A marcação do julgamento que pode levar à Rede Globo romper, em caráter definitivo, sua relação com a TV Gazeta motiva questionamentos sobre o que acontecerá a uma das poucas, senão a única, das empresas de Collor que consegue se manter.
Daí, aliás, o grupo de comunicação da família Collor de Mello ter conseguido da Justiça de Alagoas o benefício de manter a rede carioca obrigada a veicular seu sinal em Alagoas através da emissora – mesmo que essa relação lhe seja motivo de “gravíssimo dano reputacional”, como alegou em documento enviado ao Judiciário local.
Em outras palavras, manter-se ligada a Collor, ainda que seja por uma relação contratual como esta, é danoso para a reputação da maior emissora do país.
Para relembrar: no próximo dia 10, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas vai julgar o agravo de instrumento, recurso em que a Globo contesta uma decisão do juiz Leo Denisson Almeida.
A medida, de 4 de dezembro passado, atende pedido feito pelas empresas de Collor e obriga a Globo a manter o contrato de afiliação por mais cinco anos.
Na prática, a decisão do juiz obriga a rede carioca a manter seu sinal sendo retransmitido em Alagoas pela emissora que integra o grupo de empresas de Collor porque, segundo estas, sem a receita por essa retransmissão, as empresas de Collor não teriam como se manter.
Porém, como já denunciado por este espaço – e atestado em documento emitido pelo Ministério Público de Alagoas de 2022 –, já durante a recuperação judicial, as empresas de Collor fizeram empréstimos a sócios que totalizaram R$ 6 milhões; o que é contra a lei.
As operações, feitas sob a modalidade de mútuo (sem passar por instituição financeira), levam ao questionamento inevitável de como uma empresa alega estar mal das pernas, financeiramente, mas, repassa tais valores aos sócios?
Fernando Collor é o sócio majoritário.
Questionamento semelhante, por este ou vários outros motivos, foi feito pelo Ministério Público de Alagoas e pela própria Globo.
E alguns deles levaram o MP a propor que o Judiciário determine abertura de inquérito policial para investigar possíveis crimes contra a Lei de Falências, cometidos nas empresas de Collor.
A recomendação foi feita em 2022, mas, até o início deste mês, a investigação não tinha começado.
Sobre o julgamento no próximo dia 10, existem possibilidades legais, todas a partir do que já diz a lei – sem relação com o que os desembargadores vierem a decidir.
Uma delas é a Terceira Câmara Cível manter a liminar – e a pitoresca situação de obrigar a emissora carioca a se manter sócia de uma empresa contra a vontade (relação contratual que, aliás, pela intenção da parte da rede, já se encerrou no final de 2023).
Nesse caso caberia à Globo entrar com recurso.
Outra possibilidade é a Terceira Câmara Cível acatar o que pede o Agravo de Instrumento interposto pela Globo.
Neste caso, a relação seria desfeita.
A Terceira Câmara Cível é composta pelos desembargadores Fábio Bittencourt, Alcides Gusmão e Paulo Zacarias, relator do processo.
O magistrado chegou ao Tribunal de Justiça pelo critério da antiguidade, ou seja, pelo tempo de serviço prestado ao Judiciário de Alagoas, ao contrário de outros critérios – na prática, não passando por eleição ou escolha dos pares.
O desembargador já proferiu uma decisão nesse processo: concedeu liminar derrubando a decisão do juiz Leo Denisson e retirou a obrigatoriedade do vínculo entre as duas emissoras pelo período estipulado pelo juiz.
Mas, não o desfez de imediato: manteve a relação em suspenso, até a chamada decisão do mérito, quando será analisado o conteúdo da medida – o que se definirá no próximo dia 10 de abril.
No ambiente jurídico, há defensores de ambas as análises: de que decisão anterior (de derrubar a liminar) poderia ser uma sinalização de como votará o desembargador ao julgar o mérito, bem como de que cada decisão é independente – em relação à liminar, teve um entendimento, em relação ao mérito pode ter outro, oposto.
Este não será o primeiro recurso referente às empresas de Collor analisado pela Terceira Câmara Cível.
Outra apelação à segunda instância foi movida por credores trabalhistas, pessoas que trabalharam para as empresas de Collor, foram demitidas ou saíram por outros motivos (algumas, há quase dez anos), porém, até hoje não receberam os valores a quem têm direito.
Como o desembargador Paulo Zacarias encontrava-se em férias, o caso foi julgado por Bittencourt.
Numa primeira decisão, ele foi favorável aos credores, mas, as empresas recorreram e ele refez a decisão.
Retornando às projeções para o dia 10 de abril, caso a Terceira Câmara Cível conclua por entendimento favorável ao recurso movido pela Rede Globo, a relação é suspensa em caráter imediato.
As empresas de Collor poderão recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas, em regra, essa apelação não tem o chamado efeito suspensivo – ou seja: a decisão da Terceira Câmara Cível fica mantida (e a TV Gazeta sem o sinal) até que o STF concluísse sua análise.
Ainda é possível, pela lei, que as empresas de Collor façam pedido ao presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, para que ele conceda o efeito suspensivo.
Ou ainda – em caso de perder e ter que recorrer ao STJ – fazer o pedido de efeito suspensivo ao ministro relator designado para o caso no tribunal superior.