Quais as lições de saúde mental que Botafogo deixa a torcedores

Alinhar expectativas, evitar o otimismo 'cego' e aprender a rir da própria 'desgraça' são algumas das dicas dos especialistas
Pedro Certezas, Felipe Neto e Stepan Nercessian são torcedores ilustres do Botafogo. (Foto: reprodução/X)

Não tem jeito! Somos o país do futebol (mesmo sem uma Copa do Mundo desde 2002) e o esporte mexe com o coração, com a saúde mental e com as emoções. Esperança e confiança estiveram em alta na vida dos torcedores de um clube: o Botafogo. “Segue o líder”, disseram muitos botafoguenses otimistas durante boa parte do Campeonato Brasileiro.

Mas agora que o Botafogo perdeu um título “quase impossível” (neste domingo (3), empatou com o Cruzeiro e ficou fora da briga), como lidar com a frustação, com a raiva, a decepção de algo que não dependia do torcedor? Como gerenciar a famosa “expectativa x realidade”, o deboche dos rivais? Antes que você pense que é besteira, futebol é coisa séria para muita gente e mexe muito com as emoções!

O G1 (responsável por esta reportagem) conversou com especialistas que analisaram 4 lições (ou dicas) essa montanha-russa de emoções (essas dicas, aliás, valem para todos os setores da vida):

1 – Alinhe suas expectativas

Está tudo bem criar expectativas sobre as coisas, mas ela depende de você?

O psiquiatra Daniel Barros, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e autor do livro “Viver é melhor sem ter que ser o melhor”, diz que a expectativa é a fórmula da infelicidade.

“Altas expectativas geram frustração. Não dá para tudo ser como a gente imagina, sobretudo porque a nossa imaginação prega peças. Fazemos planos baseados nos momentos bons, mas na maioria das vezes eles são raros, porque a nossa vida é média”, alerta Barros. Ele reforça que é preciso manejar bem as nossas próprias expectativas, pensando que é um desejo, mas que ele pode ou não acontecer.

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Um botafoguense famoso deu exemplo de como reduzir expectativas. O ator Stepan Nercessian não acreditava que o campeonato já estava ganho. “Agora que todo mundo começou a achar que vai ser campeão, entra a síndrome do Botafogo. Eu não quero nem pensar. [13 pontos] é pouco. Perde 4 e os outros podem ganhar. Eu não grito vitória antes do tempo”, disse em um podcast.

2 – Não deixe o otimismo cego te dominar

Nas redes sociais, um botafoguense foi associado a um otimismo mais que elevado: Pedro Certezas, influenciador digital e torcedor ilustre do Botafogo, não mediu esforços na hora de “debochar” dos rivais.

“19 times m* abaixo, meu time é bom para c* e tem 19 times m* abaixo do meu. Tudo se encaminha para um possível tricampeonato brasileiro. Não estou cantando vitória, mas hoje o meu time é uma máquina de jogar futebol e tem 19 cocôs abaixo do meu time”, afirmou Pedro em um dos seus vídeos.

Torcida ajuda, empurra os jogadores, mas o resultado positivo não depende de quem está nas arquibancadas ou em casa assistindo ao jogo.

“A expectativa pode ser positiva (otimismo) ou negativa (pessimismo). O otimismo está relacionado ao bem-estar, felicidade, mas existe um limite para isso. Ele não pode ficar cego, não compatível com a realidade”, esclarece Arthur Danila, médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Danila explica que o otimismo é uma ferramenta benéfica, mas pode se tornar cego e gerador de frustração quando não temos o domínio ambiental da situação.

“Uma coisa é ser otimista que vai passar no vestibular, quando depende de você. Outra coisa é torcer para o seu amigo passar no vestibular. Eu posso querer que o mundo pare de usar combustível fóssil, mas eu não tenho domínio sobre isso”, exemplifica.

Santos arrancou empate do Botafogo no final do jogo. (Foto: reprodução/André Durão)

O ideal é ser um “otimista realista”. Ou seja, pode acreditar, mas nunca abandonar a realidade. É preciso ir ajustando o otimismo a todo instante, com base no que está acontecendo. “O otimismo precisa vir acompanhado de uma visão crítica da realidade, para que a pessoa consiga ter maior capacidade de gerenciar eventuais frustrações que são naturais no processo”, completa o psiquiatra.

3 – Tenha autocompaixão

Outro botafoguense bastante conhecido, o influenciador Felipe Neto, entregou os pontos na quinta-feira (30). “Você sacanear um botafoguense hoje é como encontrar um morto na calçada, dar um chute e sair rindo. O morto já não sente mais nada.”

Na visão dos especialistas, é preciso colocar para fora o que se sente: você pode ficar bravo, triste e até com raiva. Está tudo bem em expressar suas emoções. Mas em algum momento é preciso parar e reorganizar os sentimentos.

“É importante ter autocompaixão, uma gentileza consigo mesmo, uma emoção positiva diante de uma situação negativa: ‘hoje eu não estou bem e está tudo bem não estar bem’. Rir da própria desgraça é trazer uma leveza em um momento em que os ventos mudaram”, diz Danila.

4 – Mantenha o espírito esportivo

Quem nunca tirou onda dos rivais depois de um jogo de futebol que atire a primeira pedra. Mas é preciso lembrar, sendo bem clichê, que toda ação tem uma reação. O segredo é levar na esportiva.

“Você pode rir, debochar, tirar onda porque faz parte do jogo do torcedor fazer isso quando está ganhando, mas é preciso aceitar que o outro também vai fazer. É a natureza do jogo. Manter o espírito esportivo é o mais importante”, lembra Arthur Danila.­­

“Se levar muito a sério, ficar incomodado, não vai ter jeito. A melhor dica é lembrar que o futebol é um ritual cultural, e que vai passar. Você não é o time, você é um torcedor. Valorize sua identidade”, diz Daniel Barros.

Mariana Garcia, G1

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