Credor de Collor propõe trocar dívida por parte da empresa

Credor pediu a penhora das cotas sociais, que “possuem valor econômico”, diz advogado
Sede das empresas e o administrador judicial, José Luiz Lindoso, na época da assembleia geral de credores: empresas propuseram pagar apenas R$ 12,5 mil a cada pessoa, não importando o tempo de serviço; escárnio que fez grupo de trabalhadores se mobilizar e procurar medidas legais para receber o que lhes é devido. (Foto: reprodução)

Mais um credor trabalhista entrou na justiça contra as empresas de Collor usando argumento jurídico inédito no processo, mas, previsto em lei, e que já serviu de base para julgamento favorável em outras decisões semelhantes.

Na prática, o credor propõe trocar sua dívida pela própria empresa – ou parte dela, ou seja: passar de credor a sócio do grupo de comunicação Organização Arnon de Mello (OAM), do qual Collor é o sócio majoritário.

Conforme o documento dirigido à Justiça, Collor detém R$ 422.509,20 em cotas, somando as de mais de uma empresa.

Conforme alega a defesa do credor, “valor é maior que o valor do crédito do trabalhador e pode quitar esta execução trabalhista de vez”.

No documento encaminhado à Justiça, o advogado do credor anexou trecho de decisão da Justiça afirmando que é possível adotar a penhora de cotas como forma de quitação de dívidas.

“As cotas sociais de uma empresa possuem valor econômico”, diz o advogado desse credor.

Trecho de decisão judicial de tribunais superiores (jurisprudência) considerando que é possível cobrar cotas de sociedade para pagamento de credores. (Foto: reprodução)

O pedido, denominado de penhora de cotas sociais de sociedade empresarial, foi direcionado, a exemplo da movimentação anterior, à 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió, onde corre o processo em que a OAM tenta evitar a falência, mas, que, como este espaço já colocou anteriormente, seria, na verdade, uma manobra visando dar calote nos credores trabalhistas.

E com, no mínimo, a complacência da justiça alagoana.

Ao apresentar seu plano de pagamento, em 2023, a OAM propôs pagar apenas R$ 12,5 mil – e parcelados! – a cada credor, independentemente do tempo de serviço.

E como cita documento encaminhado em outro pedido à mesma 10ª Vara, o juiz do processo autorizou por mais de uma vez que a empresa fizesse mediações, propostas de pagar determinados valores a alguns desses trabalhadores; o que não tem previsão legal.

A mobilização do credor, formalizada na última segunda-feira (20), se dá menos de uma semana depois que outra pessoa na mesma condição (com direitos trabalhistas não horados pelas empresas de Collor) fez requerimento à Justiça, já sob outra alegação.

A credora pede que o dispositivo jurídico denominado de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) seja também utilizado no processo da recuperação judicial, além de outros requerimentos, como o de reforçar o pedido para afastar o administrador judicial, José Luiz Lindoso.

Ao longo do último ano e meio, pelo menos, o IDPJ foi aplicado em mais de um processo que corre contra as empresas de Collor na Justiça do Trabalho.

E foi o que permitiu à até agora única pessoa, entre os credores trabalhistas da OAM, que recebeu o que lhe era devido vislumbrar justiça na forma de valor em dinheiro.

Para entendimento: o IDPJ permite ao credor receber do patrimônio não da empresa, mas, das contas do próprio empresário devedor.

A diferença, conforme o blog apurou é que a credora da medida protocolada na última sexta-feira (17) não obteve ganho de causa na Justiça do Trabalho, por uma manobra das empresas em seu acordo trabalhista que resultou em não ter seu direito reconhecido.

Daí ela recorrer à Justiça comum.

Quadro societário da TV Gazeta, em que Collor aparece como detentor de menos cotas apenas que sua falecida irmã, Ana Luíza. (citada como espólio – termo jurídico referente à administração de bens de pessoas falecidas). (Foto: reprodução)

No documento desta semana, a defesa do credor trabalhista relaciona o quadro de sócios de algumas das empresas que formam a Organização Arnon de Mello.

Na que hoje mais chama a atenção, em noticiários, a TV Gazeta, por exemplo, Collor aparece como detentor de menos cotas apenas que sua  falecida irmã, Ana Luíza.

Já no da Rádio Gazeta, Collor é o sócio majoritário e numa das mais recentes do grupo de comunicação, a TV Mar, figuram apenas ele e sua atual mulher, Caroline.

Quadro societário da Rádio Gazeta: nesta empresa, Collor é o sócio majoritário. (Foto: reprodução)

Os trabalhadores, aliás, integram um grupo que, embora não seja classificado como unitário, é de contemporâneos do período em que estiveram na empresa e de quando as empresas os demitiram sem pagar o que lhes era devido e, alguns, de mobilizações como as realizadas na campanha de 2022, quando Collor foi despachado da corrida pelo governo, ainda no primeiro turno.

Já, numa das empresas mais recentes do grupo de comunicação, a TV Mar, a quase totalidade das ações é de Collor. (Foto: reprodução)

A recomendação para troca dos gestores, aliás, que consta de parecer do Ministério Público, foi divulgada uma semana depois disso.

O documento recomendava, em outubro de 2022, abertura de inquérito policial, mas, como o blog antecipou, na semana passada, essa medida só deverá ser tomada pela Polícia Civil de Alagoas agora.

A petição, pedido oficial feito por advogados aos juízes, no caso desse novo pedido, aponta que a empresa estar sob recuperação judicial não impede a penhora das cotas.

A condição de estar em recuperação judicial foi usada pelas empresas de Collor para se beneficiar em diversas situações.

O benefício concedido pela justiça de Alagoas é, inclusive, a base legal para a Organização Arnon de Mello pedir que o Judiciário local mantenha, à força, a sociedade com a Rede Globo.

Qualquer contrato, por mais simples que seja, traz a cláusula de eleição (escolha) de foro.

Geralmente, uma das últimas linhas do documento, que passa despercebida, mas, é indispensável ao deixar expresso que o foro de determinada cidade é o eleito – por ambas as partes que firmam o contrato – para analisar qualquer assunto envolvendo o contrato e que tiver que parar na Justiça.

O do contrato entre as duas emissoras é o da cidade do Rio de Janeiro – por óbvio, por ser o da sede da emissora carioca.

Mas, o grupo de comunicação local alegou que estar sob recuperação judicial prevalecia sobre todas as outras demandas.

Ou, como a própria justiça menciona: esse argumento vira uma espécie de blindagem à empresa nesta condição.

Em outro trecho, a petição anexa mais uma decisão já objeto de julgamento, apontando que a medida pode ser aplicada, mesmo que a empresa esteja sob recuperação judicial. (Foto: reprodução)

E assim, até o Tribunal de Justiça de Alagoas, na decisão do então presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt, manteve a Comarca de Maceió como o foro para decidir sobre a sociedade; e determinou a manutenção argumentando de modo bem questionável que a relação societária é um bem de capital.

Por isso, a petição deste credor, em outro trecho, anexa mais uma decisão já objeto de julgamento, apontando que a medida pode ser aplicada, mesmo que a empresa esteja sob recuperação judicial.

O blog procurou ouvir a Polícia Civil, o Ministério Público e o administrador judicial, José Luiz Lindoso, por meio do escritório de advocacia que o representa em Alagoas.

Bem como procurou ouvir o Tribunal de Justiça.

O representante do Ministério Público no caso informou, por meio da Secretaria de Comunicação Social da instituição, que iria tomar ciência do que a polícia já adotou de providências do caso, para atender sua determinação de abrir o inquérito.

O escritório que representa o administrador judicial informou que, pela condição de representante do juiz, só poderia se manifestar no processo.

A Polícia não se manifestou oficialmente e o Tribunal de Justiça solicitou mais detalhes.

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