Perdoe-os, mas não esqueça seus nomes

Bancada alagoana deu maior “contribuição” para que a PEC fosse aprovada: nada menos que o articulador em prol do resultado – Arthur Lira
Levantamento feito pelo portal G1 mostra que, “entre 1988 e 2001, quando a regra antiga ainda estava em vigor, o Congresso protegeu os seus parlamentares e autorizou apenas um processo”. (Foto: reprodução / Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil)

Da bancada de Alagoas na Câmara dos Deputados, apenas dois parlamentares votaram contra a PEC da Blindagem: Daniel Barbosa (PP) e Paulão (PT).

Dos outros sete, Alfredo Gaspar, ausente, não votou.

Mas, os demais aprovaram a proposta de mudar a Constituição para aumentar os privilégios legais e jurídicos aos integrantes do Congresso, que recebeu 353 votos contra 134, em primeiro turno de votação, e 344 a 133, no segundo – ambos numa noite só.

Aliás, foi a bancada de Alagoas que contribuiu com o maior articulador para o resultado: Arthur Lira.

Além dele, votaram aprovando a PEC os deputados federais Marx Beltrão (PP), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB), Luciano Amaral (PSD), Delegado Fábio Costa (PP) e Rafael Brito (MDB).

O resultado, num caso de escárnio explícito aos brasileiros, faz remeter à frase atribuída a político dos EUA, conhecido por tantas delas, pelo carisma e pela trágica morte, em 1963: John Fitzgerald Kennedy.

A reportagem consultou os parlamentares que votaram para aprovar a PEC.

Até o fechamento, apenas um tinha respondido.

Consulta ao portal G1 sobre as principais mudanças resultou no seguinte:

Prisão em flagrante

A Constituição já prevê que a prisão em flagrante de parlamentares deve ser submetida ao plenário da Casa Legislativa para decidir se será mantida ou não.

Pela PEC, em casos de crime inafiançável, os autos devem ser enviados à Câmara ou ao Senado em até 24 horas.

A decisão de manter ou não a prisão será feita por votação secreta entre os parlamentares – hoje a votação é nominal.

Abertura de processo criminal

O texto recupera parte do modelo anterior a 2001, quando era necessário aval do Legislativo para abertura de processos contra deputados e senadores.

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá que pedir autorização da Câmara ou do Senado para processar um parlamentar.

A votação para autorizar ou não o processo será aberta e deve ocorrer em até 90 dias após pedida a autorização.

Um destaque aprovado na terça (16) retirou da PEC a previsão de votação secreta nesses casos.

Ou seja, será nominal.

O G1 também citou levantamento mostrando que, “entre 1988 e 2001, quando a regra antiga ainda estava em vigor, o Congresso protegeu os seus parlamentares e autorizou apenas um processo”.

Continua a comparação feita pelo portal de notícias, sobre como era e como ficará:

Medidas cautelares

A proposta estabelece que parlamentares só poderão ser alvo de medidas cautelares expedidas pelo STF, e não por instâncias inferiores da Justiça.

As medidas cautelares são obrigações impostas pela Justiça a investigados e alvos de processos penais.

Medidas cautelares incluem, por exemplo, restrições de contato ou obrigações impostas a investigados em processos penais.

Foro privilegiado

A PEC amplia o foro privilegiado e passa a incluir também os presidentes de partidos com representação no Congresso Nacional.

Com isso, eles passam a ser julgados diretamente no Supremo Tribunal Federal, assim como já ocorre com presidente e vice da República, ministros do STF, PGR, deputados e senadores.

O foro privilegiado – chamado de foro especial por prerrogativa de função – é um mecanismo previsto na Constituição que faz com que algumas autoridades tenham o direito de ser julgadas por crimes comuns, ou de responsabilidade, em tribunais ou em Casas Legislativas.

Articulação

No motim que tomou a Mesa diretora da Câmara e do Senado, após a prisão domiciliar de Bolsonaro, entre as muitas concessões feitas pelo hesitante Hugo Motta (Republicanos–PB), para poder novamente tomar assento em seu lugar como presidente de Câmara, estava colocar a PEC em pauta.

O resto coube à oposição, que é maioria nas duas casas do Congresso, condição que impede, por exemplo, a apreciação de temas de interesse popular como a isenção do IR para valores abaixo de R$ 5 mil.

A defesa de interesses diversos e antagônicos não é apenas esperada; é legítima e os espaços parlamentares, de Câmaras municipais ao Congresso Nacional, devem sua existência a eles – que devem, sim, estar presentes.

Oposição é tão sinônimo de democracia quanto ter acesso a serviços públicos universais e direito ao voto.

Uma deformação desse conceito, porém, é termos também líderes desse segmento protagonizando manchetes não políticas, mas policiais – e em número bem considerável, mesmo para os padrões brasileiros; impensado para padrões de outros países.

Como é o caso do líder do principal partido da oposição, deputado Sóstenes Cavalcante (PL–RJ).

Consulta a um portal de notícias revela que o parlamentar, que também é pastor, teve ao menos um crime inscrito nos dados referentes a ele.

Diz texto no portal Agência Pública: “o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) envolveu-se em um acidente de trânsito em 2022 que resultou na morte de uma idosa. Nunca houve investigação sobre o acidente”.

“A Agência Pública teve acesso com exclusividade ao boletim de ocorrência registrado (BO) pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), no qual consta que o deputado passou direto num cruzamento onde deveria parar. Apesar disso, não houve investigação ou processo sobre o acidente. Descobrimos também indícios de que o BO registrado pela PRF pode ter sido alterado”, continua a reportagem sobre o caso.

“O acidente ocorreu às 13h25 do dia 15 de junho de 2022, na BR-040, na cidade de Cristalina, em Goiás. Era uma quarta-feira, dia em que Sóstenes deveria ter participado das comissões de Educação e de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, além da sessão do plenário da Câmara dos Deputados. O parlamentar – que é pastor e uma das lideranças da bancada evangélica no Congresso Nacional – não registrou presença em nenhuma das reuniões e decidiu pegar a estrada para visitar parentes em uma cidade do interior de Goiás. Sóstenes estava dirigindo um Toyota Corolla alugado – cujo aluguel custou R$ 4,5 mil à Câmara naquele mês”.

Outro líder da bancada de oposição, o deputado federal por Goiás, Gustavo Gayer, segundo portais, defende um perfil conservador:

“Não vou mentir. Feriado de Carnaval é a época que eu menos tenho esperança no Brasil. Um país que celebra o capeta nas ruas não tem como dar certo”, escreveu na plataforma X.

“O que não consta em seu discurso nem jamais é tratado em seus vídeos é que ele e sua família possuem um histórico obscuro de problemas com a Polícia e com a Justiça, que incluem processo por homicídio, prisão por dirigir embriagado, irmão condenado por assassinato, brigas de faca entre familiares e até o suicídio de um avô-deputado em plena Câmara dos Deputados”, diz portal consultado pelo espaço.

“No dia 16 de julho de 2015, o deputado (então empresário) bateu sozinho seu Toyota Corolla à 1h30 da manhã, na avenida 85, em Goiânia”.

“Assim que os policiais abordaram o condutor, notaram sinais de embriaguez do hoje deputado, então submeteram-no ao teste do bafômetro, momento em que foi constatado que Gustavo Gayer estava bêbado. Resultado: foi preso em flagrante, sendo posteriormente posto em liberdade com o pagamento de fiança”.

“As informações acima constam em documentos oficiais da Polícia Civil e do Ministério Público de Goiânia, como se pode ver nos trechos reproduzidos abaixo”.

Outra pessoa já tinha sido morta por veículo dirigido por Gayer, em 2000.

Ele foi processado por homicídio culposo (sem a intenção de matar).

Relato sobre uma das passagens envolvendo o deputado Gustavo Gayer: “assim que os policiais abordaram o condutor, notaram sinais de embriaguez do hoje deputado, então submeteram-no ao teste do bafômetro, momento em que foi constatado que Gustavo Gayer estava bêbado. Resultado: foi preso em flagrante, sendo posteriormente posto em liberdade com o pagamento de fiança”. (Foto: reprodução; reprodução / MP–GO)

Mais uma desfiguração protagonizada pelo nosso Congresso é o instituto da imunidade parlamentar, necessária para que os representantes façam denúncias que os demais cidadãos não podem fazer – e invariavelmente os procuram para isso –, acabar convertido em benefício de acobertamento.

E não se vê nenhuma preocupação em preservar o conceito legítimo para o qual o benefício foi criado.

Exemplo mais claro é o do – agora – ex-deputado Chiquinho Brazão, eleito pelo Rio de Janeiro e preso desde o ano passado, acusado de ser o mandante da execução da vereadora carioca Marielle Franco (no crime que vitimou também o motorista Anderson Gomes).

Brazão não foi cassado em decorrência de envolvimento no crime; uma execução que certamente manchou ou teve alguns respingos sobre a reputação do Congresso em que Brazão servia.

Foi cassado porque, uma vez preso, acabou acumulando mais de um terço de faltas às sessões realizadas naquele período.

Plenário da Câmara, que fez duas votações numa noite para garantir a PEC da Blindagem com que os deputados querem se proteger (dois deles, pelo menos, são acusados de mortes ao volante): placares – 353 a 134; 344 a 133 – dá o tamanho da sanha dos parlamentares pela autoproteção. (Foto: reprodução)

Uma saída matreira que, novamente, mostra que a casa do povo abdica de princípios importantes – entre os quais coragem para enfrentar os problemas de frente e chamá-los pelo nome.

Ou no caso do deputado por São Paulo Eduardo Bolsonaro (PL).

Mesmo ausente da Câmara desde março, quando passou a viver nos Estados Unidos articulando sanções ao Brasil, em vez de punição – a ser aplicada inicialmente por seu partido –, recebeu o benefício da nomeação como líder da minoria, designado pelo PL; numa manobra de se manter longe, mas sem sofrer os reflexos negativos para seu mandato.

Retorno

O portal buscou ouvir os deputados que votaram a favor da PEC e o deputado Alfredo Gaspar.

Mesmo ausente, caberia uma satisfação a seus eleitores – ou não eleitores, mas que, na condição de contribuintes, pagam com seus impostos os salários dele e demais custos da estrutura parlamentar dos congressistas.

Até o fechamento da reportagem, o portal não recebeu seu retorno.

Também não retornaram os deputados Isnaldo Bulhões Jr, Rafael Brito, Marx Beltrão e Luciano Amaral.

O único a responder foi o deputado Fábio Costa:

“Essa PEC é fundamental para garantir a autonomia do Parlamento e proteger a liberdade de expressão”, diz trecho da reposta enviada pelo parlamentar.

“O objetivo é impedir que parlamentares sejam processados por crime de opinião quando estão defendendo ideias, princípios e valores em nome da população”, acrescentou.

Mas, não custa lembrar que tais direitos já se encontram assegurados pela lei.

“Essa é uma vitória para a democracia brasileira e um passo importante para fortalecer o direito de cada representante do povo falar com independência”, comemorou Costa, que é delegado de polícia.

O colunista do portal UOL Leonardo Sakamtoto cita a proteção ao exercício de mandato, que tem de haver, em contraposição ao absurdo de muitos parlamentares serem flagrados na prática de trabalho análogo à escravidão, em suas propriedades.

“O Congresso tenta estender isso, tentando transformar algo que é uma prerrogativa para a proteção do exercício do mandato em um privilégio pessoal”, diz o portal, sobre o benefício que os parlamentares terão sob o argumento de ter garantido o direito à expressão.

Cinismo

O deputado federal por Minas Gerais Nikolas Ferreira, que detém o título porque assim a democracia manda e reconhece, teve o cinismo de dizer, respondendo às críticas ao excesso de cobertura obtido pelos deputados com a votação dessa terça (16), que, caso haja condutas irregulares, bastaria solicitar ao plenário a autorização para punir o parlamentar.

Alguém explique para o autor de tamanha infâmia (que não o faz por desconhecimento; é por escárnio, mesmo) que o placar da votação – 353 a 134 no primeiro turno, e 344 a 133 no segundo – dá a real dimensão de quanto os parlamentares que defendem a blindagem vão, mesmo, autorizar as investigações.

E dá também o tamanho do cinismo da observação do deputado mineiro.

Forgive

E a propósito da frase a que votação da PEC pode remeter, entre as mais célebres declarações de JFK está: “forgive your enemies, but don’t forget their names”.

Ou algo como: perdoe seus inimigos, mas não esqueça seus nomes.

Ah! Mas são inimigos? – haverá quem pergunte.

Se você, leitor, atrasar algumas prestações de um bem, sofrerá consequências; se não atender intimações judiciais, se descumprir outras obrigações, sofrerá sanções, punições, penas.

Mas seus representantes, pagos por você, agem assim para se proteger contra a lei e até contra a mais alta instância do Judiciário brasileiro – que são, no fim, a sua garantia.

É, por exemplo, um salvo-conduto antecipado contra uma punição por atropelamento, dirigindo embriagado.

E qualquer um que esteja na frente pode ser vítima.

Ou contra uma execução que possam tramar – seja lá por que motivo for.

Então, se agir assim não é ser inimigo, amigo é que – definitivamente – não é.

Portanto, remetendo à frase, perdoe-os.

Perdoe-os, agora.

Cobre a reversão dos votos, critique-os em espaços como os endereços eletrônicos (a exemplo dos disponibilizados no próprio portal da Câmara dos Deputados).

Cobre e critique em redes sociais, espaços virtuais e públicos e cerimônias em que estejam presentes.

Cobre, mas os perdoe.

Porém, não esqueça seus nomes no ano que vem.

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