Maduro usa referendo sobre região na Guiana como manobra

Disputa por Essequibo acirra tensão entre os países e acende alerta para Brasil e EUA
Mapa da região de Essequibo (reclamada por Venezuela – tom mais escuro – corresponde a mais de 70% de território da Guiana); em imagem ao lado, parede com mensagem reivindicado a parcela guianesa como venezuelana. (Fotos: reprodução/Vitoria Coelho/G1; Matias Delacroix/ AP)

A disputa por Essequibo, uma área de 159 mil quilômetros quadrados riquíssima em petróleo, põe Venezuela e Guiana em rota de colisão e acende o alerta do Brasil e dos Estados Unidos.

De um lado, Nicolás Maduro mergulhou de cabeça numa campanha para turbinar o referendo popular que empreende neste domingo no país, no qual consultará a população sobre as medidas a tomar em defesa da região.

De outro, a Guiana já apostava na posição da Corte Internacional de Justiça, que decidiu que a Venezuela não pode, de momento, tentar anexar a região.

De imediato, a crise fez o Brasil reforçar a sua fronteira norte, e os EUA enviarem funcionários de alto escalão para a Guiana.

O ufanismo venezuelano em torno de Essequibo vem sendo alardeado por Maduro e se explica também pela proximidade das eleições presidenciais do próximo ano.

Conforme declarou Mariano de Alba, especialista em Direito internacional e Relações Internacionais, ao jornal digital “El Pitazo”, o referendo é um balão de ensaio para lubrificar a máquina eleitoral e dividir a oposição.

A consulta proposta por Maduro tem cinco perguntas, que ele defende serem respondidas cinco vezes com o “sim”: rejeitar a fronteira com a Guiana, validar o acordo de Genebra, firmado em 1966, defender por todos os meios a soberania do território, não reconhecer o Tribunal Internacional de Justiça como legítimo para resolver o conflito, e criar um estado na Venezuela chamado Guayaba Esequiba.

Opositores do regime e analistas políticos não contestam a soberania venezuelana sobre Essequibo, mas a forma como o conflito vem sendo conduzido pelo regime de Maduro, criticado por usar o tema como manobra para distrair a população.

“Votar cinco vezes “sim” no referendo nos levará a um conflito armado”, resume a presidente da ONG Controle Cidadão, Rocío San Miguel. Ela considera sensatas as respostas “sim” para as duas primeiras questões e “não” para as três últimas.

“Não participar no referendo é dar poder a Maduro para instrumentalizar qualquer ação interna ou militar. Se nos abstivermos, deixaremos tudo na mão do outro, para que ele possa fazer e desfazer”, constatou San Miguel em suas redes sociais.

O analista Luís Vicente León, diretor da Datanálisis, entende que se abster no referendo não é uma solução e repete a fórmula “sim, sim, não, não e não” à consulta popular. “Essequibo é um território venezuelano. Não precisamos de um referendo para ratificá-lo e todos temos de defendê-lo a nível diplomático e político, sem necessidade de questioná-lo”, justifica.

Principal concorrente de Maduro nas eleições do próximo ano, embora inabilitada pela Justiça para disputar o pleito, a opositora María Corina Machado rejeita o referendo:

“Essequibo é da Venezuela, essa tem sido a posição dos venezuelanos e governantes durante gerações. Seremos levados à Corte Internacional de Justiça por negligência, irresponsabilidade e entreguismo de Chávez e Maduro.”

O interesse pela região cresceu após a descoberta e exploração de petróleo na região que equivale a 70% do território da Guiana e tem o inglês como idioma predominante. Ex-colônia britânica, a Guiana defende a fronteira definida em 1899 por um tribunal arbitral. A Venezuela recorre ao acordo assinado em 1966 em Genebra que estabelece as bases para uma solução negociada entre os dois países.

Maduro rejeita a interferência do Tribunal Penal Internacional, que analisa o caso a pedido da Guiana e deverá proclamar sua decisão nesta sexta-feira. “Incorporar a região ao território da Venezuela ou conceder cidadania à população são ações que equivaleriam a uma anexação ilegal do território da Guiana, em violação dos princípios mais fundamentais do direito internacional”, proferiu Robert Persaud, secretário das Relações Exteriores da Guiana.

Sandra Cohen/G1

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