Ruas, escolas, rodovias: nomes ligados à ditadura geram controvérsia 60 anos após golpe

Segundo o site "Ditamapa", todos os estados brasileiros possuem locais públicos que fazem referência a autoridades que integraram o regime militar
De cima para baixo, rua presidente Médici, em João Pessoa (PB); Colégio Estadual 31 de Março, em Alexânia (GO), e rodovia Presidente Castelo Branco, em São Paulo. (Foto: reprodução / arte: CNN / reprodução/Google)

Ao redor do Brasil, ruas, escolas, rodovias, entre outras localidades são nomeadas em homenagem a personagens ligados à ditadura militar brasileira.

Segundo o site “Ditamapa”, que compila locais que enquadram nesse ponto, todos os estados brasileiros possuem locais públicos que fazem referência a autoridades que integraram o regime militar.

O projeto, desenvolvido pelos pesquisadores Giselle Beiguelman, da Universidade de São Paulo (USP), e Andrey Koens, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é um mapa de ruas, avenidas, pontes e viadutos que têm nomes dos presidentes que governaram o país entre 1964 e 1985.

“O que está por traz desse processo de nomeação é uma história do poder, das narrativas oficiais que, via de regra, apagam as dissidências e as histórias contra-hegemônicas”, avalia Beiguelman sobre a escolha dos nomes.

Ao todo, são 538 locais registrados pelo Ditamapa. Sendo eles:

157 referências a Humberto Castelo Branco, primeiro presidente militar;

184 referências a Artur da Costa e Silva, segundo presidente militar;

3 referências à Junta Militar;

109 referências a Emilio Garrastazu Médici, terceiro presidente militar;

51 referências a Ernesto Geisel, quarto presidente militar;

34 referências a João Figueiredo, quinto e último presidente militar.

As homenagens ao período associado à censura e perseguição política geram controvérsia.

“É muito importante fazermos a crítica da nossa história e isso passa por contestar as homenagens a ditadores, torturadores, traficantes de escravos entre outros”, diz Giselle Beiguelman.

“É importante, no entanto, criar recursos, em museus, arquivos, e, também, online, como é o caso do Ditamapa, que deem legibilidade às histórias de violência que nos constituem como país e sociedade”.

Mudança

Um dos casos mais emblemáticos de contestação ocorreu em São Paulo, com a alteração do nome do antigo Elevado Costa e Silva, conhecido entre os paulistanos como “Minhocão”.

A via, que fazia referência ao presidente militar que esteve à frente do país de 1967 a 1969, passou a homenagear o presidente deposto no golpe de 1964 e se tornou Elevado Presidente João Goulart.

A sanção do projeto de lei ocorreu na gestão de Fernando Haddad (PT), em 2016.

No mesmo período, a prefeitura lançou o programa “Ruas de Memória”, instituído pelo decreto 57.146/2016 — dedicado a “alterar progressivamente e de maneira participativa o nome de logradouros que homenageiam violadores de direitos humanos da ditadura militar”.

De lá para cá, além do Minhocão, outros cinco logradouros tiveram seus nomes alterados na capital paulista:

Rua Alcides Cintra Bueno Filho para Rua Zilda Arns;

Av. General Golbery do Couto para Avenida Giuseppe Benito Pegoraro;

Praça General Milton Tavares de Souza para Paulo Sella Neto (Tin Tin);

Rua Doutor Sergio Fleury para Frei Tito;

Viaduto 31 de Março para Therezinha Zerbini.

Logradouros que ainda homenageiam agentes da ditadura na cidade de São Paulo:

Rua Alberi Vieira dos Santos;

Praça Ministro Alfredo Buzaid;

Rua Alcides Cintra Bueno Filho;

Praça Augusto Rademaker Grunewald;

Avenida Presidente Castelo Branco;

Rua Délio Jardim de Matos;

Avenida General Ênio Pimentel da Silveira;

Rua Senador Filinto Müller;

Rua Hely Lopes de Meirelles;

Rua Henning Boilesen;

Praça General Humberto de Souza Melo;

Rua Mário Santalucia;

Rua Octávio Gonçalves Moreira Junior;

Rua Olímpio Mourão Filho;

Rua Governador Roberto Costa Abreu Sodré.

Veja alguns casos de locais registrados pelo Ditamapa

Avenida Presidente Castello Branco, Porto Alegre (RS)

Na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, uma avenida homenageia o primeiro presidente militar da ditadura brasileira: Humberto de Alencar Castello Branco.

Em 2014, chegou a ser aprovada uma lei que alterava o nome da via para avenida da Legalidade e Democracia.

Em 2018, porém, o Tribunal da Justiça (TJ) considerou a determinação ilegal e o nome anterior foi recuperado.

Colégio Estadual 31 de Março, Alexânia (GO)

No município de Alexânia, a cerca de 90 quilômetros da capital federal, Brasília, o Colégio Estadual 31 de Março faz referência direta a data em que se iniciou o golpe de Estado — que no meio militar costuma ser citado como “movimento revolucionário”.

Rodovia Presidente Castelo Branco, São Paulo (SP)

Principal ligação entre a região metropolitana de São Paulo com o centro-oeste do estado, a mudança do nome da Rodovia Castelo Branco chegou a ser proposta pelo então deputado do PT, Wagner Lino, em 2001.

Até hoje, porém, a via mantém o nome do presidente militar.

Rua Presidente Médici, João Pessoa (PB)

Entre os bairros Costa e Silva e Ernesto Geisel, a rua Presidente Médici é um dos diversos logradouros da cidade que, em seu próprio nome, é uma homenagem.

João Pessoa, capital da Paraíba, faz referência a um notório político de Pernambuco — que chegou a ser candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas e foi assassinado em 1930.

Travessa Presidente Ernesto Geisel, Altamira (PA)

A cerca de dois quilômetros da rodovia Transamazônica (traçada uma linha reta no mapa) está a Travessa Presidente Ernesto Geisel, em Altamira, no Pará.

Símbolo da ditadura militar e rodeada de polêmicas — que vão desde as condições da via até a passagem por terras indígenas —, a BR-230 começou a ser construída em 1970, durante o governo Médici.

A inauguração se deu dois anos depois.

Renata Souza — CNN / São Paulo

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