Ao emitir julgamento sobre o recuso da Rede Globo contra decisão do juiz Leo Denisson de Almeida, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas incorreu numa contradição.
Na decisão, alegou que cabe apenas à 10ª Vara Cível decidir cobre questões envolvendo as empresas de Collor, consenso entre juristas de todo o país, mas, por outro lado, considerou que o contrato entre a TV Gazeta e a Rede Globo é “bem de capital”; o que, também é consenso entre os juristas de que está incorreto.
Bens de capital são apenas itens como prédios e demais elementos concretos – ou, como alegado no julgamento ocorrido no início de junho, a antena da emissora, situada no bairro do Farol.
Os questionamentos constam do texto de recurso encaminhado pelos advogados que representam a Rede Globo.
Os embargos de declaração, além de contestação do julgamento, são sinal de a emissora carioca deverá entrar com recurso junto a instância superior.
Na decisão do início de junho, a Terceira Câmara Cível, não apenas manteve o contrato “à força”, por mais cinco anos (podendo ser prorrogado por mais cinco), como tornou a emissora carioca parte do processo – condição que não é, nem como credora e, muito menos, como devedora.
O caminho natural é o STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas, no documento, a banca de advogados – com escritórios no Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG) – alega ainda questões de ordem constitucional; indício de que um recurso também possa ser encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A corte mais alta do país – a exemplo do que ocorre com essa instância em todos os países que seguem o estado de direito – é chamada genericamente de corte constitucional, exatamente porque sua atribuição é julgar apenas circunstâncias de afronta à Lei maior do país.
Por raciocínio inverso, haver argumentações de suposta afronta ou contestação à Constituição é sinal de que o recurso possa, também, ser encaminhado ao STF – além de protocolado ao STJ.
Embargos
Essa movimentação é um embargo de declaração, conforme jurista ouvido pelo espaço, uma etapa obrigatória a ser cumprida, num caso como esse.
“Um dos requisitos essenciais do recurso especial para o STJ é que o TJ enfrente todos os argumentos trazidos e que a fundamentação seja suficiente”, diz jurista ouvido pelo espaço.
“Se algum fundamento não tiver sido enfrentado, a parte antes de recorrer para Brasília precisa fazer Embargos de declaração”, acrescenta.
O termo “enfrentar”, no jargão jurídico é sinônimo de esclarecer.
“Para que a própria Terceira Câmara Cível do TJ resolva omissões, obscuridade (quando algo ficou confuso ou contraditório) ou erro material”.
Cronologia
Em dezembro do ano passado, o juiz da 10ª Vara Cível (onde corre o processo da recuperação judicial, pelo qual as empresas de Collor procuram evitar a falência), Leo Denisson, deu liminar atendendo pedido feito pelas empresas.
O pedido consistia em manter a TV Gazeta como retransmissora do sinal da Globo em Alagoas, sob o argumento de que, se perder a receita decorrente do contrato de retransmissão, o grupo de comunicação local não tem como pagar as obrigações – inclusive as assumidas durante a recuperação judicial.
A Globo, então recorreu ao Tribunal de Justiça, alegando que o contrato já estava para se encerrar e que o foro – definido por ambas as partes no próprio contrato – para dirimir eventuais dúvidas era o da Comarca do Rio de Janeiro, não o da Comarca de Maceió.
Após uma série de questionáveis adiamentos, a Terceira Câmara Cível julgou o recurso da Rede Globo.
O relator do processo, desembargador Paulo Zacarias, votou pela derrubada da liminar de Leo Denisson.
Mas, o presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt, deu votou contrário – e foi acompanhado pela juíza convocada Fátima Pirauá.
Uma das alegações que embasaram o voto de Bittencourt (para manter o contrato da Globo com a TV Gazeta) era de que decisão do próprio STJ define que, quando uma empresa entra em recuperação judicial, qualquer decisão referente a ela tem de ser proferida pelo juiz da Vara judicial onde tramita esse processo – o chamado juiz natural.
Nesse caso, é o titular – ou a titular – da 10ª Vara Cível.
Quando chegam a conclusões assim, os tribunais superiores – STJ e STF – criam o que no universo jurídico se denomina de jurisprudência, ou seja: essa decisão passa a valer para todos os processos semelhantes.
Porém, também é jurisprudência que os chamados “bens de capital” – que estão “protegidos” pela recuperação judicial são apenas os itens concretos.
Os que não se enquadram nessa categoria – como um contrato, por exemplo – não são bens de capital.
Essa foi uma das conclusões do relator do processo, porém, contrariada pelo voto do presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt.
Para o relator, desembargador Paulo Zacarias, o contrato não pode ser enquadrado como “bem de capital” – conforme a jurisprudência do STJ.
“Exatamente por essa razão, e bem identificando o ponto central da discussão, reconheceu o eminente Desembargador Paulo Zacarias da Silva na r. decisão de fls. 321/335 que bens de capital, aludidos nos referidos dispositivos, são aqueles ‘bens móveis ou imóveis envoltos na atividade produtiva da empresa em recuperação’, concluindo que ‘não há como considerar que o contrato, uma relação jurídica com plexo de obrigações e direitos recíprocos às partes, possa ser bem de capital’”, diz trecho do recurso protocolado na Justiça alagoana pelos advogados da Rede Globo.
“Lamentavelmente, porém, o v. acórdão optou por divergir do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça nessa questão, pois, na sua visão, ‘não são relevantes os argumentos relativos à discussão sobre se o contrato de convenção firmado entre as partes se trata de bem de capital, ou não, discussão necessária para concluir sobre a sua essencialidade’”, acrescenta o texto.
Um dos pontos em que o mesmo documento cita a Constituição – e que pode ser motivo de o recurso também ser protocolado na mais alta corte brasileira é o seguinte: “embargado omitiu-se quanto ao princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal, já que criou hipóteses concretas de juízos excepcionais e de extraordinárias competências a eles ínsitas, tudo isso também à margem do princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da CF/88)”.
Mais adiante, o documento coloca:
“Ainda, omitiu-se o v. acórdão quanto à norma do art. 221, IV, da Constituição Federal, que dispõe sobre a obrigação de que a produção e veiculação de conteúdos respeite ‘aos valores éticos e sociais da pessoa e da família’”.
Para arrematar, logo depois:
“Desconsiderando essa expressa previsão constitucional, o v. acórdão embargado obrigou a GLOBO a renovar relação contratual já extinta com a TV GAZETA, veículo de imprensa detido por FERNANDO COLLOR DE MELLO, ambos (a empresa e o seu proprietário) alvos de diversos escândalos empresariais e pessoais (inclusive envolvendo suspeitas de corrupção) nos últimos anos, conforme amplamente noticiado pela imprensa nacional”.