O evento de âmbito mundial nesse domingo (13) e que vai, sim, entrar para a história enquanto marco para exploração espacial, foi a façanha da SpaceX.
Bastava uma olhada nas redes sociais e canais técnicos, de divulgação científica, de noticiosos ou que mais fosse.
Incensada com termos como “feito” ou “histórico”, a proeza consistiu em fazer o propulsor da Starship, a nave com que a empresa pretende colonizar Marte, retornar ao ponto de lançamento – não ao local, mas à torre, até o momento em que foi “abraçado” pelas estruturas de sustentação, denominadas de “palitos” (metaforicamente, claro).
O projeto consiste no envio de mil tripulantes – cem a cada período de 26 meses.
Sim, a nave poderá levar cem humanos em cada viagem e tem capacidade para transportar 150 toneladas de carga.
Além da precisão técnica – que, sem desmerecer os engenheiros e demais operadores da empresa, seria alcançada mais cedo ou mais tarde –, a façanha crava a possibilidade para consolidar e controlar essa operação em breve.
O lançamento a partir da Terra é o mais pesado, em termos técnicos e de custos, uma vez quer, de Marte para cá, a própria Starship poderia decolar (devido à gravidade marciana ser muito menor e quase não haver atmosfera).
Para se ter uma ideia, os cientistas fazem uma analogia curiosa para ilustrar o estágio da tecnologia usada nos primeiros projetos da corrida espacial e até a empregada nos ônibus espaciais: é como se para cada viagem de um carro, caminhão ou coletivos, fosse necessário construir todo o veículo, do chassi, ao motor, da outra mecânica à lataria, para descartar tudo em seguida.
A reutilização da peça mais pesada, o propulsor, tornará a operação algo de operação convencional e, num futuro de mais médio prazo, rotineiro.
Porém, o Super Heavy não tem esse nome por acaso.
Os números são nada menos que tremendos: o propulsor tem 73 metros de altura; quando composto à Starship, alcança os 120m e tem nada menos que 42 motores, permitindo produzir 13.033 toneladas de impulso na decolagem.
Isso representa 3,6 vezes mais do que o foguete lunar Saturn V da NASA, usado no projeto Apollo, na década de 1960.
A diferença relativamente pequena, considerando a evolução tecnológica conquistada pela própria SpaceX, em tão pouco tempo – em comparação com a longínqua época da corrida espacial – é que, segundo simpatizantes do tema, chegar ao planeta vermelho também era a ambição do engenheiro alemão Werner von Braun, que durante a Segunda Guerra idealizou e construiu as bombas voadoras que saíam da Alemanha e atacavam Londres com a precisão quase semelhante à dos mísseis de hoje em dia – e depois do conflito foi levado a atravessar o Atlântico para trabalhar na empreitada dos EUA.
Ou seja, o Saturno V foi idealizado para ir a Marte, não “somente” até a Lua.
Feito o contexto técnico e histórico recente, vale retornar à atualização do dia – feita aqui, a propósito de outro fato, que recebeu espaço desta página.
E à estranheza de ainda se encontrar análises sumaríssimas sobre um desdobramento até previsível do evento desse domingo: a comparação com os embates recentes entre o nome associado à Spacex e a autoridade que igualmente ficou associada às medidas de mais contundência na mais alta corte do país, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
Foram inevitáveis – e o pior, numerosos e ufanistas, mesmo – os comentários associando a vitória do projeto voltado para o espaço, de um país, com outra, só que voltada ao respeito às leis; e de outro país.
E pior: desmerecendo esta.
Como coloquei em alguns comentários – pensando bem, é; ainda me dei ao trabalho de fazer isso… – me ocorreu uma ironia: “vou botar no grupo da família (do condomínio, do futebol etc.): cadê que o Xandão faz uma dessas?”
Esta parte encerro por aqui – como disse, muito mais porque a página registrou o retorno das operações de outro braço das operações de Elon Musk: a rede social X.
O registro: a cobertura da imprensa estrangeira não tanto ao retorno das operações, mas, à posição anunciada pela própria plataforma, de pagar as multas e se dispor a cumprir as exigências da lei brasileira.
Prestigiosos periódicos nos EUA e na Europa (Reino Unido, França, Espanha, Alemanha) e América do Sul destacaram muito mais o recuo de Musk do que o fizeram os brasileiros – os que fizeram.
E até jornais da área econômica e financeira destacaram o fato.
Da mesma forma: assunto encerrado – aliás, as multas foram pagas a órgão errado, o ministro mandou conferir; feita correção e o recolhimento ao cofre público correto, segue-se a vida.
Afinal, como disseram alguns comentários, a plataforma precisa mais do Brasil do que o inverso.
E associar uma coisa à outra (o êxito no teste do foguete às medidas do ministro do STF) é quase que o mesmo que dizer que o ataque da seleção está “avançando poucas jardas”.
Ou seja, não tem nada a ver – apesar de o futebol “de lá” também ter zagueiro e quarto-zagueiro; muito provavelmente, sob o prisma esportivo, aliás, a única “semelhança”…
Vide os estragos que o jogo de setembro foi para o gramado no estádio de São Paulo.
Até o piso tem que ser diferente, para jogadores que têm mais pança que o porte dos atletas do futebol, o da bola que corre no chão, o nosso futebol.
A decisão do ministro se ateve a defender o respeito às leis e até à soberania brasileira.
Depois de cumprido isso, eles pediram arrego e o ministro restabeleceu as operações.
No que na condição de servidor público e julgador não cumpriu mais do que a obrigação – ao restabelecer, mas, também e principalmente, ao suspender as operações, há cerca de um mês, pelas violações às regras locais.
Por fim, outro aspecto a citar: Elon Musk se encarrega das aparições festivas, mas, a façanha desse domingo devia ser debitada muito mais à massa anônima de técnicos que aparecia no final do vídeo distribuído pela empresa.
Como foi o próprio projeto Apollo – com exceção, claro, para os pioneiros da 11ª edição; aos quais coube o maior feito de todos.
Entretanto, ainda assim, dos três integrantes, Neil Armstrong foi o que, ao que consta, o primeiro humano a pisar em outro mundo, seguido pelo piloto do módulo lugar, Edwin Aldrin – o terceiro integrante, Michael Collins ficou orbitando e não fez a caminhada.
A exemplo de dezenas deles, após os efêmeros momentos de glória – tão efêmeros e grandiosos quanto arriscados –, em missões seguintes passavam a integrar o elenco de anônimos que aparecem nas imagens de arquivo e de filmes do prestigioso salão repleto de bancadas com telas de computador e homens com headsets, do já conhecido controle da missão.
O ministro pode ter até assistido e elogiado o evento desse domingo, porque a “praia” dele não é engenharia aeroespacial, é Ciência jurídica.