Planos de saúde ameaçam cancelar contratos de pacientes em tratamento

Reclamações por cancelamento ou suspensão de planos coletivos por adesão tiveram crescimento expressivo
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) diz que exclusão de beneficiários é permitida quando ocorre perda de vínculo com entidade responsável pelo contrato, desde que a rescisão seja comunicada com prazo de 60 dias. (Foto: reprodução)

O medo de perder o plano de saúde dos pais, idosos e em tratamento médico, há quatro meses desespera a fonoaudióloga Chang Liang Hui, 53.

“Meus pais precisam do convênio para sobreviver; para eles é questão de vida ou morte”, diz ela.

Debilitado pelo tratamento de um câncer e após sofrer três AVCs (acidente vascular cerebral), o pai de 80 anos está internado em um hospital de retaguarda, recebendo cuidados paliativos.

Já a mãe dela, aos 76 anos, enfrenta problemas renais e faz hemodiálise três vezes por semana.

Mesmo pagando R$ 15 mil mensais, a família foi surpreendida, em setembro passado, por um comunicado da operadora exigindo a comprovação de vínculo com a entidade de classe responsável pelo contrato, sob risco de cancelamento.

O plano do casal é do tipo coletivo por adesão, que hoje corresponde a aproximadamente 80% do mercado da saúde suplementar brasileira.

Essa modalidade exige que o consumidor tenha alguma associação com entidade de classe ou representativa de sua categoria profissional.

Na época em que o plano foi contratado, cerca de 20 anos atrás, os pais de Chang tinham um comércio.

Ela afirma que a comprovação de vínculo nunca foi solicitada antes, mesmo após fechamento da loja, em 2009.

“Tive que reabrir a empresa da minha mãe e agora o vínculo está em análise. Recebendo uma negativa, na hora eu vou entrar na Justiça pedindo uma liminar para manter a cobertura”, afirma Chang, moradora de Cotia, na Grande São Paulo.

Segundo o advogado especializado em direito à saúde Rafael Robba, o caso de Chang está longe de ser isolado.

Desde o início do ano, o escritório Vilhena Silva, em que ele atua, já foi acionado por mais de 50 pessoas com esse problema.

“Temos percebido que essas solicitações [de comprovação de vínculo] estão sendo direcionadas especialmente para pacientes idosos ou em tratamento de doenças graves e crônicas”, afirma o advogado.

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), órgão do governo que regula o setor, diz que a exclusão de beneficiários pelas operadoras é permitida quando há perda de vínculo com a entidade responsável pelo contrato, desde que a rescisão seja comunicada com prazo de 60 dias.

Segundo Robba, porém, a prática pode ser reconhecida como abusiva pelo Judiciário.

“Além de colocar o consumidor em extrema vulnerabilidade, é uma prática que atenta contra o objeto contrato, que é resguardar o beneficiário quando ele precisa de atendimento”, diz o advogado, que já obteve liminares garantindo a permanência de pacientes em tratamento no convênio.

De acordo com estatísticas da ANS, as reclamações de beneficiários por cancelamento ou suspensão de planos coletivos por adesão tiveram crescimento expressivo a partir de outubro passado.

No trimestre final de 2023, a agência registrou 1.317 queixas do tipo.

O montante representa alta de 54% em comparação com as reclamações contabilizadas no mesmo período do ano anterior (856).

Um problema comum, segundo o advogado Rodrigo Araújo, é que muitas pessoas contratam planos dessa modalidade sem possuir efetivamente um vínculo com entidade de classe e posteriormente são excluídas pelas operadoras.

Isto, segundo ele, não se trata necessariamente de fraude.

“Muitas pessoas quando procuram o corretor de seguros, que é na verdade um preposto da operadora de saúde, acabam orientadas a se filiarem a determinadas associações que na verdade só foram constituídas para viabilizar essa contratação”.

“Muitas vezes o consumidor nem sabe que isso pode gerar uma fraude no futuro”, diz o advogado.

Em caso de cancelamento unilateral, o consumidor pode exigir a manutenção do contrato, segundo Araújo.

“Tanto porque ele não tinha ciência de que estava fraudando a contratação, como também quando estiver em tratamento médico”.

“O Poder Judiciário hoje tem entendimento amplamente majoritário no sentido de que é devida a manutenção desse contrato no mínimo até a alta médica”, acrescenta.

Procurada, a Qualicorp, administradora de benefícios responsável pelo contrato de Chang, disse em nota que “tem no seu escopo de atuação verificar a regularidade da contratação e manutenção de planos de saúde coletivos por adesão de seus clientes, tendo em vista a exigência legal de comprovação de vínculo com entidades de classe em tal modalidade de plano de saúde”.

Leonardo Zvarick — citando Folhapress

Leia também