O que precisa ser feito

Caso mais uma instância do aparato judicial e legal de Alagoas abdique da obrigação, os credores não abdicariam
Futuro chefe do Ministério Público de Alagoas: apesar de estar assumindo o cargo, na prática, não está “chegando agora”, pois já foi Procurador-geral. (Foto: reprodução)

A escolha do novo chefe do Ministério Público traz de volta a questão de como a instituição tem se comportado num caso emblemático – e que já maculou, sim, sua imagem: o processo das empresas de Collor.

A confirmar isso está o tempo que já dura: mais de quatro anos.

O MP é, por definição, o chamado fiscal da lei.

E a lei diz que esse tipo de processo não pode passar de dois anos – no máximo.

Diz um adágio ou metáfora sobre as leis que um jovem operador do direito indagou de seu interlocutor, mais experiente.

Para melhor compreensão seria um juiz, delegado ou promotor recém-concursado e recém-nomeado para jurisdição de um desses rincões onde vigora o coronelismo.

Um lugar onde – não por ser rincão, mas, por ser terra de “coronel” – o mais simples é justamente o mais difícil: fazer cumprir a lei – a missão do protagonista.

Já prevendo embaraços cotidianos, indagou ao mais experiente o que faria, caso viesse a se deparar com o medo de aplicar a lei, fazer prevalecer a justiça, como era sua missão.

E pior: tendo que enfrentar os poderosos.

Do outro ouviu a resposta: se a medida for mesmo justa e estiver na lei, não precisará ter medo.

O que tem a situação a ver com a escolha do novo dirigente do Ministério Público de Alagoas foi motivo de questionamento, modestamente proferido neste espaço, na última sexta-feira (02), dia da escolha.

E reforçando o quanto o espaço apontava na linha certa, a definição do novo chefe do MP de Alagoas foi brilhantemente anotada em artigos dos jornalistas Odilon Rios e Kléveron Levy.

“Um MP que no passado bem recente atuava – brilhantemente – com operações contra políticos que desviavam verbas para enriquecimento ilícito e em detrimento da população”, escreveu Levy.

“Não que denúncias não sejam apuradas, mas há quem diga que ‘vistas grossas’ são um dos problemas quando envolve política e políticos em Alagoas”, endossou.

“Nos últimos anos, o comando do Ministério Público assistiu a fúteis desfiles de medalhas, distribuídas para os melhores (?) de Alagoas ou – pior – a influência do xerifismo”, escreveu Rios.

“Merecemos um MP que festeje menos suas ilusões e se entregue aos objetivos deste milênio: acesso à educação, dignidade no SUS, erradicação da fome”, acrescentou, no mesmo artigo.

Por várias passagens concretas, o processo envolvendo as empresas de Collor é emblemático para servir de exemplo às questões levantadas pelos dois jornalistas.

E mais: é exemplar de como a instituição colocou em xeque a si mesma.

Processo

Alegando tentar evitar a falência, as empresas entraram com pedido de recuperação judicial, uma espécie de blindagem contra algumas medidas, como penhora de bens.

Quando o processo já somava mais de dez mil páginas, os credores descobriram algo estarrecedor.

Também às vésperas de uma das etapas cruciais, quando seria realizada a assembleia em que as empresas apresentariam seu plano de como pretendiam pagar a quem devem, os credores trabalhistas descobriram que o processo não tinha um representante do Ministério Público.

E a tal etapa se mostrou o lugar perfeito para o ardil das empresas: dar o calote em que lhe cobrava.

Isso mesmo!

Num dos casos, desse tipo, mais rumorosos da justiça de Alagoas – e que só perde em volume, para o de outro grupo influente e poderoso: o da Laginha, de João Lyra –, o promotor titular da 10ª Vara Cível e seu substituto natural se averbaram suspeito e impedido.

Após pressão dos trabalhadores, foi nomeado um terceiro promotor.

Este emitiu parecer contundente recomendando afastamento de diretores, do representante do juiz na empresa (o administrador judicial) e o mais grave: abertura de inquérito policial porque havia indícios de crimes contra a lei de falências – os chamados crimes falimentares.

O parecer foi contundente, mas, com ressalvas.

O documento foi divulgado uma semana depois que Collor foi excluído da disputa pelo governo de Alagoas, em primeiro turno – em 2022.

Ou seja: às vésperas de deixar a carreira política.

O promotor recomendou que fosse aberto inquérito – mas, a própria instituição pode fazê-lo.

E, o despacho levou nada menos que um ano para surtir algum efeito – depois de nova mobilização dos credores.

Um grupo de trabalhadores que esperam receber seus direitos fez manifestação no elevado do Cepa, com faixa cobrando medidas do MP, para marcar o “aniversário” do parecer.

O ato público gerou uma reunião, em que o então chefe do MP, Márcio Roberto Tenório, externou sua tristeza perante comissão dos trabalhadores: alegou que o MP não era parte no processo (como são, de um lado, as empresas de Collor, e de outro, seus trabalhadores demitidos e em busca de seus direitos), mas, fiscal da lei, e algumas medidas não dependiam da instituição, mas, do juiz do caso – já houve cinco nesse processo.

Porém, vale questionar: um fiscal a quem passou despercebido que não havia um representante seu num processo de tal envergadura.

Pertinentes ou não os argumentos, após a movimentação, os credores ficaram sabendo que, por um desses tortuosos caminhos de detalhes legais, não poderia ser o mesmo promotor que emitiu o parecer o que deveria requisitar o inquérito – seria um para recomendar a medida e outro para adotá-la.

O que emitiu o parecer atua na esfera cível; para acionar a polícia, teria que ser um que atue na esfera criminal.

Outro questionamento que vem à tona é: a razão de se levar um ano para fazer tal esclarecimento.

O promotor criminal, Bolivar Ferro, determinou à Polícia Civil adotar suas providências: mas, não consta de que desde meados de outubro passado, tenha sido designado delegado e que um inquérito para investigar as empresas de Collor tenha sido aberto.

Caso mais esta instância do aparato judicial e legal de Alagoas abdique da obrigação, os credores não abdicariam – e entrariam com uma ação penal.

Afinal, já foram constatadas muitas irregularidades – todas elas documentadas – e o que reivindicam não é nenhum privilégio; são recursos a que têm direito e mais, como a própria lei define, são “verbas de natureza alimentar”.

Mas, para que os credores possam tomar suas providências, seria preciso que o Ministério Público de Alagoas informasse, expressamente, que não pretende entrar com ação criminal.

Daí o xeque em que a instituição se colocou.

Se o fizer, estará nada menos que confirmando uma prevaricação: crime do servidor público que, se deparando com irregularidade ou crime, deixa de adotar as providências cabíveis ou de as denunciar à autoridade responsável.

Curiosamente, na maioria dos casos, essa autoridade vem a ser o Ministério Público.

O novo chefe da instituição já ocupou o cargo em 1998 – portanto, da metáfora, seria o personagem experiente, em vez de ser o que “está chegando”.

Bem como sabe o que deve ser feito.

A exemplo do que o MP saberia, ao longo de todo o período em que o processo ficou sem promotor ou entre o parecer recomendando a abertura de investigação policial e o esclarecimento sobre ser necessário um integrante da esfera criminal para adotar a medida.

Voltando ao adágio, se as autoridades sabem o que deve ser feito, mas, não o fazem, a motivação – como provam documentos do próprio processo – não seria nem a legalidade nem a justiça de suas providências; seria mesmo o temor.

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