Onde está Collor?

Ou – mais importante: os bens com que a Justiça mandou que pagasse o que deve
Collor e a procura de oficiais de Justiça -por ele e pelos bens: em processos judiciais de credores trabaçlhistas, juízes de 1º grau determinam a medida em relação a bens móveis e imóveis, mas, há uma dificuldade para os responsáveis por fazer a medida sair do papel, localizar alguns veículos – e o próprio devedor. (Foto: reprodução)

Como se não bastassem episódios como ir a uma cerimônia no STF menos de um ano depois de ter sido condenado pela própria corte – classificado pelo jornalista Josias de Souza como um gesto “cara de pau” –, Collor tem mostrado comportamento de índole semelhante à tal passagem, porém de dignidade mais questionável.

Credores trabalhistas e seus representantes legais se depararam nos últimos dias com uma dificuldade adicional para fazer valer os direitos de funcionários que suas empresas demitiram, mas não pagaram o que devem.

No popular: onde Collor está residindo e onde estão parte dos bens já penhorados pela justiça para pagamento dessas dívidas?

A estratégia pode, contudo, ter efeito contrário: como não está sendo encontrado num dos endereços citados como o mais recente, um apartamento em São Paulo (SP), o imóvel também pode se tornar mais um bem a ser pedido por credores para pagamento das dívidas trabalhistas das empresas de Collor – a exemplo do que aconteceu recentemente com uma cobertura de luxo, de frente à praia, em Maceió.

De acordo com informações da Receita Federal, o endereço do apartamento na capital paulista aparece como sendo, também, o da empresa Água Branca, uma das que comporiam o rol de patrimônios associados a Collor.

No início dos esforços para localizar tais patrimônios – depois que o grupo de comunicação Organização Arnon de Mello (OAM) entrou em recuperação judicial –, a empresa foi cogitada como possível destino de recursos, para que não fossem alcançados pela Justiça, numa prática como a que se deu com sua atual esposa, Caroline.

A Justiça do Trabalho determinou bloqueio de sua conta, para pagamento de uma das ações, quando foram identificados valores vultosos na conta dela.

O Tribunal do Trabalho reverteu a medida – agindo em favor de Collor – e, depois de a decisão ser novamente proferida, foram encontrados apenas R$ 14,97.

O montante encontrado inicialmente tinha sido transferido.

A partir de reportagem do programa “Fantástico”, da Rede Globo – revelando plano de assaltantes para invadir e roubar bens na cobertura de Collor, em Maceió –, representantes jurídicos dos credores confirmaram que ele não reside no imóvel e puderam obter na Justiça do Trabalho a penhora deste bem.

Mas onde estão os carros?

Porém, uma situação mais complicada se dá em relação a bens móveis.

O caso se refere à penhora de seis veículos: três no processo de um credor; três no processo de outro.

Os dois processos são da Justiça do Trabalho, proferidas por diferentes Varas do Trabalho de Maceió, e as decisões são de juízes de 1º grau, mesma instância que proferiu uma das decisões mais contundentes contra Collor nos muitos processos que suas empresas enfrentam por não honrar dívidas trabalhistas: a penhora de uma chácara na celebrada estância de inverno paulista de Campos do Jordão.

Associado aos esportivos de alto luxo, Collor possui, na verdadeira frota associada a ele ou às suas empresas, também veículos de valores abaixo da classificação de milionários – como de resto, haverá de ser com qualquer pessoa que tenha posses, ou tenha tido (e aí se incluem veículos terrestres, aquáticos ou aéreos).

Ou seja, não há somente carrões; há SUVs e outros.

Como parte do procedimento jurídico, a Justiça intimou advogados de Collor a informar a localização dos carros.

Segundo o espaço apurou, foram apresentados dois endereços: o apartamento localizado no bairro Morro dos Ingleses, em São Paulo (SP), e a Casa da Dinda, em Brasília (DF), tornada famosa durante o exercício da Presidência, da qual foi enxotado pelo impeachment.

O oficial de justiça designado para executar esta fase de uma penhora (como a identificação do bem por fotografias feitas pelo serventuário da Justiça, descrição do estado de conservação, entre outros) informou, em caráter oficial, que “não encontrou ninguém no apartamento” – em São Paulo.

Da mesma forma, o outro servidor do Judiciário designado para executar o cumprimento da penhora na Casa da Dinda “também não encontrou nenhum dos carros lá”.

E que “o segurança da Casa da Dinda disse que o responsável era o Thiago Amorim” – referindo-se a um assessor jurídico das empresas de Collor.

Ainda como parte do relatório, passado pelos serventuários à Justiça, “o oficial de justiça ligou para o Thiago Amorim que disse que os carros estavam em São Paulo mesmo e um em Maceió”.

Além de passar as informações, Thiago Amorim passou fotos dos carros.

Ainda conforme informações obtidas pelo portal, “o juiz então mandou nova carta precatória para São Paulo porque insistiu que a avaliação tinha que ser presencial e não por foto”.

Carta precatória é o instrumento pelo qual as autoridades do Judiciário executam medidas dentro de um processo, em outras localidades fora de suas comarcas.

O juiz do local onde corre um processo envia o documento para o juiz da comarca onde se encontra algo referente a este procedimento – que pode ser, por exemplo, de pedido para uma diligência (como prisão ou apreensão) ou localização de um fugitivo, à localização de bens penhorados para pagamento de dívidas trabalhistas, como neste caso.

Ainda conforme parte dessas medidas judiciais de tentativa de localização do devedor, chegou ao conhecimento da Justiça que “ninguém está morando no endereço Morro dos Ingleses em São Paulo, os carros não estão lá”; o que para uma pessoa, integrante do segmento de operadores do Direito, que acompanha o processo, caracteriza que nessa cadeia de vaivém de informações “faltaram com a verdade” sobre a localização dos carros.

Tal procedimento, por sua vez, se configura em “ato atentatório à dignidade da justiça e cabe multa de 20% do valor do crédito” para os dois trabalhadores que movem as ações.

Ato atentatório – como o nome indica – é desfazer de uma medida judicial e se dá quando, por exemplo, alguém é convocado para uma audiência e não comparece sem motivo justificado; no popular: não estar nem aí.

Ainda que seja um crime, é enquadrado como os de menor potencial ofensivo.

Neste caso, se houvesse tramitação, esta se daria no Juizado localizado no terminal rodoviário de Maceió.

E como dizem os memes de redes sociais sobre os casos recentes da política brasileira, nem mesmo o “roteirista do Brasil” teria criatividade suficiente para imaginar alguém cuja marca sempre foi a empáfia tendo que comparecer a um ambiente tão – digamos – “popular” como a rodoviária de Maceió.

Para além de todo o esforço dos credores para localizar os bens e, enfim, ter o que lhes é de direito, a localização do próprio Collor é necessária por um preceito legal – que deve ser respeitado: apesar do desrespeito demonstrado por ele pela justiça, por órgãos judiciais, pelos direitos de quem trabalha, ele tem de ser citado (informado) oficialmente de tudo o que há contra si; o que não é pouco.

Quando quis aparecer, como na ida ao STF, em fevereiro, ou ao Tribunal de Justiça de Alagoas, para a posse do desembargador Márcio Roberto Tenório de Albuquerque (como convidado de honra), Collor exercitou toda a desfaçatez que lhe é peculiar.

Agora, tais atitudes fazem despertar a perguntar sobre se sequer continua no país.

O objetivo de sua ida ao STF, para a posse do ministro Flávio Dino seria tentar obter algum apoio do novo integrante da mais alta corte do país no processo em que foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Um processo de convencimento.

A prática adotada em relação aos bens penhorados, agora, pode ser qualificada como algo bem menos digno.

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