O relógio marcava 20h45.
Em campo, 39 minutos do segundo tempo.
Na última quinta-feira (22), durante confronto entre São Paulo e Nacional (URU) pelas oitavas de final da Libertadores, no Morumbi, o zagueiro Juan Izquierdo dá alguns passos cambaleando até cair no gramado, próximo ao meio campo.
O juiz faz um gesto com os braços cruzados chamando atendimento médico, e a ambulância do estádio entra no gramado em poucos segundos, tudo dentro de um protocolo médico rigorosamente treinado.
Alguns pontos do primeiro atendimento revelam a complexidade do caso, como nos conta em entrevista exclusiva ao GE (responsável por esta resportgem) o médico André Pedrinelli, que estava trabalhando no jogo como o oficial médico de campo da Conmebol.
Juan Izquierdo teve a morte confirmada nessa terça-feira (27).
Um dos maiores problemas foi justamente a forma e o momento em que ocorreu o lance de Juan.
“No momento da queda do Izquierdo, um jogador do São Paulo recebia atendimento na lateral, e a imagem que recebemos no tablet no momento, não focou o momento exato da sua queda”.
“Essa imagem que recebemos no tablet tem três segundos de delay, que é para termos a oportunidade de rever um lance no aparelho o mais rápido possível”.
“No dia do jogo havia cinco médicos no campo. Além do pessoal do Nacional, havia o colega médico do São Paulo e o emergencista da ambulância”.
“O responsável pelo primeiro atendimento é sempre o corpo médico do clube, no caso do Juan, o Nacional”.
“Mesmo com tantos profissionais, as decisões não são fáceis, comunicação rápida e contínua, treinamento constante e coordenação, são fundamentais nestes casos”, comentou Pedrinelli.
Em dias de jogos de Libertadores e Sul-Americana, competições organizadas pela Conmebol, existe um oficial médico responsável pela vistoria do estádio e verificação e treinamento de todos os profissionais de saúde envolvidos para garantir o melhor atendimento possível em emergência.
Na última quinta-feira, no Morumbi, o profissional da entidade era Pedrinelli, que conta que no dia tudo funcionou em perfeito acordo com o protocolo da Conmebol:
“Tudo foi feito corretamente, de acordo com os protocolos pré-estabelecidos pela Conmebol”.
“Antes da partida é realizado o treinamento com a equipe da ambulância para, caso fosse preciso ela entrar em campo, entrar no local correto e o mais rapidamente possível, e foi isso que aconteceu”.
“Outro ponto que treinamos foi a comunicação com o árbitro”.
“Ele faz um sinal apontando a emergência também, e até isso é treinado”.
“Tudo isto agiliza a comunicação interna, que é feita via rádio, para a maior agilidade e clareza das ações”.
Para Pedrinelli, não é possível comparar o caso de Juan ao do jogador dinamarquês Christian Eriksen, que na edição 2021 da Eurocopa gerou grande comoção ao sofrer uma parada cardiorrespiratória em campo.
“É difícil a comparação do caso do Juan com o Eriksen”.
“O Eriksen teve o seu episódio acontecendo na lateral do campo, com as câmeras de televisão visualizando a jogada em si”.
“No caso dele, o reconhecimento do quadro foi muito mais claro e rápido do que o do Izquierdo.
“O caso Eriksen foi uma parada cardíaca de rápido reconhecimento”.
“Ele cai e fica imóvel no chão”.
“No caso do Juan tem pontos duvidosos que indicavam uma possível parada cardíaca e outros pontos que geram fatores clínicos divergentes”.
“Ele teve um quadro convulsivo intenso e apresentava pulso e respiração quando entrou na ambulância”.
“A decisão clínica não é nada fácil de ser tomada e não é questão apenas de conhecimento técnico”, analisou Pedrinelli.
“Há um fato complicador importante: o quadro convulsivo que o Juan teve”.
“Na hora é difícil saber o que ocorre como fator inicial, se o quadro cardiológico ou o neurológico”, completou.
De toda forma, Pedrinelli garantiu que tudo foi feito dentro do regulamento.
“Se tudo está dentro da lei, e estava dentro da lei, fica difícil mudar alguma coisa, porém isso poderia ser resolvido repensando alguns pontos”.
“Nos jogos da Fifa, por exemplo, existe uma equipe médica centralizada no campo, para entrar imediatamente em caso de emergência”.
“É preciso repensar algumas regras e preparar melhor os profissionais que atuam nos jogos”.
O médico ortopedista Pedro Pedrinelli faz parte da comissão médica da Conmebol desde 2014 e é diretor do Centro Médico de Excelência da FIFA, com mais de 30 anos de experiência em medicina do esporte.
“Sempre o médico da equipe tem prioridade de decisão sobre as outras pessoas”.
“A gente pode aconselhar e ajudar se reconhecemos alguma situação, mas um “injury spotter” (observador de lesões) ajudaria muito, e isso está no processo de implementação da Conmebol, que já usa o tablet com os três segundos de delay para dar tempo de a gente checar o lance”, opinou.
O objetivo é proteger a saúde dos atletas.
“Na FIFA, assim como no rugby e na NFL, existe esse profissional que fica focado nesse tipo de lance, na lesão de um jogador e nos fornece informações preciosas em tempo real”.
“Isso nos ajuda muito na tomada de decisões mais rápidas e corretas enquanto estamos realizando o atendimento”, finalizou Pedrinelli.
Joanna de Assis — São Paulo