Venezuelanos votam hoje em referendo para anexar 70% do território da Guiana – o que está em jogo
O Ministério da Defesa do Brasil ampliou a presença militar na região do território brasileiro perto da fronteira e diz que está acompanhando as discussões.
Os eleitores venezuelanos votam neste domingo (3) em um referendo no qual vão dizer se querem que a região de Essequibo, que hoje pertence à Guiana, seja incorporada à Venezuela.
O Ministério da Defesa do Brasil ampliou a presença militar na região do território brasileiro perto da fronteira e diz que está acompanhando as discussões.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, planeja estabelecer bases militares com apoio estrangeiro. Recentemente, ele foi ao território de Essequibo com militares e esperava receber equipes do Departamento de Defesa na capital do país, Georgetown.
O ministro da Defesa venezuelano, general Vladimir Padrino, fez críticas ao presidente da Guiana: “Com esses estilos e formas de ‘valentão de bairro’, não vamos resolver essa questão. Essa disputa não é assim, não é convocando o Comando Sul (exército dos EUA) para estabelecer uma base de operações nesse território, com essa arrogância (que se resolve)”, afirmou Padrino.
Problemas geopolíticos
Para Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra e pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a questão deveria ser revolvida pelos sul-americanas, e o conflito pode acabar justificando uma interferência externa. “A Guiana diz que se sente ameaçada e cogita instalar bases militares estrangeiras, uma representação do exército americano foi para Georgetown recentemente. O risco de os americanos militarizarem a Guiana é bastante grande”, diz ele.
A origem do problema
O território de Essequibo, uma área maior que a da Grécia, é disputado pela Venezuela e Guiana há mais de um século. Desde o fim do século 19, está sob controle da Guiana. A região representa 70% do atual território da Guiana e lá moram 125 mil pessoas.
Na Venezuela, a área é chamada Guiana Essequiba.
É um local de mata densa e, em 2015, foi descoberto petróleo na região. Estima-se que no trecho da costa guianesa, correspondente a esse território, existam reservas de 11 bilhões de barris
Mesmo estando “offshore”, ou seja, no mar (“em frente” a Essequibo), as reservas que correspondem a 70% das reservas brasileiras, segundo analistas, devem transformar o pequeno país sul-americano em maior produtor mundial.
Independentemente disso, por causa do petróleo, a Guiana é do continente que mais cresce nos últimos anos.
Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o território com base em documentos internacionais.:
A Guiana afirma que é a proprietária do território porque existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para uma solução negociada.
O regime de Nicolás Maduro organizou um referendo a respeito da relação entre a Venezuela e o território de Essequibo. Agendado para este domingo (3), a consulta terá cinco perguntas.
Questão mal resolvida
“Esse plebiscito já está aprovado, pois os venezuelanos não vão votar contra”, afirma Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG).
“A questão é se a consequência disso será uma ação para a anexação de Essequibo ou não”, acrescenta.
O petróleo na região agravou a disputa, porque a Venezuela argumenta que a Guiana está comercializando blocos que não são dela.
Por fim, há a situação política da Venezuela. Depois de anos em crise, o país espera uma melhora econômica com a retirada das sanções. Uma das medidas que os Estados Unidos impuseram para retirar as sanções é a realização de eleições presidenciais limpas em 2024. Vive-se um clima de pré-campanha na Venezuela, e esse assunto é uma questão nacional do país há séculos, une todo mundo, mesmo a oposição não ousa falar contra a questão de Essequibo.
“Nicolás Maduro, o presidente da Venezuela, não colocaria em risco a recuperação da economia que poderá ser alcançada com o fim das sanções à indústria petrolífera em função de que uma campanha militar que levaria a um confronto não só com Guiana, mas muito provavelmente com outras potências extrarregionais, que poderiam levar ao retorno das sanções, anulando a possibilidade da recuperação econômica”, diz Carmona.
A Corte Internacional de Justiça decidiu na sexta-feira que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo e que isso vale para o referendo.
A Guiana havia pedido para que a corte tomasse uma medida de emergência para interromper a votação na Venezuela.
Em abril, a Corte Internacional de Justiça afirmou que tem legitimidade para tomar as decisões sobre a disputa. Esse órgão é a corte mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver disputadas entre Estados, mas não tem como fazer suas determinações serem cumpridas.
A decisão final sobre quem é o dono de Essequiba ainda pode demorar anos.
O governo venezuelano disse que a decisão é uma interferência em uma questão interna e fere a Constituição. A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, disse que “nada vai impedir que o referendo agendado para o dia 3 de dezembro aconteça”. Ela também falou que, apesar de ter comparecido na corte, isso não significa que a Venezuela reconhece a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a disputa.
Governo brasileiro
O governo brasileiro acompanha com preocupação a situação, segundo a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, a embaixadora Gisela Padovan. “Temos acompanhado com atenção e conversado com altíssimo nível — vocês se recordam que o embaixador Celso Amorim foi a Caracas se reunir com o governo — e nós também estamos tendo conversas com a Guiana”.
Amorim foi a Caracas há uma semana, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de uma avaliação brasileira de que a campanha venezuelana sobre a anexação do Essequibo teria subido demais o tom, contou a Reuters uma fonte que acompanha as conversas.
O governo brasileiro não pediu que o referendo venezuelano fosse cancelado, mas solicitou ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que diminuísse o tom da campanha e buscasse uma solução pacífica. Lula também recebeu telefonema do presidente da Guiana, Irfaan Ali, com quem também terá uma reunião bilateral na-feira sexta, às margens da COP28, em Dubai.
Há uma visão no governo brasileiro de que a Venezuela não chegará “às vias de fato”, apesar de mais de uma vez Maduro já ter ameaçado invadir o território da Guiana.
Na semana passada, durante reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em Brasília, os representantes dos dois países trocaram provocações e foi preciso a interferência de outros países para impedir uma escalada na discussão.
“Semana passada os dois países sentaram… e devo dizer ali teve uma energia, uma linguagem um pouco mais elevada por parte da Venezuela, mas eles têm sentado sem qualquer problema na OTCA cooperando na questão da Amazônia sem qualquer problema”, disse a embaixadora.
A expectativa do governo brasileiro é que o “sim”, pela anexação, vença o referendo, já que esse é um dos poucos assuntos que une governo e oposição na Venezuela, mas não se sabe o que Maduro pretende fazer com esse resultado. Eleições gerais estão marcadas para acontecer em 2024 na Venezuela, e uma ação em relação a Guiana pode virar arma eleitoral, avaliou uma fonte.
Felipe Gutierrez, G1