O ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, conseguiu o que queria: um habeas corpus na Justiça Federal para não ser responsabilizado pelo rompimento da barragem de rejeitos de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que matou 270 pessoas em janeiro de 2019 — considerando duas gestantes, o número de vítimas sobe para 272.
O Ministério Público Federal (MPF) pode recorrer da decisão, mas por enquanto Schvartsman está livre do processo criminal por homicídio qualificado e crimes ambientais.
A decisão foi unânime entre os desembargadores da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).
Eles acreditam que o MPF não apresentou indícios suficientes de que o ex-presidente tinha conhecimento de que a barragem poderia romper.
Não houve, para os magistrados, “indícios mínimos de conduta criminosa” envolvendo o ex-presidente da mineradora.
A ação ainda pode condenar outros quinze réus, se os juízes não excluírem mais ninguém do processo.
Em janeiro, o delegado da Polícia Federal (PF) Cristiano Campidelli disse à Agência Brasil que existem provas de que Schvartsman sabia dos riscos de rompimento e nada fez.
Ele esteve presente, garante o delegado, em uma reunião em que se debateu a fragilidade da estrutura da barragem de Córrego do Feijão.
“Conseguimos demonstrar na investigação que ele sabia que aquela barragem estava em risco”, disse o delegado.
“Temos uma prova que demonstra que houve uma apresentação para ele e para os diretores”, acrescenta.
“Ele estava presente na apresentação mostrando que aquela estrutura estava em risco”, concluiu.
Longe da Vale e, agora, do processo criminal que o ameaçava, Schvartsman segue como conselheiro de administração da Vibra, ex-BR Distribuidora, função que ocupa há dois anos.
Segundo a Avabrum (Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho), “a decisão dos desembargadores do TRF-6 de aceitarem o habeas corpus pedido pela defesa do ex-presidente da Vale causa perplexidade e revolta”.
“Fábio Schvartsman sabia que a barragem não era segura”, continua a entidade.
“Em vez de preservar vidas, ele escolheu o lucro e a ganância”.
“As escolhas do sr. Fábio mataram nossos entes queridos”.
“Confiamos que o Ministério Público Federal irá recorrer dessa decisão absurda de livrar um executivo frio e calculista das acusações do assassinato de 270 pessoas (inclusive de duas gestantes, o que eleva para 272 o número de vítimas)”.
“Seguimos mobilizados em denunciar a impunidade”.
“Foi crime, não acidente”.
Justiça já beneficiou Schvartsman antes
Schvartsman já havia sido beneficiado quando conseguiu mandar seu processo para a Justiça Federal, embora o caso fosse circunscrito a Minas Gerais — ao contrário de Mariana, onde o impacto ambiental e socioeconômico do desastre da Samarco chegou até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo.
Em 13 de dezembro passado, Schvartsman recebeu voto favorável ao habeas corpus pelo relator do processo no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, desembargador federal Flávio Boson Gambog, e foi seguido por seus colegas da Segunda Turma da Corte.
A decisão também provocou indignação, embora não surpresa, em ambientalistas de Minas Gerais que acompanham os problemas recorrentes do extrativismo mineral no estado, como Daniel Neri, professor do Instituto Federal de Minas Gerais e doutor em política científica e tecnológica pela Unicamp.
“O que o extrativismo mineral em Minas Gerais está fazendo com a estrutura do estado brasileiro é mais grave do que o golpismo da extrema direita, do que o bolsonarismo”, disse Neri ao ICL Notícias (responsável por esta reportagem).
“O que está havendo é um desmonte da política ambiental”.
“Quando a gente olha para as questões do extrativismo mineral em Minas Gerais, o Estado desaparece”.
“Quando se trata de mineração, o estado democrático de direito, essa fantasia do sistema capitalista, some completamente. Ninguém se mete quando o assunto é mineração.”
Mineradoras têm força no Judiciário
Não é a primeira vez que a justiça toma decisão favorável a executivos de empresas de mineração em casos de rompimento de barragem. Tanto nos casos de Mariana, em 2015, quanto Macacos, em 2001, funcionários das companhias também foram beneficiados por decisões judiciais, mostrando o poder de influência que as grandes mineradoras têm na Justiça brasileira, sobretudo em Minas Gerais.
Um estudo recente do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) trouxe detalhes sobre as batalhas travadas na Justiça por pessoas impactadas pela tragédia de Brumadinho contra a Vale.
A pesquisa analisou 319 processos julgados entre janeiro de 2019 e março de 2023 por 11 câmaras cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), a chamada “segunda instância”.
Desse total, 75% das decisões foram desfavoráveis aos atingidos.
Em um dos casos, por exemplo, um gari chegou a ganhar R$ 100 mil em uma sentença de primeiro grau, mas o valor foi reduzido para R$ 20 mil após recurso da Vale.
Em nota, a defesa de Schvartsman informou que a decisão “reconhece a inexistência de qualquer ato ou omissão do ex-presidente da Vale que possuam algum nexo causal com o rompimento da barragem de Brumadinho”.
Segundo um procurador federal, “houve julgamento (do pedido de habeas corpus), mas ainda não saiu a íntegra da decisão do Tribunal”. De acordo com ele, que prefere não se identificar, “quando estivermos de posse do documento é que será possível nos manifestarmos, pois o julgamento foi virtual e o MPF ainda não teve acesso aos votos”.
ICL Brasil