Condenado a 27 anos réu que matou ex-namorada a pedradas

Corpo de jurados tinha só homens; tese da acusação foi acatada e autor condenado por crime triplamente qualificado
Representante do Ministério Público, em sua sustentação oral, quando a tese da acusação, e o réu: diante das qualificadoras apresentadas, MP obteve a condenação por feminicídio a 27 anos de prisão. (Foto: reprodução / Notícias MPAL)

Um conselho de sentença 100% masculino, mas que demonstrou sensibilidade, consciência, estar preparado para agir com a razão e, bravamente, condenou outro homem.

Uma atuação firme do Ministério Público de Alagoas (MPAL), e da assistência de acusação, eliminando todas as tentativas de inocentar José Cícero da Silva Júnior que recebeu a pena de 27 anos e um mês de prisão por ter espancado e matado, a pedradas, Marcelle Bulhões.

Acatadas as qualificadoras, ele foi condenado por crime triplamente qualificado por motivo torpe, meio que impossibilitou a defesa da vítima e feminicídio.

Não foi um júri tão demorado, mas que exigiu muita segurança e pulso firme da acusação para provar, do início ao fim, que a intenção dos advogados de defesa naquele salão era arranhar a imagem da vítima, invertendo atitudes, apresentando ao conselho de sentença uma Michele agressiva e perseguidora, quando havia provas cabais de que o mesmo invadira a sua residência, vinha fazendo ameaças, avisando que ia matá-la, simplesmente pelo fato de ter rejeitado José Cícero e posto fim ao relacionamento.

Matheus, filho de Marcelle, altamente abalado e amparado pela esposa e amigos, afirmou que o réu tinha prometido esquartejar a sua mãe.

Com frases:

“Meu cliente não premeditou nada, não fez isso porque agora é uma modinha”.

“Não foi isso”, referindo-se ao feminicídio.

Ou “inventaram que precisava de uma lei, criaram; depois que tinha que agravar, agravaram; depois que a mulher precisava de medidas protetivas, fizeram”.

“E não adiantou nada, porque todos os dias temos mulheres mortas”.

“Mas é bom lembrar que não é só mulher que é vítima, há inclusive uma pesquisa que afirma que a mulher agride mais o homem, do que o homem a mulher”.

“E só quem levou um tapa na cara e deu o outro lado para bater foi Jesus Cristo”.

As falas da defesa soaram o tempo todo como afronta aos familiares, amigos da vítima e à sociedade.

Acreditando que o conselho de sentença, sendo composto por pessoas jovens, e do sexo masculino, o advogado apelou para derrubar a qualificadora de feminicídio.

“Não houve feminicídio, o que ocorreu foi um homicídio simples, não foi premeditado, o que aconteceu foi por um acaso, ele perdeu a cabeça e fez essa ‘besteira’; então quer dizer que o cara foi lá pra estuprar a mulher e não deu certo dentro de casa, ele a levou para terminar do lado de fora”?

Mas, o Ministério Público de Alagoas, tendo à frente da acusação o promotor de Justiça Tácito Yuri, assistido pela advogada Candice Melo que, por sinal, era amiga de Marcelle Bulhões, estava com a verdade e ela prevaleceu.

Na réplica, eles rebateram os defensores de José Cícero de forma plausível e, com robustez de conhecimento das leis, de cada página dos autos, enfrentaram o machismo, o racismo religioso e toda a vontade de desqualificar a vítima advindos da defesa que pedia piedade para o seu cliente dizendo que ele não teria condições de ficar distante da realidade, trancafiado numa cela, pois já tinha sido punido severamente “com a imagem destruída e a perda dos cavalos e outros bens materiais”.

No entanto, a acusação reagiu, clamando aos jurados para não se comoverem e ressaltando que a vítima era quem estava eternamente presa:

“Quem teve sentença perpétua foi a vítima, não se sustenta nada do que a defesa falou aqui”.

“Tratando o homem como o coitadinho, não houve intenção? Veja que a narrativa é um castelo de cartas”.

“A defesa disse que o conselho não fizesse a barbaridade de condená-lo pela qualificadora de feminicídio, barbárie quem fez foi ele, não há lógica que sustente.

A mulher morreu e a morte dela foi covarde, não existe um laudo sequer comprovando que ele foi machucado pela vítima. Mas tem o laudo sobre o estrago que ele fez na vítima.

O promotor reforçou, lembrando que Michele Bulhões não estava ali para se defender, ao contrário do réu que estava sendo ouvido.

“Ele teve o direito à defesa, quem não teve oportunidade de falar foi a vítima”, disse, categoricamente, o promotor.

“Ele a silenciou, quando hoje está tendo oportunidade de falar”.

“E a defesa tentou dramatizar falando que se ele for condenado será uma pena perpétua, aqui não existe isso”.

Para finalizar, Tácito Yuri se dirigiu a Matheus, filho único de Marcelle, e disse:

“Vejam. quem está sofrendo é aquele rapaz; não se envergonhe da sua mãe, ela foi uma grande mulher e temos certeza de que sairemos daqui com a justiça feita”.

“Como é que a defesa tentou aqui inverter as estatísticas?”

“O Brasil é o quinto país do mundo em feminicídio”.

“Não é possível que esse homem saia por aquela porta, aquela mulher não teve como se defender, ele cometeu feminicídio”.

“Quero parabenizar a todas as instituições que defendem a mulher, temos que ter cada vez mais leis que defendam a mulher”.

“O que Marcelle queria era o direito de liberdade que qualquer mulher tem, e qualquer homem também”.

“O que ele fez é horrível e imperdoável”.

Já a assistente de acusação, explicou sobre a especificidade da lei, deixando claro que as falas contínuas da defesa só queriam desmoralizar e macular a imagem da vítima.

“Marcelle era muito querida onde morava, ela tirava dela para dar aos outros, tinha trabalhos lindos com os jovens como grupos de dança, de judô, para afastá-los da criminalidade”.

“Dói ouvir aqui que um homicídio dessa natureza tem que ser visto como leve, tipo ele só matou, não foi nada demais”.

“Não estamos pedindo a morte dele, apenas mostrando que esse crime tem de ser punido dentro da lei e desconsiderem porque o réu está sofrendo preso”.

“Sofrendo está Mateus que nunca mais falará com a mãe, o filho dele que não terá o direito de conhecer a avó”, afirmou Candice Melo.

Ao final da tréplica, com o advogado insistindo em desmerecer as mulheres, a juíza juliana Baptistela aumentou o tom da voz e disse:

“O senhor respeite as mulheres, eu sou uma mulher e aqui tem várias”.

“O senhor está ofendendo não somente às mulheres, mas às pessoas homoafetivas, o senhor deveria ter respeito por todos que aqui estão, principalmente aos familiares da vítima”.

O júri encerrou com o promotor de Justiça Tácito Yuri falando que “a justiça foi feita, agora a condenação aliviará a dor da família, principalmente do filho da dona Marcelle.

O conselho de sentença acatou as três qualificadoras e isso é sinal de que, apesar de jovens, são conscientes e comprometidos com a verdade”.

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