O espaço reproduz reportagem produzida pelo portal “Na Rede”, que obteve documentos com mapeamento das minas, gerado com informações dos sonares, e de relatórios sobre o acompanhamento da situação.
Segue o texto da reportagem, na íntegra:
Na reportagem de sábado, 03 de fevereiro, o jornalismo do Na Rede mostrou que as cavernas das minas 03 e 25 estão totalmente fora da camada de sal e se aproximam ainda mais da superfície.
Apesar de estar um pouco mais profunda que a cratera da mina 25, o risco de um possível dolinamento da Mina 03, ao que parece, é mais real.
A 25 já começou um processo de preenchimento com material sólido que foi interrompido semanas antes do dolinamento da mina 18.
O processo de enchimento deve ser o primeiro a ser retomado entre todas as que ainda apresentam riscos, pois a estrutura do trabalho de tamponamento não foi afetada pelos tremores e pelo deslocamento de solo da mina 18.
A preocupação está com a outra cratera, a de número 03.
Apesar de ter um volume menor e estar sob a superfície do bairro do Mutange, não existe planejamento aprovado para seu preenchimento.
Esquecida pela Braskem após o início de suas atividades em 2002, a mina seguiu avançando fora da camada de sal, e o mais grave, a empresa não somente abandonou o monitoramento da caverna como permitiu que residências fossem construídas sob o raio de um possível dolinamento que já era previsto desde a década de 80.
A mina 03 faz parte do conjunto dos 06 primeiros poços que iniciaram a história da mineração de sal-gema em Alagoas. Iniciou os trabalhos de extração em 1976 quando a empresa ainda se chamava “Salgema”.
Teria tudo para se tornar um marco histórico-representativo se não fosse uma sequência absurda de erros de quem comandava a extração do sal na época.
Sequência de erros que começaram ainda em 1976, atravessaram as várias gestões, repetiram-se pela empresa que substituiu a Salgema – a Triken – e foram jogados para “debaixo do tapete” quando o conglomerado de empresas passou a se chamar Braskem e assumiu o comando da extração de sal em Maceió em 2002.
Documentos datados entre os anos de 1976 e 1982 revelam que, ao invés de se preocupar com a segurança da população de Maceió, a decisão da empresa foi reduzir as perdas financeiras diante dos vários problemas apresentados na extração de sal da mina 03.
Mesmo tendo conhecimento na época de que o desmoronamento da mina poderia resultar em tremores que causariam pânico nos moradores e até o surgimento de crateras na superfície, a empresa fez de tudo para extrair sal até o limite.
E o pior. Tudo foi comunicado ao Departamento Nacional de Produção Mineral, que simplesmente decidiu não agir.
A sequência de descaso com a mina 03 está tendo seu desfecho agora.
A mina pode ser a próxima a formar uma cratera na superfície.
Primeiros desmoronamentos
A mina 03 começou sua operação em maio de 1976.
Ela foi aberta para ser um poço de estudos sobre a qualidade do sal existente abaixo dos 910 metros de profundidade em Maceió.
Os resultados foram satisfatórios e otimistas.
O sal possuía mais de 150 metros de extensão vertical e tinha uma qualidade acima do explorado no restante do mundo.
Assim, a mina de estudo passou a se tornar uma mina de exploração.
Mas os documentos aos quais o Na Rede teve acesso mostram que um mês após o início da extração de sal, a qualidade do produto começou a baixar.
A manutenção revelou dutos empenados e em agosto de 1976 a confirmação de que a cavidade desmoronou.
A Mina 03 foi a primeira ocorrência de desmoronamento subterrâneo da qual se tem registro na história da Mineração de sal-gema em Maceió.
Em dezembro do mesmo ano, houve um segundo registro de desmoronamento no interior da caverna que reduziu sua capacidade em 2/3.
Mesmo assim, a decisão da direção da empresa na época foi continuar a extração como se nada tivesse ocorrido.
O documento que relata essa sequência de fatos foi redigido à mão e fez parte de uma comunicação na época feita ao governo brasileiro para justificar a baixa extração de algumas minas.
Primeiro sonar indica situação grave
Mesmo com desmoronamentos confirmados, a decisão da empresa foi manter a operação da mina 03 normalmente.
No final de 1978, a empresa decide fazer a primeira campanha de sonar em todas as Minas para avaliar o desenvolvimento das crateras e o resultado assustou. Todas as minas registraram uma evolução diferente da esperada, com destaques negativos para as minas 03 e 05.
A mina 03 teve uma evolução vertical. Ao invés de crescer em esfera, a dissolução do sal começou a se concentrar no topo da cavidade.
Em 1978, a Salgema constatou que a cratera estava a 5 metros de distância do topo da camada de sal e que tudo poderia desabar levando a cratera para as camadas de solo mais próximas da superfície.
A mina teve sua paralisação decretada para que fosse estudada uma solução para o caso.
Em maio de 1979, a mina 03 chegou a ser desmontada, e uma nova e forte dissolução do topo foi novamente constatada. O estudo sobre o que fazer com a mina durou quase 1 ano e a decisão, mesmo sabendo dos riscos, foi a retomada das atividades.
Em 03 de dezembro de 1980, a extração de sal da mina 03 volta a acontecer, mas dura somente 28 dias.
Uma ruptura na coluna de injeção provocada por novos desmoronamentos paralisa as atividades.
Mesmo com todos os problemas a extração é retomada em janeiro de 1981, é quando o relatório ao qual nosso jornalismo teve acesso revela como a mina passou a operar quase que clandestinamente e com único objetivo de não contabilizar perdas financeiras durante a paralisação dos serviços em outras minas para realização dos sonares, ou quando a fábrica recebia pedidos acima de sua capacidade de produção:
“… voltando a operar em 02/jan81, sendo utilizada durante os períodos em que a fábrica necessitava de vazões elevadas. E durante a época dos serviços com o Sonar/81 (de 1981), onde operou de forma contínua para suprir a produção das minas que estavam paralisadas.”
O documento aponta que mesmo desmoronando e diluindo sal do topo, a decisão da diretoria da Salgema na época foi não realizar sonares na mina 03, e ainda utilizá-la para suprir a produção das minas que estavam paradas para realizar o exame de sonar. Segundo o documento, a mina 03 ainda produziu mais de 12 mil toneladas de sal.
A mina só foi desativada em 23 de janeiro de 1982, depois da empresa passar todo o mês de dezembro de 81 tentando extrair mais sal, sem sucesso.
O topo já havia desabado e os dutos subterrâneos não traziam para a superfície mais sal e sim lama vinda das camadas de solo que invadiram a cratera.
Relatório apontou problemas e motivo: vazão inicial foi maior que o normal
O relatório ao qual tivemos acesso releva ainda possíveis causas do colapso do topo da camada de sal e a evolução da dissolução vertical:
“Na fase inicial a vazão de injeção (de água para dissolução) era bem superior ao normal de serviço, pois se pretendia logo desenvolver a cavidade a fim de, quando a planta de cloro-soda iniciasse a operação, o campo de salmoura já fosse capaz de transferir vazão e concentração de salmoura dentro dos padrões desejados”
A Braskem assumiu controle das minas, não realizou sonares e ainda permitiu a construção de casas no raio de dolinamento da Mina 03
Desde 1978, a mina 03 nunca passou por um novo exame de sonar para avaliar o estrago provocado pelo excesso de extração.
Nem quando a Braskem assumiu o controle das minas em 2002.
A mina 03 só voltou a ter um exame de sonar no ano de 2019, após as rachaduras nos Bairros de Maceió, quando se descobriu que a caverna havia saído totalmente da camada de sal.
Segundo a legislação também vigente na época, a Braskem deveria ter realizado em 2002 um exame de sonar em cada uma das minas e não o fez.
Ao contrário, solicitou a perfuração de novos poços e extração em novas minas. Processo que ocorreu sem que qualquer autoridade solicitasse os estudos.
Nossa reportagem teve acesso a todos os relatórios anuais sobre a situação da lavra em Maceió feitos pela Braskem para comunicar a situação dessas minas para o Departamento Nacional de Produção Mineral e depois para a ANM.
Em todos, a Braskem omitiu a situação da mina 03 e outras que estavam na mesma situação.
Todos os documentos conseguidos pela nossa reportagem estavam nos arquivos da Braskem e da ANM e eram de conhecimento de todos os gestores da mineradora.
E talvez o fato mais grave de tudo isso é que os documentos fazem previsões de que as crateras poderiam causar danos na superfície.
Mesmo assim, além de não monitorar a situação da mina, a Braskem nada fez em relação às várias residências que foram sendo construídas ao longo dos anos dentro do raio de possível dolinamento da cratera da mina 03.
Pelos cálculos realizados por nossa equipe com ajuda de especialistas e com base nas fotografias da época, pelo menos 110 casas e estabelecimentos comerciais poderiam ter sido engolidos caso a mina 03 viesse a dolinar.
Portal Na Rede