Prisão imediata após o júri: o que muda com decisão do STF e os casos mais afetados

Acusados de crimes contra mulheres e resultantes de conflitos entre familiares e conhecidos, que geralmente respondiam em liberdade, devem passar a ser presos, diz pesquisadora
Plenário do STF, que decidiu sobre a questão: segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tribunais de Justiça pelo país informaram ao órgão que 42 processos chegaram a ser suspensos à espera da decisão do STF sobre o cumprimento imediato da pena após condenação pelo júri; após o desfecho no Supremo, esses condenados já podem ser presos. (Foto: reprodução / Antonio Augusto / SCO / STF)

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na semana passada que réus condenados pelo Tribunal do Júri podem começar a cumprir a pena imediatamente, mesmo que recorram da sentença.

No Brasil, o júri é responsável por julgar os crimes contra a vida, como homicídio e tentativa de homicídio.

Segundo especialistas, a regra geral é que quem respondeu ao processo em liberdade aguarde o julgamento dos recursos em liberdade, inclusive depois da condenação pelo júri.

É isso que deve mudar com a decisão do Supremo, afetando principalmente casos de feminicídios e mortes decorrentes de conflitos familiares e entre pessoas conhecidas, como vizinhos e amigos — os chamados conflitos do dia a dia.

STF decide que condenado pelo Tribunal do Júri terá que cumprir pena imediatamente

São nesses crimes que os acusados costumam responder ao processo e aguardar os recursos em liberdade.

É o que aponta Ludmila Ribeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública e associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Segundo a especialista, ao permitir que esses réus fiquem soltos durante o processo, a Justiça geralmente presume que eles tinham uma relação pessoal com as vítimas e, por isso, tenderiam a não cometer novos crimes.

Já os acusados que chegam presos ao júri (e que continuam presos após a condenação) são os dos crimes de grande repercussão midiática e sobretudo os integrantes de facções criminosas, os quais a Justiça entende que tendem a se envolver em novos homicídios.

Os réus podem chegar presos ao Tribunal do Júri em duas situações:

quando foram pegos em flagrante;

ou quando tiveram a prisão preventiva decretada ao longo do processo — por risco de fuga ou por atrapalhar a investigação, por exemplo.

Não existem dados atuais sobre o percentual de réus que respondem aos processos de homicídio presos ou soltos.

Um estudo publicado por Ludmila em 2014, a partir da análise de processos julgados pelo júri em cinco capitais em 2013, mostrou que em cerca de 30% dos casos os acusados chegavam ao julgamento presos: 20% por flagrantes e 10% por prisões decretadas no curso do processo (preventivas).

A pesquisadora afirma que, durante o julgamento no STF, chamou a atenção o voto da ministra Cármen Lúcia, que disse que “quando uma mulher é violentada, assassinada, estuprada, assediada, todas nós, mulheres no mundo, somos”.

Para Ludmila, esse é um indicativo de que a decisão do Supremo deve afetar os crimes contra a vida de mulheres.

O próprio caso concreto analisado pela Corte, que resultou no entendimento de que o cumprimento imediato da pena imposta pelo júri não fere a presunção de inocência estabelecida na Constituição, era de um feminicídio.

Um homem de Santa Catarina matou a esposa com quatro facadas, na frente da filha, e aguardava em liberdade o julgamento dos recursos.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os tribunais de Justiça pelo país informaram ao órgão que 42 processos chegaram a ser suspensos à espera da decisão do STF sobre o cumprimento imediato da pena após condenação pelo júri.

Após o desfecho no Supremo, esses condenados já podem ser presos.

Prescrições

Para Ludmila, a decisão do Supremo “é simbólica e responde aos clamores da sociedade”, mas não ataca o principal problema dos tribunais do júri: a demora para a realização dos julgamentos.

A morosidade acaba levando à impossibilidade de o Estado punir os réus, seja pela morte deles ou, na maioria dos casos, pela prescrição.

“Se nós queremos efetivamente responder ao problema do júri, precisamos repensar mais a questão da extinção da punibilidade do que o cumprimento imediato da pena”, avalia a pesquisadora.

Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicado em 2019 mostrou que em 32,4% dos processos do júri houve extinção da punibilidade.

Em 47,9% dos casos, os jurados condenaram os acusados, e em 19,6%, houve absolvição.

Esse mesmo estudo do CNJ, o mais recente sobre o tema, apontou que o tempo médio entre a data do crime e a realização do júri é de 6 anos e 8 meses, mas há estados em que passa de dez anos.

A pesquisa de Ludmila, de 2014, chegou a um tempo médio de 8 anos e 6 meses.

Para evitar um aumento dos casos de prescrição, o Poder Judiciário realiza anualmente um mutirão, no mês de novembro, para acelerar julgamentos pelo júri.

O mais recente, de 2023, resultou em 2.038 condenações e 962 absolvições.

No final do ano passado, havia quase 160 mil processos pendentes nos tribunais do júri pelo país.

O relatório do CNJ sobre o mutirão de 2023 mostrou que:

o percentual de condenações cresce quando a vítima é mulher: 85%

o percentual de condenações cai quando o réu é policial: 39%

Segundo Ludmila, isso ocorre porque, em geral, as investigações sobre feminicídios trazem mais provas do que as demais, como testemunhos de familiares e vizinhos do casal, não deixando dúvidas sobre a autoria do crime.

Já no caso de policiais acusados de assassinato, conforme a pesquisadora, ainda existe entre boa parte dos jurados a lógica do “bandido bom é bandido morto”, o que os leva a tolerar a criminalidade policial.

Reynaldo Turollo Jr — G1 / Brasília

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