O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes multou a rede social X em R$ 5 milhões por dia em razão do “truque” que levou o site a ficar, novamente, disponível para usuários brasileiros.
A multa se aplica de forma subsidiária à Starlink – empresa de tecnologia também vinculada ao bilionário Elon Musk e que teve recursos bloqueados no início do mês para bancar multas aplicadas à rede social.
Ou seja: se o X não pagar, a Starlink terá de honrar a multa.
A punição já está valendo a partir desta quinta, mas o tribunal ainda vai calcular quantos dias de multa – a depender de quanto tempo durar o descumprimento das decisões.
A decisão foi publicada como um “edital de intimação”, já que o X não tem representante legal no Brasil.
No documento, Moraes intima o X no Brasil “para que, imediatamente, suspenda a utilização de seus novos acessos pelos servidores CDN Cloudfare, Fastly e Edgeuno e outros semelhantes, criados para burlar a decisão judicial de bloqueio da plataforma em território nacional, sob pena de multa diária de R$ 5 milhões”.
Na quarta-feira (18), usuários da rede social relataram terem conseguido acessar a plataforma, mesmo sem o uso do VPN.
Depois, foi identificado que o X migrou os servidores para um novo IP, o que teria driblado o bloqueio já definido pelas operadoras no Brasil (entenda em detalhes abaixo).
A multa foi revelada pelo colunista Reinaldo Azevedo, do UOL, e confirmada pela TV Globo e pela GloboNews.
Na decisão que acompanha a intimação, Moraes fala em “dolosa, ilícita e persistente recalcitrância da plataforma X no cumprimento de ordens judiciais”.
“Não há, portanto, dúvidas de que a plataforma X – sob o comando direto de Elon Musk –, novamente, pretende desrespeitar o Poder Judiciário brasileiro, pois a Anatel identificou a estratégia utilizada para desobedecer a ordem judicial proferida nos autos, inclusive com a sugestão das providências a serem adotadas para a manutenção da suspensão”, diz Moraes.
O “truque” de Elon Musk que fez com que o X voltasse a funcionar no Brasil
A rede social X voltou a funcionar para alguns brasileiros na quarta-feira (18) graças a um “truque”. A empresa do bilionário Elon Musk mudou seus servidores, dificultando o bloqueio pelas operadoras de internet.
O X está bloqueado desde o fim de agosto por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), mas essa alteração permitiu a algumas pessoas acessar e publicar na plataforma, mesmo sem o uso de VPN.
Por causa dessa mudança nos servidores, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, multou o X em R$ 5 milhões por dia.
A punição começa a partir desta quinta-feira (19), mas o tribunal ainda vai calcular quantos dias de multa – a depender de quanto tempo durar o descumprimento das decisões.
A rede social disse que a mudança foi feita porque a infraestrutura para fornecer o serviço na América Latina ficou inacessível para sua equipe após o bloqueio no Brasil.
Segundo a companhia, a alteração causou uma “restauração involuntária e temporária do serviço para usuários brasileiros”.
Segundo a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), o X passou a usar endereços de IP vinculados a servidores da Cloudflare, e não mais a uma infraestrutura própria.
Após atualização, X volta a funcionar e Anatel emite nova ordem para bloquear plataforma
IP é uma sequência de números que funciona como o endereço de um servidor.
Na prática, ao digitar o endereço de um site, o navegador transforma o link em um IP (sigla em inglês para “protocolo de internet”).
A Cloudflare é uma empresa que fornece serviços e pode atuar como um intermediário entre o servidor de um site e o usuário.
Neste caso, esse serviço permitiu que o X se tornasse mais resistente contra o bloqueio.
“Diferente do sistema anterior, que usava IPs específicos e passíveis de bloqueio, o novo sistema [Cloudflare] faz uso de IPs dinâmicos que mudam constantemente”, diz a Abrint.
“Muitos desses IPs são compartilhados com outros serviços legítimos, como bancos e grandes plataformas de internet, tornando impossível bloquear um IP sem afetar outros serviços.”
Intelectuais divulgam carta aberta criticando Musk e apoiam Brasil no bloqueio ao X
Por que o X mudou seus servidores?
O X afirmou na noite de quarta que quando foi suspenso no Brasil, sua infraestrutura para fornecer o serviço na América Latina não estava mais acessível para sua equipe. E que, por isso, foi necessário mudar o servidor, causando a restauração “involuntária e temporária” do serviço.
“Embora esperemos que a plataforma fique inacessível de novo em breve, continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para retornar muito em breve para o povo do Brasil”, disse a empresa.
A mudança foi feita apenas em um servidor localizado no Brasil, como aponta o What’s My DNS, site que permite verificar o endereço IP de domínios. Em outros países disponíveis na ferramenta, a empresa continua usando sua própria infraestrutura.
“O X faz isso justamente para burlar o bloqueio no Brasil, já que ele não fez essa alteração para o Cloudflare no acesso para outros países”, afirmou David Nemer, antropólogo da tecnologia e professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.
“As declarações do Musk e a questão de ele ter aberto o Alexandre Files [perfil em que o X divulga decisões do ministro] mostram que ele está em uma guerra pessoal com o Brasil, o Alexandre de Moraes e o STF”.
O que é a Cloudflare?
A Cloudflare é um serviço de proxy reverso, que funciona como um intermediário entre o servidor de um site e o usuário. Ele serve para oferecer mais segurança e melhorar a performance para o site.
“Um proxy reverso reside na frente de um servidor de origem e garante que nenhum cliente jamais se comunique diretamente com esse servidor de origem”, diz a Cloudflare, em sua página.
Neste caso, a Cloudflare funcionou como um serviço terceirizado para entregar conteúdo do X para os usuários brasileiros, explicou Thiago Ayub, diretor de tecnologia da empresa de telecomunicações Sage Networks.
“A diferença é que, como há uma troca do equipamento que é responsável por entregar o conteúdo, esse novo equipamento não estava previamente bloqueado”, explicou.
“Uma comparação que a gente poderia fazer é de que, com o carro banido de entrar no Brasil, o Elon Musk alugou um carro com outra placa e conseguiu entrar despercebido”, disse Ayub.
O que acontece agora?
A Abrint afirma que as operadoras estão em uma posição delicada e aguardam o posicionamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para entender quais medidas devem ser tomadas.
“Os provedores não podem tomar ações por conta própria sem uma orientação oficial da Anatel, pois um bloqueio equivocado poderia afetar empresas legítimas”, diz a associação.
Para Thiago Ayub, a situação causa insegurança jurídica para os provedores, já que a ordem do STF diz que estas empresas devem usar todos os meios técnicos possíveis para inviabilizar o acesso ao X.
“Se a gente fizer ao pé da letra como está, teria que bloquear, criar um apagão no Brasil de vários sites populares. Então eu sinto que há um desconforto grande, um temor ou uma insegurança nos profissionais da minha área de seguir ou não a decisão como está”, afirmou.
Nesse contexto, quem pode bloquear especificamente o X é a Cloudflare.
“Ela tem plena autonomia de fazer esse bloqueio somente para o X e para os usuários brasileiros, porque são os equipamentos dela que estão sendo utilizados”, destacou Ayub.
“A Anatel não consegue demandar das provedoras que bloqueie especificamente o X na Cloudflare, isso está além do que elas podem fazer”, explicou Nemer.
“O que elas podem fazer é bloquear a Cloudflare, mas isso não deve acontecer por causa da implicação disso.”
Procurada pelo G1, a Anatel afirmou que “mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio” e que “o resultado desse acompanhamento é reportado diretamente ao STF”.
Márcio Falcão, Valdo Cruz — TV Globo e GloboNews / Brasília; Victor Hugo Silva, Darlan Helder, Marcelo Tuvuca — G1