O julgamento que pode levar Collor para a prisão teria também outra particularidade: seria a segunda vez na história em que se discutiria um dispositivo denominado embargo infringente na esfera do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de último recurso para evitar a prisão, seria o derradeiro a evitar que o processo chegue à fase do trânsito em julgado – na prática, quando não cabe mais nenhum outro recurso e ou é arquivado ou, em caso de condenação, aplica-se a pena; o definitivo “intime-se e cumpra-se”.
Mas, enquanto recurso, terá outra função essencial: adiar a aplicação da pena, ganhar tempo (no jargão jurídico: um recurso protelatório).
E, para além de cumprimento da pena a que a mais alta corte do país condenou Collor em maio de 2023, por corrupção e lavagem de dinheiro, o trânsito em julgado pode levar a outra consequência: Collor perder a concessão de detentor de um canal de televisão.
Ele perde o direito de ter um canal: é que a exemplo de rádios abertas, os canais de tevê aberta são concessão pública e pela lei das concessões, empresários que têm na ficha condenação com trânsito em julgado não podem ser donos desse direito cedido pelo poder público.
Pelo menos, não em seu nome.
Embargos
E, a exemplo de tantos outros episódios na conturbada e problemática biografia dele, o caso é um verdadeiro emaranhado de manobras, ardis e labirintos para garantir a impunidade e a soberba que marcam o perfil do político que tinha credenciais para outro desfecho, mas, cuja inépcia para a retidão se mostra novamente neste mesmo caso: após tantos riscos de perder o filão mais lucrativo de seu grupo de comunicação – a emissora que retransmite o sinal da Rede Globo em Alagoas –, usou justamente essa empresa no esquema pelo qual acabou condenado no STF.
Uma dessas manobras, como dito, é o recurso aos embargos infringentes.
A outra, de resultado oposto, a exposição despertada pelo movimento mais recente no julgamento: a medida do ministro André Mendonça de levar o julgamento para o plenário físico do STF.
Mendonça foi um dos ministros indicados na presidência de Jair Bolsonaro, de quem Collor se anunciou aliado nas eleições gerais de 2022, para o que teve de protagonizar o patético grito de palanque “Bolsonaro! Bolsonaro!”.
Os embargos infringentes não existem mais no processo civil desde 2016 com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Porém, ainda tem previsão no Código de Processo Penal, categoria em que se enquadra esse processo, já que se trata de crimes – de corrupção.
E apenas e tão somente nos tribunais de segunda instância – além de somente em decisões não unânimes.
No STF, teoricamente, não tem previsão no código de Processo Penal.
Só que o regimento interno do STF é do período da ditadura militar – e, portanto, antes da Constituição – e, assim, tem a previsão de que é possível usar os embargos infringentes se houver pelo menos quatro votos divergentes.
São votos prevendo penas menores ou mesmo considerando o réu inocente.
Em 2013, pela primeira vez na história, aconteceu algo semelhante no julgamento do mensalão; o que despertou toda uma discussão doutrinária (entre especialistas, juristas, autores, professores – embora não necessariamente julgadores) se esse dispositivo dos embargos infringentes deveria ser aplicado.
Na época, alguns réus (incluindo o então ex-ministro José Dirceu) questionaram a dosimetria das penas – termo que, na linguagem jurídica significa uma pena “leve” ou “pesada”.
O STF teve então que julgar se os embargos infringentes podiam ser apresentados por advogados – e, consequentemente, analisados pelos julgadores – em processos que chegavam à esfera da mais alta corte do país; por previsão apenas do regimento interno.
Além da discussão, ampla e acirrada no meio jurídico, analistas na imprensa também debateram a questão e o tom foi de crítica ao ministro Celso de Melo (hoje aposentado), acusando o STF de querer a impunidade.
Apesar disso, os ministros entenderam que os embargos infringentes eram, sim, cabíveis e deveriam ser julgados.
E o processo do Mensalão foi o primeiro a analisar embargos infringentes na esfera do STF.
Avaliação
Para uma parte do grupo de credores trabalhistas que buscam receber aquilo a quem têm direito, a avaliação é de que o caso ser levado ao plenário físico, e, com isso, começar do “zero” – com os ministros tendo que proferir novamente seus votos, mesmo os que já o fizeram –, não teria sido de todo ruim.
“Claro que eles queriam resolver a situação o mais rápido possível”, diz avaliação de um dos representantes do grupo, do qual fazia parte, até meados do ano, a credora que conseguiu receber integralmente os valores devidos.
A jornalista conseguiu provar na Justiça do Trabalho ter sido vítima de assédio moral, amargou sofrimento psicológico e após receber os cerca de meio milhão de reais do patrimônio não da empresa, mas da atual mulher de Collor, Caroline, deixou Alagoas e mudou de profissão.
Ainda conforme essa avaliação, no plenário físico “há o fator exposição: será transmitido em tempo real, pelo YouTube e a imprensa acompanhará de modo mais incisivo, em vez de ser informada quando sair o voto de algum dos ministros no sistema do plenário virtual”.
A avaliação é de que, nesta circunstância, o STF não daria os quatro votos necessários para a defesa de Collor entrar com os embargos infringentes.
Caso o julgamento dos recursos apresentados por sua defesa continuasse no plenário virtual, tudo indicava que Collor teria os quatro votos necessários para conseguir entrar com o novo recurso – e adiar mais a definição; na prática, levando mais tempo para, em caso de condenação, vir a cumprir a pena.
Ou até não a cumprir, apostando na prescrição.
Quando o processo teve essa reviravolta, a defesa de Collor contava com dois votos favoráveis e estavam para votar André Mendonça e Nunes Marques (também indicado na gestão de Bolsonaro), além do ministro Flávio Dino.
Na prática, como poderia ser o voto decisivo, alguns analistas apontam que teria sido esse o motivo para Collor comparecer à posse do mais recente integrante do STF, em fevereiro – além de, como citou o jornalista Josias de Souza, na época, a “cara de pau” de Collor de comparecer a um tribunal que o havia condenado menos de um ano antes.