Três indígenas servem no 10º Batalhão da Polícia Militar, localizado na cidade de Palmeira dos Índios, onde também estão suas comunidades de origem – as aldeias Fazenda Canto e Mata da Cafurna, ambas da etnia Xukuru-Kariri.
As soldados e irmãs Simone Mendes e Silvânia Mendes ingressaram na corporação no ano de 2020, enquanto o soldado Marcelo Gomes foi incorporado em 2023.
Para todos os integrantes de comunidades dos povos originários, 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, segundo a corporação, “representa uma exaltação da diversidade cultural, contribui para a preservação da história, mas também serve como um momento de reflexão sobre a luta contra o preconceito e pela manutenção dos direitos dos indígenas no Brasil”.
Neste mês de abril, a Diretoria de Comunicação da PM foi até a cidade do agreste alagoano para vivenciar um dia na aldeia e conhecer de perto as tradições e a história dos policiais indígenas alagoanos.
A equipe foi recebida com uma apresentação do tradicional Toré, um ritual sagrado para os povos indígenas, baseado em uma dança circular, com cantos e espiritualidade, que une a aldeia.
As irmãs indígenas que instituíram o Proerd em Palmeira dos Índios
Em 2024, a soldado Simone atuava como auxiliar de planejamento no 10º BPM e a soldado Silvânia desenvolvia suas atividades na área de trânsito da Unidade, quando foram convidadas para instituir as aulas do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) em seis escolas indígenas da zona rural de Palmeira dos Índios, localizadas nas aldeias Fazenda Canto, Coité Kandaú, Mata da Cafurna, Mãe Indígena Serra do Capela, Serra do Amaro e Boqueirão.
Atualmente, as irmãs moram na zona urbana de Palmeira dos Índios, mas frequentemente visitam seus pais que continuam residindo na aldeia.
Após receberem a capacitação no Curso de Instrutor Proerd da Polícia Militar de Pernambuco (PM-PE), elas iniciaram as atividades, percorrendo as escolas localizadas nas aldeias.
Por meio de cartazes, conferências e palestras sobre cidadania, combate às drogas e ao bullying, entre outras temáticas, elas foram disseminando os conteúdos do Currículo Proerd entre a população indígena das turmas do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental, bem como das turmas do Ensino Médio.
As atividades foram desenvolvidas, inicialmente, na zona rural de Palmeira dos Índios, migrando em seguida para escolas da zona urbana, estendendo-se, ainda, a algumas escolas de cidades próximas, como Igaci e Estrela de Alagoas.
Todo o trabalho durou quatro meses e culminou com a formatura no final do ano de 2024.
O planejamento para 2025 deverá beneficiar mais escolas da região, já tendo sido confirmados alguns encontros.
Para a soldado Simone, o desafio foi grande.
“O fato de sermos indígenas facilitou bastante o nosso ingresso nas escolas”.
“No entanto, as distâncias, as diversas idas às aldeias, o acesso que muitas vezes era difícil, os períodos chuvosos, tudo foi bastante desafiador”.
“Mas precisávamos cumprir a missão e, para nós, disseminar a cultura de paz do Proerd entre o nosso povo era o nosso principal objetivo, que foi alcançado”, ressaltou.
soldado Silvania destacou que as aulas sempre perpassavam pelo respeito à cultura e tradição.
“Trazíamos novos conteúdos, novas temáticas, mas não deixávamos de ressaltar o quanto precisávamos ser fiéis às nossas origens e, em cada encontro, buscávamos uma forma de atrelar aquele conteúdo à nossa realidade”, enfatizou.
“Queríamos ensinar para aquelas crianças que podemos ir em busca do novo, crescer, evoluir, correr atrás dos nossos sonhos, mas sem esquecer quem somos”.
“Eu ingressei na Polícia Militar, mas jamais deixarei de ser indígena”.
“Em primeiro lugar, eu sou xucuru-kariri”, enfatizou.
O Proerd tem atuado em Alagoas desde 2002. Neste período, mais de 500 mil alunos já foram alcançados pelo “leãozinho”, tradicional mascote do programa.
A atuação, de caráter educativo e preventivo, visa à prevenção da violência e do uso de drogas por crianças e adolescentes, seguindo o modelo do projeto Drug Abuse Resistence Education (D.A.R.E), criado em 1983, na cidade de Los Angeles, EUA.
Os currículos vão da Educação Infantil ao Ensino Médio, nas redes municipal e estadual, iniciativa privada ou filantrópica.
Além do público em idade escolar, o Proerd também atua com os pais ou responsáveis, comunidade civil, religiosa e empresas, por meio do Currículo Proerd comunitário.
O soldado Marcelo Gomes é um dos 923 militares formados no último concurso realizado na PM, em 2023.
Sem nunca ter saído de sua aldeia, na Mata da Cafurna, em Palmeira dos Índios, ele atualmente divide sua vida entre os serviços no batalhão e a vivência em sua comunidade.
“Foi um período de grande mudança, quando tive que fazer o Curso de Formação em Maceió, por cerca de um ano”.
“Nunca tinha saído daqui. Mas fui em busca de realizar meu sonho: ser policial militar. Tão logo me formei, voltei para a minha aldeia”, lembrou.
Já formado, o soldado Marcelo Gomes se especializou e foi um dos concluintes do I Estágio de Patrulhamento em Área Rural, realizado em fevereiro de 2025.
Desde então, ele atua na equipe que visa o combate à criminalidade com ações mais precisas e adaptadas às realidades climáticas e geográficas da região, com prevenção e repressão ao tráfico de drogas, crimes violentos, roubos de veículos, além do monitoramento de áreas isoladas frequentemente usadas para esconderijos e práticas ilícitas.
O militar já se tornou referência na aldeia, despertando o interesse de crianças e adolescentes, que também nutrem o desejo de vestir a farda.
O pajé da comunidade, Ieru Gomes, reforça o quanto é representativo ter indígenas integrando a PM alagoana.
“Em nossa cultura, quando um indígena vence, todos vencem. Em comunidade, ficamos felizes quando um dos nossos realiza seus sonhos, sobretudo quando ele não abandona sua origem”.
“O Marcelo poderia não viver mais conosco, devido a sua profissão, mas ele escolheu permanecer aqui”, ressaltou.
“E assim, eles três têm sido um orgulho para seus parentes e um exemplo para as nossas crianças, que os olham fardados e já demonstram o desejo de um dia também vestir a farda”, complementou o pajé.
Os Xucuru-kariri
Os povos indígenas Xucuru-kariri somam cerca de 2.500 integrantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Eles estão concentrados no município alagoano de Palmeira dos Índios, sendo resultado da fusão de duas etnias estabelecidas na cidade em meados do século XVIII – os Xucurus, que segundo historiadores vieram de Cimbres, em Pernambuco, e os Kariri, que teriam vindo da região do Baixo São Francisco, entre Porto Real do Colégio e Sergipe.
Na cosmologia dos Xucuru-Kariri existe um lugar chamado Ouricuri, uma espécie de paraíso para o indígena, onde tudo o que se precisa acreditar-se estar nesse lugar.
O Ouricuri é um ritual sagrado e secreto.
Tendo como uma das principais características a comercialização de artesanato, a etnia é aberta à visitação de escolas e grupos, incluindo as vivências, caracterizadas por imersões em períodos mais longos na aldeia.
Com grande diversidade e riqueza cultural, a preservação do modo de vida e a resistência são características marcantes dos povos Xucuru-kariri.
Marília Morais / ASCOM PMAL