O vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Orlando Rocha, negou admissibilidade aos recursos da Rede Globo contra decisão da Terceira Câmara Cível.
A decisão foi proferida nessa sexta-feira (10), mesmo dia em que este blog trouxe publicação apontando para possível indefinição acerca do tema.
A página eletrônica do periódico Extra teve acesso à decisão do desembargador, que, na prática, considerou que os recursos da Globo não têm como desfazer a decisão da Terceira Câmara Cível.
Ou seja: no jargão jornalístico, este blog “levou um furo” ou “foi furado” pela página, expressão usadas para designar quando um veículo dá uma informação relevante antes dos demais – e pejorativa para classificar quem só quem noticiou depois.
O que, no entanto, não é demérito nenhum para este espaço, visto falarmos – no caso da página eletrônica citada – de um dos veículos que reúnem nomes de referência no jornalismo investigativo de Alagoas.
Porém, no lugar de selar o destino do sinal da Globo nas mãos do grupo de comunicação que reúne as empresas de Collor – a Organização Arnon de Mello (OAM) –, a decisão do desembargador deverá produzir efeito contrário.
Primeiramente, começa a encerrar, no âmbito da Justiça de Alagoas, os processos questionando o direito de transmitir o sinal, e dá início a uma nova etapa: iniciando o envio dos autos para os tribunais superiores.
Os questionamentos sobre esse direito se arrastam desde 2023 na Justiça alagoana.
E para termos uma ideia da falta de celeridade na tramitação, condição que beneficiou Collor e suas empresas, desde o final de 2023 foram dois recursos – apenas – relacionados ao tema retransmissão do sinal.
A decisão do desembargador, no entanto, não se refere à concessão ou não do direito da empresa emissora local, já reconhecido na decisão questionável da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça.
A manifestação de Orlando Rocha se atém a considerar se a Rede Globo tem ou não razão em pedir que a decisão da Câmara Cível fosse mudada.
E como citado, há uma ou duas postagens antes, por este blog, era considerada praticamente nula a hipótese de haver mudança.
O componente crucial da decisão do desembargador está em “destravar” o processo, termo da linguagem jurídica para designar que os recursos apresentados pela Rede Globo – e protocolados em setembro – podem seguir para os tribunais superiores.
De acordo com pessoas que acompanham a tramitação jurídica dos processos, a partir da publicação da decisão do desembargador Orlando Rocha no Diário Oficial, a emissora carioca terá 15 dias úteis para fazer Agravo em recurso especial e Agravo em recurso Extraordinário.
“Nesses agravos, a Globo já pode pedir liminar para que o sinal seja cortado”, diz uma pessoa que acompanha o andamento de parte jurídica dos casos, ouvida pela reportagem, referindo-se ao direito de transmitir o sinal da emissora carioca.
Depois disso, a empresa da OAM terá quinze dias úteis para apresentar sua defesa.
O passo seguinte é o envio dos autos do processo, pelo Tribunal de Justiça de Alagoas para o STJ e para o STF.
Nesta etapa, ainda conforme a avaliação de quem acompanha os trâmites jurídicos do processo, os ministros relatores, em cada uma das cortes, vão julgar o pedido de liminar (caso a Globo o faça) e é possível que o sinal seja cortado antes do julgamento desse recurso.
Jurídico e político
Uma decorrência desse cenário é a alegada influência política de Collor nos julgamentos.
Entre pessoas que acompanham os processos, de empresários a espectadores, ou têm interesse no desfecho das ações, a exemplo dos credores trabalhistas de Collor, não foram raras as menções à influência dele nas decisões de vários órgãos – ou, como este blog citou na postagem de sexta-feira (10), em “não decisões”, que também têm reflexos concretos: manter a situação como está; neste caso, circunstância que beneficia a Organização Arnon de Mello.
Um dos primeiros resultados desse raciocínio seria avaliar se há ministros num dos dois tribunais que tenham sido nomeados por Collor, antes de ele ser enxotado da Presidência.
Não há.
Os ministros mais antigos ainda em atuação foram indicados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Outra análise poderia considerar os ministros indicados e ou nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que supostamente, poderiam votar favoráveis aos interesses de Collor.
No Supremo, há os ministros André Mendonça e Nunes Marques.
Sob o ponto de vista jurídico-político, estas circunstâncias como um todo poderiam ser avaliadas como favoráveis à emissora carioca.
Vale lembrar ainda que no STJ há o alagoano Humberto Martins, que já exerceu a presidência do Tribunal.
Mas, neste caso, ele deveria se averbar suspeito para julgar.
Não por ser alagoano, mas, porque em duas ocasiões, foi homenageado pela Organização Arnon de Mello (OAM) já durante o processo de recuperação das empresas de Collor.
Enquanto o STF é composto por onze ministros, o STJ tem 33, dos quais, três foram indicados por FHC; doze em gestões do presidente Lula; 14, pela ex-presidente Dilma Rousseff e dois pelo ex-presidente Bolsonaro.
Duas vagas estão aguardando nomeação porque seus integrantes se aposentaram compulsoriamente, ao atingir a idade-limite de 75 anos.
Linha do tempo – e uma violação de deixar boquiaberto
Em novembro de 2023, o então juiz da 10ª Vara Cível, onde tramita o processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência – a recuperação judicial (RJ) –, Leo Denisson de Almeida, atendeu pedido das empresas e concedeu liminar proibindo a Globo de trocar de retransmissora, sob o argumento de que isso prejudicaria o grupo de comunicação local.
Por meio de seus advogados, a Globo entrou com recurso, que foi julgado pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em junho.
O desembargador-relator do processo, desembargador Paulo Zacarias, entendeu que as alegações da emissora carioca tinham procedência, mas, acabou sendo voto vencido.
O então presidente da Câmara Cível, Fábio Bittencourt, entendeu que o contrato de retransmissão é bem de capital – o que a Justiça brasileira já reconhece que não é (só podem ser considerados bens de capital itens concretos, como prédios ou equipamentos) –, além de dar outras decisões questionáveis.
A juíza convocada, Fátima Pirauá, votou com Bittencourt.
Diante dessa decisão, a emissora carioca entrou com outros dois recursos, em setembro: um para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por entender que há violações a leis brasileiras, e outro para o Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que entre as decisões que constam das conclusões da Câmara Cível, também há violações à Constituição.
Entre os argumentos do recurso para o STJ, a Globo contesta as decisões da Terceira Câmara Cível, a partir da posição de Fábio Bittencourt, alegando que houve uma violação legal, quando o acórdão (documento com o resumo do julgamento, trazendo o voto vencedor) deu “interpretação ilegal ao princípio da preservação de empresa para renovação compulsória de um contrato”.
Outro questionamento feito pela Globo foi quanto à escolha do foro para definir as questões da sociedade: no contrato, há cerca de 50 anos, o escolhido foi o do Rio de Janeiro (sede da emissora carioca).
No entendimento da justiça local, por tratar da recuperação da empresa, o melhor, no entanto, é o da 10ª Vara da Comarca de Maceió.
Mesmo tendo “passado” ao administrador judicial os empréstimos de mútuo (sem ser via instituições financeiras) feitos pelas empresas aos sócios.
Collor é o sócio majoritário.
E as operações, que totalizariam R$ 6 milhões, foram feitas já durante a recuperação judicial; o que é ilegal.
E mais: “ao interferir diretamente e sem fundamento nos termos contratuais entabulados entre as partes, forçando a renovação contratual por um período de 5 anos, o acórdão violou o artigo 21 da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro”.
Passagem que pode até causar espanto porque a tal legislação citada parece ser o “básico do básico” nas ciências jurídicas – e o citado colegiado no Tribunal de Justiça, segundo o recurso, a violou.
Violação que, novamente, acabou por beneficiar as empresas de Collor.