Ser julgado direto pela última instância – desvantagem, correto?

Em vez de julgado por juiz de primeiro grau, podendo recorrer às instâncias superiores, para quem tem mandato é diferente
Reprodução de ilustração de famosa passagem atribuída a Ruy Barbosa: ser julgado direto por tribunais superiores é desvantagem (por não ter mais nada acima, a quem recorrer), correto? Sim e não... Ué: levo ou deixo os patos? (Foto: reprodução/Ditongo Poético)

Primeiro, a contextualização:

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo de seu quintal. Foi averiguar e constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus patos, disse-lhe:

— Oh, bucéfalo anátropo!!!… Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos á sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica, bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, todo confuso:

— Dotô, resumino… eu levo ou dêxo os pato???…

O texto é daqueles que, além do pitoresco (e tirando a emanação vocabular – ou justamente por ela) e hilário, podem servir como metáfora, para ilustrar outras situações – mais um que admiro é o do sítio, com Olavo Bilac (quem não leu coloca esses parâmetros em qualquer buscador que chega lá – vale a pena).

A contextualização é motivada a propósito da discussão da manhã deste sábado (02) entre credores das empresas de Collor, em que um jurista faz a distinção entre a condição que o sócio majoritário das empresas tinha até o ano passado.

“Um cidadão comum que comete crime é julgado primeiro por um juiz comum”, ensina o operador do direito ouvido na discussão.

“Em caso de condenação ele recorre ao TJ, depois ao STJ e excepcionalmente ao STF”, acrescenta.

“Teoricamente um político que comete um crime durante o mandato já sai na ‘desvantagem’, porque o processo dele já pula as instâncias todas”, diz.

O problema – enfatiza o jurista, referindo-se ao Judiciário brasileiro – é que, na prática o STF, o STJ e demais tribunais só costumam pautar esses julgamentos quando o político está sem mandato.

A influência política no meio jurídico faz com que esses julgamentos só entrem em pauta quando há interesse (mais político que jurídico) – geralmente, para atacar adversários.

O Ministério Público de Alagoas, após denúncias de advogados de credores (de renomados escritórios do Rio Grande do Sul ao Distrito Federal), que se engajaram na causa, em defesa dos credores – pelo que viram de absurdos –, emitiu parecer reconhecendo que há supostos crimes contra a lei de falências na operação que as empresas de Collor armaram parta evitar a falência.

Os crimes teriam sido cometidos quando era senador.

“Sendo senador, a Constituição diz que ele já é julgado direto no STF”.

“Ou seja, é uma ‘desvantagem’ porque ele já é julgado na última instância diretamente”.

Mas, isso apenas em tese, porque, na prática, o tribunal se sentou nesse processo e só resolveu colocar em pauta quando ele perdeu o mandato, meio como vingança, pela aliança com Bolsonaro.

“Então ele tem direito a um único recurso – para o próprio STF; depois disso, teoricamente ele será preso”.

Teoricamente, porque, como mostra a demora no próprio processo para as empresas de Collor evitarem a falência, a decisão virá “se o crime não estiver prescrito” antes.

Vai depender de o STF julgar logo

A prescrição dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no Brasil se dá após 16 anos.

Porém, como Collor já tem mais de 70 anos, esse prazo para a prescrição cai pela metade.

Então o STF tem oito nos para julgar esse recurso – ou ele nunca será preso.

Como a própria justiça brasileira tem se empenhado em demonstrar – mesmo que não seja sua intenção; o que mostra é a prática, a realidade, bem mais efetiva: não importa a instância que julga, o que importa é a condição social do cidadão – aliás, da pessoa; já que visto sob tal prisma, é mais cidadão para julgadores e demais autoridades quem tem poder e dinheiro.

Como diz o bordão: “todos são iguais perante a lei – porém, uns ‘são mais iguais’ que outros”.

Ou: “levo ou deixo ‘os pato’, doutor?”

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