Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Presidência da Câmara dos Deputados transforma áreas da costa marítima brasileira em piscinão natural de ricaços. Se no solo havia intenção de deixar passar a “boiada”, no mar os tubarões da política formam um cardume voraz para abocanhar água e areia com “sanha” de tsunami.
A PEC 03/2022 extingue os terrenos de Marinha no litoral – área que se estende 33 metros da maré mais alta ou das margens de rios e lagos – e privatiza, de graça, essas faixas de terras.
A PEC será debatida em audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado nesta segunda-feira (27).
O relator do projeto é o senador Flávio Bolsonaro (PL-SP).
O projeto revoga o inciso VII do caput do art. 20 da Constituição Federal e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que estabelece o domínio da União sobre as faixas litorâneas. Atualmente, a iniciativa privada precisa obter licença e contrapartida ambiental para qualquer empreendimento.
No artigo 1º, a PEC estabelece:
– Passam ao domínio pleno dos foreiros e dos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação desta Emenda Constitucional; I
– Passam ao domínio dos ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 (cinco) anos antes da data de publicação desta Emenda Constitucional e seja formalmente comprovada a boa-fé;
– Passam aos cessionários as áreas que lhes foram cedidas pela União.
Foreiros são terrenos cedidos pelo proprietário a terceiro, que passa a ter diversos direitos de propriedade.
O ambientalista e ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc classifica o projeto de “nefasto”.
No X, ex-Twitter, Carlos Minc diz que “o PL acaba com a proteção ambiental da costa brasileira”.
“Doa gratuitamente a posseiro e concessionário”.
“Poderão cobrar, construir”.
“Em tempo de mudança climática: SOS”, escreveu Minc.
Ambientalistas alertam que a zona costeira é fundamental para a proteção das cidades, da vida selvagem e modo de vida de uma boa parcela da população, especialmente a mais vulnerável.
É o caso dos pescadores artesanais, pequenos comerciantes da praia e o turismo de base comunitária.
Outro temor é que sem o controle público, essas áreas se transformem em praias privadas e condomínios de luxo erando maior risco de desastres ambientais.
Pela proposta, o controle público será mínimo e se limitará às áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e a unidades ambientais federais, e as áreas não ocupadas.
Também assam ao domínio pleno dos respectivos Estados e Municípios as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos.
O GT-Mar (Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha), vinculado à Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, alerta que os terrenos marinhos são estratégicos para adaptação às mudanças climáticas.
A conservação dessas faixas é também fundamental para reduzir vulnerabilidade da zona costeira frente ao aumento do nível do mar.
Conforme o GT-Mar, uma possível aprovação da PEC significaria o crescimento exponencial de conflitos diante do “grande incentivo à invasão de terras públicas – urbanas e rurais – apenas pela sugestão de possibilidade de privatização dessas áreas”.
No portal e-Cidadania, do Senado, enquete sobre a PEC tem até este domingo (26) 17.718 votos contra e apenas 309 a favor.
Cleber Oliveira — Portal Atual (Amazonas)