Nem que sim, nem que não; antes pelo contrário

Tribunal de Justiça de Alagoas mantém indefinição sobre julgamento de recurso da Rede Globo e erro continua em vigor
Desembargadores Orlando Rocha e Carlos Cavalcanti, atual e futuro vice-presidente do Tribunal de Justiça: cargo responsável pelo julgamento. (Foto: reprodução)

Nem que sim nem que não, antes pelo contrário.

Decisões da justiça, como as da mais alta corte do país, produzem resultados que viram manchete.

E, às vezes, na justiça local, acontece a mesma coisa, geralmente quando o alvo é um ilustres desconhecido – salvo raras e honrosas exceções.

Mas, algumas decisões, em particular na esfera do Judiciário de Alagoas, também podem se dar de outra forma: não fazer nada.

Isso mesmo.

Ou adiar decisões – que, no final, dá no mesmo.

O ponto citado nesta postagem é, mais uma vez, a indefinição na Justiça no caso Globo versus Collor.

A reportagem procurou ouvir a posição da vice-presidência do Tribunal de Justiça de Alagoas, a quem cabe uma decisão crucial no processo.

De modo solícito, por meio de sua assessoria de Comunicação Social, o Tribunal respondeu:

“O Recurso Especial, portanto, está pendente, apenas, do exercício do juízo de admissibilidade e, em qualquer circunstância, seja em caso de admissibilidade, seja em caso de inadmissibilidade, será apreciado pelo STJ, pois, a parte interessada poderá interpor Agravo em Recurso Especial, que provocará a subida dos autos à instância superior, obrigatoriamente”.

E acrescenta:

“Portanto, a admissibilidade ou a inadmissibilidade do referido Recurso pende, ainda, de apreciação e o Vice-Presidente poderá fazê-lo até o encerramento do seu mandato”.

O texto da resposta, na íntegra, está no final desta postagem.

Além do belo exemplo da mais pura retórica, a cultuada arte do discurso, que até virou ciência na Antiguidade clássica, a um leitor mais atento poderia ocorrer: sim, mas, quando?

No caso do integrante do Tribunal de Justiça a quem foi feito o pedido, desembargador Orlando Rocha, a resposta – de caráter puramente formal – é: 15 de janeiro.

Puramente formal porque é nesta data que Rocha encerra seu período como vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas.

Na nova direção, que terá como presidente Fábio Bittencourt, o cargo de vice será ocupado pelo também desembargador Carlos Cavalcanti.

Por que com o vice?

Para melhor entendimento, caro leitor: como é sabido, há pelo menos um ano vem sendo travada em gabinetes uma guerra judicial envolvendo o direito de a Rede Globo se desfazer da sociedade com uma das empresas de Collor.

Como citou recurso a uma dessas decisões da Justiça local, a emissora carioca argumenta que lhe causa “grave dano reputacional” manter-se ligada por relação contratual com uma das empresas do grupo de comunicação Organização Arnon de Mello (OAM), que tem Collor como sócio majoritário.

Mas, não é só pelo desgaste que o nome dele já carrega, desde que foi enxotado da Presidência – ou, um pouco antes, pelo confisco da poupança.

Quem já pegou táxi (ou, agora, carros por aplicativo) em deslocamentos Brasil afora, sabe do que estamos falando.

É porque, afora tudo isso, Collor está na condição de condenado pela mais alta corte do país.

Como não fosse bastante: conforme a denúncia, para cometer um dos crimes que resultaram na condenação, usou a empresa local que retransmite o sinal da Globo para lavagem de dinheiro de corrupção.

Como citamos em texto anterior deste blog, a cronologia dos fatos mais destacados deste processo são os seguintes: no longínquo dezembro de 2023, o juiz Leo Denisson de Alagoas, a pedido das empresas de Collor, concedeu liminar determinando que a sociedade com a Rede Globo não poderia ser rompida porque se constituía em bem essencial para a emissora local.

Existe, porém, consenso na Justiça brasileira, de que bens essenciais, em casos como esses, são itens como prédios, equipamentos e demais instalações.

Contratos, por se tratar de um elemento abstrato (uma relação contratual; não algo concreto), não se enquadra nessa definição.

Mais: depois que esse foi o entendimento predominante nas altas cortes do país, como o STJ (Superior Tribunal de Justiça), passou a ser o que os juristas denominam jurisprudência; entendimento, num sentido, o mais acertado, e que vale para todos os processos, julgamentos e casos semelhantes – e que deve ser acompanhado por todos os demais tribunais.

Foi este, também, o entendimento que teve o desembargador-relator do processo do recurso da Rede Globo na Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça: desembargador Paulo Zacarias.

O presidente da Câmara, Fábio Bittencourt, porém, deu voto contrário, no que foi acompanhado pela juíza convocada, Fátima Pirauá.

Resultado: a decisão do juiz de primeiro grau foi mantida e o contrato, não apenas continua, como poderá ser renovado.

A Rede Globo elaborou um recurso ao STJ contra a decisão errada da Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas.

Mas, para que esse recurso chegue ao tribunal superior, o TJ de Alagoas precisa definir se atende aos requisitos para tal; o que é definido na linguagem jurídica como admissibilidade.

E é de se imaginar que ao contestar um erro daquele tamanho (que contraria a própria jurisprudência brasileira), não haveria por que não admitir a admissibilidade do recurso.

É onde se encontra o ponto crucial da questão: o tal “quando”.

O que não é difícil de compreender.

Na época do julgamento desse recurso pela Câmara Cível, em junho, o processo foi retirado de pauta pelo menos uma vez.

Em outra, um dos integrantes “naturais” da Câmara Cível, desembargador Alcides Gusmão, alegou suspeição para julgar; o que provocou novo adiamento.

O que chamou, porém, não foi a alegação de suspeição, mas, que Gusmão esperou a sessão começar para apresentar a informação, em vez de fazê-lo antes – e permitir que se providenciasse uma substituição.

Diante do impasse, o também desembargador Ivan Vasconcellos se ofereceu para compor o quórum mínimo da Câmara Cível e assim o julgamento poder ser realizado.

O oferecimento poderia passar por mera boa-vontade não fosse um detalhe: simplesmente contrariar o próprio Regimento Interno do Tribunal, que proíbe que integrantes de Câmaras Criminais (caso dele) integrem as Câmara Cíveis e que essa escolha se dê por outro meio que não seja o de sorteio.

Sob a alegação de que não assumiu o cargo, Cavalcanti não foi consultado sobre a demanda do blog.

Indagado sobre um prazo para julgamento ou há intenção de sua parte em julgar a admissibilidade, ou se deixaria o processo para o sucessor, a resposta do vice-presidente Tribunal de Justiça de Alagoas Orlando Rocha, na íntegra, foi a seguinte:

“Compete à Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, simplesmente, admitir ou inadmitir o Recurso Especial sem proferir qualquer julgamento. O julgamento do Recurso Especial compete ao Superior Tribunal de Justiça exclusivamente”.

“O Recurso Especial, portanto, está pendente, apenas, do exercício do juízo de admissibilidade e, em qualquer circunstância, seja em caso de admissibilidade, seja em caso de inadmissibilidade, será apreciado pelo STJ, pois, a parte interessada poderá interpor Agravo em Recurso Especial, que provocará a subida dos autos à instância superior, obrigatoriamente”.

“Portanto, a admissibilidade ou a inadmissibilidade do referido Recurso pende, ainda, de apreciação e o Vice-Presidente poderá fazê-lo até o encerramento do seu mandato”.

Caso o futuro vice-presidente, Carlos Cavalcanti, venha a ter postura igual à expressa pelo ocupante atual, podendo vir a se manifestar sobre a admissibilidade do pedido, seriam dois anos de espera.

Ou não.

Caso não haja manifestação e o caso passe às mãos de seu sucessor, o pedido poderia se arrastar ad infinitum – no popular: sabe-se lá, Deus até quando.

E além da decisão contrariando uma jurisprudência, o Tribunal de Justiça de Alagoas incorreria em manter o erro pelo tempo que vem sendo bem do interesse das empresas de Collor, figura condenada pela mais alta corte do país.

Para qualquer mínimo entendedor de conceitos de justiça, trata-se de um mau exemplo.

Para o Tribunal de Justiça de Alagoas, nem sim, nem não – antes pelo contrário.

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