prejuízo da apuração por desídia e/ou prevaricação dos envolvidos”.

Porém, o termo usado na abertura deste texto – “pode” – não foi à toa.

O pedido feito pelos trabalhadores que esperam pelo que lhes é devido pode ser solenemente esquecido, engavetado ou negado pelo juiz Leo Denisson Almeida.

Ou, quem sabe, ser objeto de outro tipo de decisão, a exemplo da medida bizarra pela qual o juiz atendeu pedido da TV Gazeta, para que seja mantido o vínculo com a Globo – por cinco anos.

Na prática, manter à força uma parceria – sem que um dos parceiros queira mais.

O futuro chefe do MP será o procurador de Justiça Lean Araújo, candidato único na eleição marcada para esta sexta-feira (02).

Ele já exerceu o cargo em 1998 e com a nova recondução ficará no cargo até 2026.

Não queremos crer que a outrora mais temida instituição do que é hoje – que ele dirigirá – vai deixar que o caso se arraste até lá.

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