Reportagem do colunista do UOL, o alagoano Carlos Madeiro, mostra o processo de exclusão numa das regiões de praias que estão se tornando destino mais badalado no litoral de todo o país.
“À esquerda da rodovia AL-101, uma estreita rua sem calçamento dá acesso à favela Cabanas do Porto, em São Miguel dos Milagres, litoral norte de Alagoas”, diz trecho da reportagem.
A matéria mostra a realidade das famílias expulsas e locais de precariedade extrema onde foram obrigadas a viver em contraste com as festas na região.
“Sem saneamento e com 35 famílias em moradias precárias, a área está a 1 km da praia que hoje se tornou um dos destinos mais caros e badalados para virada de ano no Nordeste — o ex-presidente Jair Bolsonaro vai passar o fim de ano lá”.
“É o ‘Réveillon dos Milagres’, que engloba mais duas cidades da rota ecológica: Passo do Camaragibe e Porto de Pedras”.
Em muitos desses eventos, organizadores “gourmetizaram” o nome da cidade – que tem a palavra Milagres – e passaram a ostentar a expressão “believe in miracles” (acredite em milagres – em inglês).
“Do lado direito da rodovia, está o mar e suas pousadas, condomínios de luxo e terrenos com placas que repetem uma mesma ideia: “propriedade privada”, “proibido acesso”.
Antônio Amaro Nascimento Filho, 51, mora há 14 anos em São Miguel dos Milagres e terá de deixar sua casa de chão de terra em 15 dias.
“O dono pediu porque vai colocar piso e alugar ela mais caro”.
Na casa vivem 11 pessoas: ele, a esposa, oito filhos e um neto.
A família paga R$ 300 ao mês e não sabe para onde vai.
“Eu cheguei a fazer casa duas vezes, mas minha área dada foi uma nascente, e ela desabou”, lamenta.
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O turismo de massa nos últimos anos mudou a dinâmica da cidade.
Ele é positivo por aumentar a receita do município e gerar empregos.
Entretanto, gerou problemas colaterais, como a “expulsão” de moradores das melhores áreas e o aumento do custo de vida.
“A gente está vivendo nessa situação precária por causa do turismo, que ficou com todas as áreas boas”, diz Antônio.
Como foi a ocupação
Em 2009, o grupo de moradores ocupou um terreno baldio à margem da AL-101 (lado da praia).
Após nove anos, o proprietário entrou com ação de despejo para começar a vender lotes a investidores.
Os moradores tiveram de sair — inicialmente foram levados a uma quadra de e de esportes cedida pela prefeitura, onde ficaram por um ano e três meses.
Em 2019, a Prefeitura de São Miguel dos Milagres cedeu uma área, sem estrutura, para que erguessem casas e barracos.
“A gente vive na lama, cheio de mosquitos”, diz a moradora Grasiely Batista, de 21 anos.
“O calor dentro de casa é insuportável porque o teto tem lona”.
“Quando chove, piora porque entra água”, relata Grasiely, uma das que ergueu um barraco no local.
Carlos Madeiro – colunista/UOL