Em qualquer democracia liberal, uma sociedade só se mantém quando os sócios – todos os sócios – querem continuar com a relação.
Por quaisquer que sejam os motivos, quando um dos sócios não quer, desfaz-se a sociedade ou sai (se for mais de um).
Cumpre os deveres perante contrato social, Junta Comercial e outras obrigações – pagando multa ou não, tendo ou não que recorrer à justiça – e pronto.
Negócio desfeito.
Porém, incontestavelmente pelas boas relações do outrora maior grupo de comunicação de Alagoas e de seu principal sócio com o Judiciário local, na provinciana terra dos caetés, os detentores da prerrogativa de decidir pela lei mantêm a esdrúxula situação em que um dos maiores grupos de comunicação do mundo tem de se manter ligado a uma sociedade – à força
E pior: com um sócio que lhe causa danos à reputação.
A expectativa em torno do recurso movido pela Globo contra essa aberração acaba ofuscando um tema que pode ser tão ou bem espinhoso – e tão ou mais aberrante quanto: o que pode ocorrer quando a Terceira Câmara Cível proferir sua decisão.
E que, acrescido ao que já aconteceu até aqui, pode fazer com que a emissora de Collor, contando com esses procedimentos, vá levando, vá levando e, na prática, continue sendo a repetidora do sinal mais cobiçado no país, por um tempo indeterminado.
Ou no tempo da justiça alagoana.
Para relembrar: antes do dia agendado, o julgamento foi adiado.
Quando, finalmente, começou, um dos integrantes da Terceira Câmara Cível, Alcides Gusmão, se averbou suspeito e o processo teve de ser tirado de pauta.
Depois, veio o embaraço criado pelo critério de escolha de quem o substituiria: a lei manda que seja feito um sorteio, mas, o presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt, queria indicar o substituto.
A lei exige também que o sorteio seja entre desembargadores que compõe as Câmaras Cíveis – o nome que Bittencourt queria indicar é de uma Câmara Criminal.
Mais, recentemente, se deu outro embaraço – este, por vez, na acepção da palavra: a presença de Collor, na condição de convidado de honra, na última cerimônia do Tribunal de Justiça de Alagoas; a posse do novo desembargador Márcio Roberto Tenório – ex-chefe do Ministério Público (que, à exceção de um contundente parecer atestando irregularidades no processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência, tem uma parcela de gestos questionáveis no processo).
Ah, mas, se trata e um ex-presidente da República – hão de alegar.
Hoje na condenação de condenado pela mais alta corte do país por corrupção – mas, ainda ex-presidente.
Cuja biografia ficará mais marcada por ter sido enxotado no primeiro caso de impeachment vivido pelo país – mas, ainda ex-presidente.
Cujo nome está mais associado ao calote da poupança e o caso escabroso da morte do tesoureiro de campanha PC Farias – mas, ainda ex-presidente.
Como registrou o colunista do UOL, jornalista Carlos Madeiro: convidado de honra num tribunal que tinha um processo dele em vias de ser julgado.
Ah, mas, além de convidado pelo novo desembargador, a condição de ex-presidente – apesar daquelas ressalvas – o habilita a ser convidado.
Mas, como também observou o colunista do UOL: em episódio recente parecido – a posse no STF do ministro Flávio Dino, em fevereiro – Collor também foi convidado, por questão protocolar.
O que rendeu o destaque feito pelo jornalista Josias de Souza, que citou a “a cara de pau” de Collor ir a um tribunal que o condenou por corrupção.
Ao menos, como lembrou o colunista do UOL, lá não ficou na mesa de honra – ainda que a presença na audiência bastasse para destacar a desfaçatez.
Em Alagoas, a condição de ter um processo tão delicado em julgamento não pareceu fazer diferença para o Tribunal de Justiça de Alagoas.
Explicar toda essa conjuntura é importante para embasar a explicação sobre o que deve acontecer no dia 18 – quer dizer, se não houver mais nenhum adiamento.
Seja qual, a decisão da Terceira Câmara Cível passa a valer de imediato.
E novamente, vale o lembrete: a Globo entrou com um recurso denominado agravo de instrumento para contestar a decisão do juiz do processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência: a recuperação judicial.
Em dezembro, o juiz Leo Denisson de Almeida atendeu pedido feito pelas empresas de Collor e deu liminar determinando que a Globo se mantivesse sócia da TV Gazeta por cinco anos.
Na prática, a decisão garante à emissora de Collor continuar retransmitindo o sinal da Globo por mais meia década.
O benefício – além da situação esdrúxula de manter uma sociedade à força – atendeu argumento das empresas de Collor de que, se perder a receita que vem de retransmitir o sinal da Globo, não conseguiria honrar os pagamentos que se propõe a fazer na recuperação judicial.
Processo no qual, o Ministério Público identificou repasses que totalizaram R$ 6 milhões aos sócios – já durante a recuperação judicial; o que é proibido.
Os repasses foram feitos sob o regime de empréstimos de mútuo – sem passar por instituição financeira.
Collor é o sócio majoritário.
Não bastasse, documento anexado ao processo identificou que o executivo do grupo de empresas de Collor, Luís Amorim, ganha R$ 67 mil mensais; o que levou a Globo a questionar como uma empresa alega estar mal das pernas, financeiramente – a ponto de que ter que receber tamanho benefício de retransmitir o sinal mais cobiçado no país – enquanto paga tal valor.
Mas, voltando ao julgamento pela Terceira Câmara Cível do recurso da Globo – se acontecer: seja qual for a decisão, cabe recurso – que seria ao STJ.
É onde entra a cogitação sobre uma possível estratégia das empresas para se manter nessa situação.
A parte que perder, na sentença proferida pela Terceira Câmara Cível, pode pedir uma liminar, para que a situação se mantenha, até que o STJ julgue o recurso.
Quem julga essa liminar é o presidente do TJ, desembargador Fernando Tourinho.
Ele também pode delegar essa decisão ao vice-presidente do TJ, desembargador Orlando Rocha.
Se a liminar for aceita, fica valendo até o julgamento final do recurso no STJ.
Essa apelação, denominada de recurso especial, é protocolada no próprio Tribunal de Justiça de Alagoas – e não no STJ.
Ao julgar – supostamente – a liminar da parte prejudicada, o desembargador que o fizer – seja o presidente ou o vice – vai julgar também a chamada admissibilidade do recurso.
No jargão jurídico: se o recurso pode ser admitido.
Como explica jurista ouvido pelo blog, “isso porque nem todo recurso consegue subir para o STJ”.
Vale lembrar que, também no linguajar do universo legal, “subir” é o termo que operadores do Direito (juízes, promotores e advogados) usam para designar um caso que seja encaminhado – na forma de recurso – para a instância superior.
“Existe uma série de filtros; são os chamados pressupostos de admissibilidade”, explica.
Se o presidente do TJ entender que o recurso não preenche todos os requisitos, ele nega seguimento – e o recurso não vai para o STJ.
Dessa decisão dele cabe recurso ainda outro recurso: um Agravo interno – ao próprio TJ.
Nesse caso, o plenário do Tribunal de Justiça de Alagoas, com todos os desembargadores, vai julgar se a decisão do presidente foi correta.
“Se entenderem que não foi, o recurso sobe para o STJ”.
“Caso entendam que não preenche todos os requisitos, transita em julgado e o recurso não sobe para o STJ”.
“São vários requisitos para que o recurso especial passe e chegue no STJ, entre eles, o depósito recursal – já que o recurso é pago”, acrescenta.
“Não cabe rediscussão de fatos e provas; só cabe falar de direito”.
Em outras palavras, o recurso deve se ater apenas a questões jurídicas e processuais.
“Só cabe se for provado [que houve] ofensa à lei federal – que nesse caso seria a lei 11.101/2005, a lei de recuperação judicial e falências – e é necessário, também, provar que o TJ enfrentou todos os argumentos do recurso”.
Ou seja: caso os desembargadores tenham deixado de abordar algum ponto, as partes, antes de fazerem o recurso especial, “precisam fazer embargos de declaração para que o TJ possa suprir a omissão”.
“Porque para subir para o STJ é necessário que tenha havido prequestionamento de todas as matérias” – que todos os pontos foram abordados e esgotados.
Porém, um tema que o blog apurou com pessoa que acompanha os casos junto às empresas de Collor: não há prazo para o presidente do Tribunal de Justiça decidir sobre esse pedido de liminar.
Ou seja: enquanto ele não o fizer – e caso a emissora de Collor seja favorecida no julgamento pela Terceira Câmara Cível –, a situação esdrúxula se perpetua, com a empresa local contando com um amigo aqui e um atrasinho ali…