A Procuradoria-geral da República deu parecer favorável à Globo no processo para desfazer a sociedade com uma das empresas do grupo de Collor, a Organização Arnon de Mello (OAM).
O parecer, uma espécie de aconselhamento, foi proferido nessa quinta-feira (18) e assinado pelo próprio chefe da instituição, o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
“Havendo ameaça à adequada prestação de serviço público, configura-se o grave risco de lesão à ordem pública que justifica a concessão da contracautela”, escreveu Gonet, na conclusão do documento, referindo-se a conceder o que pede a emissora carioca.
“O parecer é por que o pedido de suspensão seja deferido”, finaliza o PGR, mencionando para que seja concedido o pedido feito pela Globo.
Juridicamente, a contracautela significa desfazer as decisões da Justiça de Alagoas, em primeira e segunda instâncias, e uma em terceira: a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve as duas primeiras.
Na prática, representa a posição do Ministério Público no sentido de que o contrato seja desfeito.
O parecer é parte do processo relativo a um dos recursos movidos pela Globo contra a manutenção compulsória da relação com a emissora local – e, por tabela, com a figura de Collor.
É o julgamento que está para ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Julgar é prerrogativa apenas dos ministros, mas a consulta ao Ministério Público (em todas as esferas do Judiciário) não é apenas de caráter protocolar.
Desde a aceitação de uma denúncia, quando um indiciado por investigação policial passa à condição de réu, a posição do MP é levada em conta – e, em geral, acompanhada pelos julgadores.
Para efeito de exemplificação: nos casos de tribunal do júri (em processos de crimes contra a vida), cabe ao MP fazer a acusação, que serve de base para pedidos de condenação e absolvição (sim: às vezes, o próprio MP solicita que o réu seja absolvido) e as sustentações orais e em réplicas ou tréplicas, e até os pedidos de tempo de condenação.
Motivo para que, em todas as sessões públicas de julgamento, o representante do MP esteja presente em plenário.

Processo
Por 3 votos a 2, a Terceira Turma do STJ, em 19 de agosto, manteve a sociedade “à força” da Globo com a TV Gazeta.
O ministro-relator, Ricardo Villas Bôas Cueva, apresentou voto favorável à suspensão do contrato, mas o presidente da Terceira Turma, Humberto Eustáquio Martins, votou no sentido contrário.
Entre os argumentos, segundo ele, como a sociedade é essencial para a recuperação econômica das empresas de Collor, seria possível reduzir (mitigar) a autonomia da Globo, na condição de outra parte no contrato de sociedade.
Foi nessa condição – como a de qualquer sócio, quando expõe a intenção de desfazer uma parceria de negócio – que a emissora carioca, de comum acordo com o próprio grupo de comunicação Organização Arnon de Mello, exerceu tal direito, comunicando que a sociedade se encerraria em 31 de dezembro de 2023.
Mas, no entendimento da justiça de Alagoas e do STJ, para que as empresas de Collor não sigam para a falência – como alega a direção e advogados da OAM –, a emissora carioca teria que abdicar de sua livre escolha de firmar ou não sociedade, com quem passasse em sua avaliação de critérios para ostentar o mais prestigiado sinal de televisão aberta no país, e se manter ligada a Collor até 2028.

Os demais integrantes da Terceira Turma do STJ, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira, acompanharam o voto de Martins, que, além de alagoano, já tinha sido homenageado por uma das emissoras de Collor, mas nem ele, nem os advogados viram nisso razão suficiente para alegar sua suspeição, e ou ele se afastar do julgamento, ou ser solicitado que o fizesse.
A ministra Nancy Andrighi acompanhou o ministro-relator, sustentando que a interferência judicial num processo que deveria ser orientado apenas pela relação entre as partes – os sócios – representava um risco de instaurar insegurança jurídica nas negociações empresariais de todo o país.
Mas, como o ministro-relator, foi voto vencido.
Ao fazer sua sustentação perante a Terceira Turma, o advogado que representa a Globo, Marcelo Lamego Carpenter Ferreira, argumentou que as empresas de Collor usaram como argumento sua condição de estar sob recuperação judicial.
Mas, segundo o advogado, esse processo tem como partes apenas as empresas de Collor e seus credores – a Globo não é parte; não é sequer credora, destacou o representante da defesa jurídica da emissora carioca.
E que não teve oportunidade para apresentar sua defesa, como em qualquer ação convencional, uma vez que o grupo OAM apenas pediu que fosse dada a liminar prorrogando a sociedade e esta foi concedida pelo juiz Leo Dênisson de Almeida, no final de 2023.
E pior: mantida pela Terceira Turma do Tribunal de Justiça de Alagoas e pela Terceira Turma do STJ.

Para conseguir a prorrogação da sociedade com a Globo, as empresas de Collor teriam que entrar com outro processo, que chegaria à liminar – mas, até lá cumpriria com as etapas regulares, entre as quais, permitir que emissora carioca apresentasse uma defesa jurídica.
Impedimento de gestores
No parecer, composto de nove páginas, o procurador-geral da República apresenta, já no enunciado, o posicionamento para que o pedido seja concedido: a revisão das decisões da primeira instância e de sua confirmação pelo Tribunal de Justiça, em Alagoas, e da confirmação dessas pelo STJ, em Brasília (DF).
Em seguida, faz um relato de como se deu a movimentação das empresas de Collor, que “ao ser comunicada pela concessionária de serviços de radiodifusão de sons e imagens [a Globo] que o contrato, com vigência até 31.12.2023, não seria renovado, requereu ao Juízo da Recuperação Judicial a prorrogação compulsória, obtendo decisão favorável para determinar a renovação pelo prazo de cinco anos, iniciando-se em 01.01.2024”.
Em seguida, o documento relaciona: “Interposto agravo de instrumento, inicialmente recebido com efeito suspensivo, o Tribunal de Justiça de Alagoas negou provimento ao recurso e restaurou a determinação para que fosse operada a renovação conforme determinado na decisão de primeira instância” – a do juiz Leo Denisson.
“A Globo interpôs os recursos especial e extraordinário, que, não admitidos na origem, ensejaram a interposição de agravos”.
Mais adiante, o documento relaciona os cinco pontos citados pelo STJ, com base nos argumentos do voto divergente do presidente da Terceira Turma, Humberto Eustáquio, e os argumentos da Globo.
Entre eles há o que diz a legislação para o setor de radiodifusão no país.
“A Globo ajuizou este pedido de suspensão”, diz trecho do parecer que se refere à emissora carioca.

“Sustentou que a renovação forçada do contrato produz graves danos sociais e ao interesse público, comprometendo a qualidade do serviço de radiodifusão e a liberdade de programação”.
E, acrescenta – num ponto em que relaciona os argumentos mais graves:
“Salientou que a TV Gazeta foi utilizada para a prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, com o envolvimento dos seus dirigentes, o que rompe a confiança e o alinhamento ético necessários para a manutenção da parceria”.
A passagem faz referência à condenação de Collor pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção e lavagem de dinheiro.
Para cometer este último, segundo o processo, Collor utilizou a estrutura da TV Gazeta.
“Pontuou que as decisões do Tribunal de Justiça de Alagoas e do Superior Tribunal de Justiça negaram vigência a normas da Lei n. 11.101/2005” – a lei que trata da recuperação judicial (RJ); uma espécie de blindagem que concede vários benefícios às empresas nessa condição.
“Consignou que a subversão das regras da recuperação judicial cria um ambiente de negócios com enorme insegurança jurídica, afetando a ordem pública econômica e trazendo inevitável efeito multiplicador”.
Ou, como este blog já adiantou, as empresas de Collor têm usado a recuperação judicial para muitos objetivos.
Porém, senão todos, boa parte para outros fins que não o de se recuperar financeira e economicamente.
E entre os que não estão previstos, com “a subversão das regras da recuperação judicial”, está o de dar calote em ex-empregados.
“Cogitou de desestímulo à livre iniciativa e à concorrência, princípios fundamentais da ordem econômica, conforme art. 170 da Constituição”, diz passagem seguinte do mesmo parecer da PGR.
O documento cita ainda manifestação do Ministério das Comunicações, proferida por meio de sua Secretaria de Radiodifusão (SERAD).
O Ministério reafirmou que o contrato é uma relação entre as partes – apenas.
“4. Instado a prestar subsídios, o Ministério das Comunicações, por meio da Secretaria de Radiodifusão (SERAD), na Nota Informativa nº 1264/2025/MCOM, destacou, inicialmente, que a afiliação consiste em um contrato de natureza privada firmado entre entidades outorgadas para prestar serviços de radiodifusão ou atividades correlatas, por meio do qual se definem as condições de retransmissão de programação, incluindo cláusulas sobre exclusividade, publicidade local e divisão de receitas”, diz o documento, reproduzido no parecer na PGR.
E acrescentou:
“Trata-se de ajuste celebrado diretamente entre particulares, sem intervenção ou controle prévio do Ministério das Comunicações, embora sujeito às normas regulatórias do setor”.
Nessa advertência, o Ministério das Comunicações também chamou atenção para o quadro de sócios da empresa que recebe o direito de reproduzir um sinal de outra:
“5. A Pasta esclareceu então que, embora os contratos de afiliação entre emissoras de radiodifusão detenham natureza privada, a legislação impõe restrições relevantes à composição societária das entidades outorgadas, especialmente quanto à participação de parlamentares e pessoas condenadas por determinados ilícitos”.
Segundo o setor do Ministério das Comunicações, “há indícios claros de infração por parte da entidade afiliada, decorrentes da permanência, em sua estrutura societária e diretiva, de pessoas já condenadas judicialmente, razão pela qual instaurou o ‘processo de apuração de infração nº 53115.023074/2025-50’”.

“Tal situação configura violação às exigências legais de idoneidade para o exercício da atividade de radiodifusão e pode ensejar, inclusive, a penalidade de cassação da outorga, nos termos do art. 64, alínea ‘d’, do Código Brasileiro de Telecomunicações”.
Antiguidade
No julgamento no STJ, advogados das empresas de Collor sustentaram como argumento para a manutenção do contrato o tempo de sociedade.
A TV Gazeta passou a retransmitir o sinal da emissora carioca em 1975, sendo a segunda afiliada Globo no país.
Mais antiga apenas a RBS, no Rio Grande do Sul.
Fundada em 1962, a emissora gaúcha passou a retransmitir a Globo em 1969.
O pai de Collor, Arnon de Mello, é saudado por suas empresas como um visionário, tendo, entre outros, antevisto o que se tornaria o sonho de Roberto Marinho: hoje, uma das cinco maiores emissoras do mundo, a maior da América Latina e do hemisfério sul.
Mas, para garantir o financiamento ao grupo, enquanto comete crimes – como o da condenação pelo STF –, Collor vem dilapidando o resultado desse esforço.
Não só o financiamento econômico: o resultado de julgamentos a seu favor mostra o peso político de ser detentor do sinal – e do porquê de a emissora carioca querer tanto se desfazer da sociedade.
A advertência do órgão do Ministério das Comunicações – mesmo sem citar diretamente esta relação de causa e efeito –, acende o sinal para o próprio grupo Organização Arnon de Mello: na busca por manter à força a sociedade, no que envolveu a Justiça de Alagoas e o STJ, Collor pode perder o mais elementar, a exemplo de permissões exigidas de quem opere alguns prosaicos rádios numa arena de espetáculos de multidão ou um dispositivo de pequeno porte para captação de imagens aéreas: a autorização das autoridades federais responsáveis pela gestão do chamado espectro de ondas sobre o território brasileiro.