O Ministério Público Estadual deve ser cobrado a tomar medidas em relação a pelo menos duas situações relacionadas ao processo envolvendo as empresas de Collor.
Num dos casos, o pedido é para que se apure parecer dado pelo promotor Wladimir Bessa da Cruz – que tinha pedido para se afastar do processo.
No outro, para que o titular da 64ª Promotoria, Bolivar Cruz Ferro, responsável pela apuração também na esfera criminal envolvendo as empresas de Collor, apure supostas manobras do grupo, que pede a liberação de R$ 458 mil retidos pela Justiça.
O pedido de providências foi feito pelo advogado da credora trabalhista que no último dia 4 foi a primeira pessoa, entre os demais integrantes do segmento, a conseguir receber, em dinheiro, direitos não honrados pelas empresas de Collor desde que o grupo de comunicação entrou em recuperação judicial.
A jornalista, que vivenciou sofrimento psicológico (atestado por perícia), em decorrência de assédio moral, deixou Alagoas e mudou de profissão.
Com um grupo de credores, ela conseguiu que a Justiça do Trabalho, em última instância, em Brasília (DF), reconhecesse que as empresas pagavam diretamente contas de seus sócios, levando ao chamado incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) – na prática, dando ao credor trabalhista o direito de cobrar sua dívida do patrimônio não da empresa, mas, dos sócios.
Collor é o principal acionista do grupo de comunicação e, conforme denúncia feita por diversos advogados de credores, de escritórios em diferentes estados, recebeu cerca de R$ 6 milhões, quando as empresas já se encontravam em recuperação judicial; o que é proibido.
Como não foram localizados recursos nas contas de Collor, a credora conseguiu que o bloqueio dos recursos a que tinha direito – cerca de R$ 400 mil – fosse feito nas contas da atual mulher de Collor, Caroline Serejo.
Pedidos
As solicitações encaminhadas pelo advogado Marcos Vinícius de Rolemberg Soares, foram encaminhados à 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió, onde tramita o processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência.
A recuperação judicial – condição em que estão grandes grupos como Odebrecht, Oi, Samarco e Americanas; e ao qual se juntou a Casa do Pão de Queijo esta semana – é um mecanismo na Lei de Falências, que permite às empresas tentar se reerguer sem ir diretamente à bancarrota, afetando mercado de fornecedores e de trabalho.
A empresa recebe uma espécie de blindagem (quando não pode ter bens bloqueados), mas, em troca, deve procurar pôr as contas em ordem e pagar a credores – e num prazo que não passe de dois anos.
A recuperação judicial das empresas de Collor se arrasta desde 2019, passou por seis juízes – dos quais as duas integrantes da magistratura, que não são alagoanas, foram as que adotaram algumas das medidas contundentes, fazendo o processo “andar”.
E conforme várias denúncias – como os recursos repassados aos sócios –, o processo tem se caracterizado por diversos aspectos, exceto pela transparência, como, aliás, cita trecho de documento protocolado pela Rede Globo, questionando decisão da Justiça de Alagoas.
Em relação ao promotor Wladimir Bessa da Cruz, o advogado pede à pessoa integrante da magistratura de Alagoas que esteja respondendo pela 10ª Vara que comunique ao chefe do Ministério Público de Alagoas, o procurador-geral de Justiça Lean Araújo, sobre recente parecer proferido por Cruz no processo.
Um representante do MP proferir parecer num processo não causaria o menor espanto não fosse por um detalhe: o promotor Wladimir Bessa se declarou impedido de atuar nesse processo, em novembro de 2019 – ainda no início da longa e arrastada ação.
Em seguida seu substituto legal, promotor Francisco Augusto Tenório de Albuquerque, também pediu para se afastar, se declarando suspeito e, com isso “o processo tramitou por quase três anos sem nenhum acompanhamento do Ministério Público Estadual”, como frisa trecho do documento encaminhado pelo advogado à 10ª Vara.
Porém, no mês de abril do ano passado, Bessa da Cruz proferiu parecer no processo – do qual tinha pedido para se afastar.
O caso foi objeto de matéria na mídia local.
Logo em seguida, o promotor se manifestou, solicitando que seu parecer fosse desconsiderado, alegando “em face ao volume de páginas no processo e por claro equívoco”.
“Por ser a segunda vez que essa situação acontece, é inverossímil acreditar que num processo de tanta repercussão, envolvendo o maior grupo de comunicação do estado e um ex-presidente da República, o mesmo promotor tenha se esquecido de novo de seu impedimento legal”, diz o documento protocolado pelo advogado.
“Considerando o nível de suspeita que paira sobre a tramitação destes autos se requer a notificação do procurador geral de justiça para tomar as medidas que entender necessárias para assegurar a lisura do processo e que o mesmo erro não aconteça uma terceira vez e atrapalhe o andamento dos autos”, acrescenta o advogado.
Meio milhão e apartamento
Em relação ao promotor Bolivar o pedido é para que o representante da 64ª Promotoria adote possíveis providências, em relação a um caso já citado nesse espaço.
As empresas de Collor pediram à Justiça para que liberasse R$ 458.114,00 referentes a “depósitos recursais” de outros processos.
Depósitos recursais são os custos que pessoas físicas ou jurídicas têm que fazer – como o nome diz – sempre que recorrem às instâncias superiores, contra decisões que consideram que lhes são desfavoráveis ou prejudiciais.
Em cada processo trabalhista em que as empresas de Collor perderam em primeira instância e entraram com recurso, precisaram pagar.
Porém, como os processos terminaram em acordo, a Justiça do Trabalho devolve os valores referentes a esses depósitos.
No entanto, num conjunto de 13 processos trabalhistas, as empresas inseriram um processo que tramitou não na Justiça do Trabalho, mas, na Justiça Federal.
Trata-se de um acordo feito com a Braskem, referente a um apartamento em nome de uma das empresas e que se situava no bairro do Pinheiro.
Em outubro de 2022, o terceiro promotor designado pelo Ministério Público de Alagoas para atuar nos processos envolvendo as empresas de Collor proferiu parecer apontando que haveria indícios de crimes contra a Lei de Falências entre algumas operações realizadas durante a recuperação judicial.
E recomendava abertura de inquérito policial para apurar tais fatos.
A investigação chegou à Polícia Civil, mas, ao que consta, ainda não saiu do papel.
Após um ano de emitido o parecer (em outubro do ano passado), o MP esclareceu que, como esta etapa se daria na esfera criminal – e não mais na esfera cível –, seu representante teria que ser um promotor deste mesmo segmento: no caso, tal procedimento encontra-se sob a responsabilidade do promotor de Justiça titular da 64ª Promotoria, Bolivar Cruz Ferro.
Por isso, segundo o advogado, a inclusão de um processo que não é da Justiça do Trabalho entre os que seriam beneficiados com a liberação do dinheiro bloqueado seria, no mínimo, algo a ser investigado.
“Legenda: Conforme o documento juntado na página 19484 – 19492, o acordo foi uma indenização por um apartamento situado no edifício Tibério Rocha no bairro do Pinheiro”, diz o documento protocolado pelo advogado.
“Diante de mais um indício de confusão patrimonial entre o patrimônio dos sócios e o da empresa, e, também de desvio de finalidade da pessoa jurídica para custear bens pessoais dos sócios”, acrescenta.
“Também diante do evidente desvio de recursos da empresa para aquisição de bens de uso pessoal dos sócios e administradores está evidenciada fraude aos credores e, também fraude à execução”, enfatiza.
“Requer que o promotor criminal BOLIVAR CRUZ FERRO da 64ª promotoria de justiça (responsável pela apuração criminal do caso do grupo Arnon de Mello), seja notificado para adotar as medidas que entender de direito”, diz trecho seguinte da petição (pedido) encaminhado pelo advogado à 10ª Vara.