Justiça condena homem a 12 anos de prisão por morte de cinegrafista

Santiago Andrade foi morto em 2014 durante um dos protestos que ocorreram contra o aumento de passagens
Santiago Andrade era repórter cinematográfico da TV Bandeirantes e uma das fotos do momento em que é atingido por rojão durante protesto no Rio – imagem rendeu prêmio a fotógrafo d'O Globo. (Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo; foto/Santiago: reprodução/arquivo pessoal)

A Justiça absolveu Fábio Raposo Barbosa e condenou Caio Silva de Souza pela morte de Santiago Andrade, cinegrafista da TV Bandeirantes atingido por um rojão durante um protesto no Centro do Rio de Janeiro, em 2014. A sentença foi proferida durante a madrugada desta quarta-feira (13).

Fábio e Caio foram acusados pelo crime de homicídio doloso qualificado por emprego de explosivo. Fábio foi absolvido das acusações, enquanto Caio foi condenado por lesão corporal seguida de morte.

A pena de Caio foi de 12 anos em regime fechado. No entanto, ele poderá responder em liberdade.

O Ministério Público afirmou que vai recorrer da decisão. A família do cinegrafista Santiago Andrade disse que também vai recorrer da decisão que absolveu Fábio. Ainda será avaliada a possibilidade de um recurso contra a sentença de Caio.

“Não há como aceitar a inocência de alguém que pega uma arma do chão e concorda em fazer uso dela no meio de uma multidão. Vamos esgotar a fase de recursos em busca de uma pena adequada”, afirmou Vanessa Andrade, filha de Santiago.

Os advogados Antonio Melchior, Leonardo Rivera e Rodrigo Faucz que representam Caio Silva de Souza disseram que vão recorrer da decisão devido ao tempo de pena estabelecido ao réu.

“O Conselho de Sentença reconheceu que não havia quaisquer provas de que Caio tinha a intenção ou assumiu o risco de matar o cinegrafista Santiago. Infelizmente haverá necessidade de recorrer em relação à pena, eis que desbordou as normas legais em uma tentativa de dar uma resposta para a família”, disseram em nota.

Wallace Martins Paiva, que representou Fábio Raposo Barbosa, disse que a justiça foi feita. “Os jurados, soberanamente, entenderam pela tese da não participação de Fabio. A defesa sustenta esse argumento desde 2014”, explicou.

O júri

Réus pela morte do cinegrafista Santiago Andrade são ouvidos no Tribunal do Júri

O julgamento começou durante a tarde de terça-feira (12) e avançou pela madrugada desta quarta-feira. O júri popular era formado por cinco homens e duas mulheres.

Fábio foi o primeiro dos réus a depor e disse que:

era um frequentador das manifestações e protestava contra o governo;

chegou na manifestação por volta das 18h30 e que percebeu um grande tumulto;

na correria, viu no chão um objeto preto, pegou por “curiosidade” sem saber que era um rojão;

Caio pediu insistentemente pelo artefato, e ele entregou;

em seguida, saiu com os olhos muito irritados devido ao gás lançado pelos policiais;

não viu o momento que Caio acendeu o rojão;

não viu quando o explosivo atingiu Santiago – ao contrário do que disse na delegacia;

negou fazer parte do grupo que era chamado de “black bloc” e disse ser mentira que tivesse símbolos do movimento na casa dele – a afirmação foi feita pelo delegado Maurício Luciano, responsável pela investigação em 2014.

“Na praça, eu encontrei um objeto preto no chão e veio uma outra pessoa. Ele me pediu e eu entreguei o artefato. Essa outra pessoa foi para distante. E eu não me recordo de fato de como foi ou o que aconteceu”, disse Fábio.

“Eu não vi exatamente o que ele fez com o rojão. Eu estava há poucos metros. Escutei sim [a explosão]. Só não sei o que de fato o Caio fez. Eu não tenho como dizer, estava com meus olhos ardidos. Eu sei que eu entreguei para outra pessoa e essa pessoa é o Caio”, pontuou.

No início da noite, Caio começou a depor e falou sobre sua culpa por ter causado a morte de Santiago.

“Eu passo todo dia pela Central do Brasil e carrego o peso da minha mochila, mas também carrego o peso de ter matado um trabalhador. Todo dia eu carrego peso do meu trabalho e o peso de ter matado um trabalhador.”

Resumo do depoimento de Caio:

conhecia de vista, mas que não sabia o nome do Fábio;

viu o Fábio no momento que passava pela praça, e que Fábio perguntou se ele tinha um isqueiro;

respondeu que sim e pediu o que ele tinha nas mãos, afirmando que iria acender o artefato;

Caio, no entanto, disse não saber que se tratava de um rojão;

quando ele acendeu o rojão não tinha ninguém na frente dele;

não tinha conhecimento sobre o poder de fogo daquele artefato;

depois de aceder e colocar o artefato no chão, deixou o local;

só teve a confirmação do motivo da morte do cinegrafista nos dias seguintes, com a repercussão na imprensa – até então, achava que tinha sido provocada por bombas jogadas pela Polícia Militar.

“Se eu tivesse consciência do que era e o que poderia causar, eu jamais iria pegar na minha mão. Eu vi outras pessoas soltando algo que fez uma explosão de cores. Foi isso que quando o Fábio me passou, foi isso que ele me falou.”

Testemunhas

Além de Fábio e Caio, prestaram depoimentos cinco testemunhas, sendo três de acusação e duas de defesa. São eles:

Maurício Luciano Silva, delegado responsável pela investigação que prendeu Caio e Fábio por dispararem o rojão em 2014 (acusação);

Domingos Rodrigues Peixoto, fotógrafo do jornal O Globo que registrou o momento em que Santiago foi atingido (acusação);

Eduardo Fasulo Cataldo, perito da Polícia Civil especialista em explosivos (acusação);

Marcelo Chalreo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ na época do fato (defesa);

e Luiz Rodolfo de Barros Corrêa, assessor da presidência da Comissão de Direitos Humanos da OAB (defesa).

Carlos Henrique Omena, que trabalhava com Caio, foi dispensado do depoimento.

Família emocionada

Na chegada ao Tribunal de Justiça, a viúva de Santiago, Arlita, se emocionou.

“A emoção é muito grande, queria que o dia de hoje mudasse tudo isso porque é um sofrimento muito grande para a família toda. Nossa felicidade é que ele pôde salvar cinco pessoas através dos órgãos”, disse a viúva.

“O que fizeram com ele foi uma covardia, eles queriam atingir um policial e atingiram o Santiago. Mesmo depois de cair, ele não soltou a câmera, que era companheira dele.”

Filha e viúva de Santiago Andrade falam sobre o início do júri popular dos dois réus

“Não dá para a gente aceitar nesses 10 anos que isso fique impune. É uma dor que a gente não consegue mensurar, que a gente consiga com a Justiça tirar esse nó da garganta. A gente quer encerrar essa página”, destacou a filha Vanessa Andrade.

“Eles são assassinos. Eles estão soltos enquanto na verdade nós é que estamos presos. Eles têm a oportunidade de refazer a vida, mas e a família? Quando vamos ter essa chance? Espero que seja amanhã”, completou Vanessa.

Julgamento

A primeira testemunha do dia foi o delegado Maurício Luciano de Almeida e Silva, responsável pelas investigações na Polícia Civil.

Em seu depoimento, o delegado contou que, durante uma busca e apreensão na casa do Fábio, foram encontrados desenhos e símbolos, que indicavam que o acusado seria integrante de uma suposta organização criminosa.

“Quando a gente foi fazer uma busca na casa do Fábio nós vimos escrito lá nas paredes o símbolo dos black blocs, para corroborar a tese de que ele era integrante desse grupo. Na verdade, uma associação criminosa, porque eles estavam reunidos de forma estável e duradoura para a prática de crimes”, afirmou o delegado.

Sobre a explosão do artefato que acertou o cinegrafista Santiago, Maurício comentou que os acusados sabiam do poder de destruição daquele explosivo.

“Esse tipo de petardo já tinha sido utilizado na Central do Brasil. Um rojão de vara que tem um alto poder de explosão e inclusive é proibido [comercializar] no Rio de Janeiro […]. Foi uma explosão de grande vulto, grande monta”, comentou.

“Quem soltou sabia do grau de destruição que poderia causar”, completou o delegado.

Em seguida, o investigador falou sobre a estratégia dos acusados para retirar a vara que acompanhava o artefato.

“Eles retiraram a vara [do artefato] para dissimulação no transporte, porque eles vinham de trem, de meio de transporte coletivo para não chamar atenção. Mesmo sem a vara, ele é projetado. Ele pode não ter uma trajetória retilínea. Sem a vara ele tem uma trajetória talvez mais curva, mas ele vai para frente com todo poder e velocidade”, acrescentou Maurício Luciano.

Ainda sobre a explosão do artefato lançado pelos acusados, o perito da Polícia Civil Eduardo Fasulo Cataldo, especialista em explosivos, afirmou que, sem a vara que foi retirada, o artefato não poderia ser direcionado a um alvo específico.

“Ele sem a vara assume qualquer direção. É aleatório. Na garagem [durante testes] ele fez várias piruetas porque ele encontrou um anteparo e aí assume várias direções”, explicou o especialista.

“Ele tem a queima, assume primeiro uma direção retilínea e depois cria vida própria, podemos dizer assim”, completou Eduardo.

Testemunha diz que acusados não prestaram socorro

O fotógrafo Domingos Rodrigues Peixoto, que registrou o momento em que Santiago foi atingido, afirmou em seu depoimento que a pessoa que acendeu o explosivo não prestou socorro ao jornalista ferido.

“Quando eu levantei a câmera para fazer as imagens, ele já estava correndo de costas para o artefato. Quando eu faço a sequência, o rojão sai e atinge o companheiro Santiago”, disse Domingos.

“Eu fui pra cima, eu fiz mais uma foto e aí percebi que era o companheiro Santiago […]. As pessoas estavam gritando: ‘foi a polícia, foi a polícia’. Mas eu sabia que não tinha sido”, completou.

Agradecimento à imprensa

Antes da audiência, a família de Santiago fez um agradecimento emocionado à imprensa. Com lágrimas nos olhos, Vanessa falou especialmente com os cinegrafistas presentes, alguns colegas de trabalho de Santiago Andrade.

“Tenho muito respeito pela profissão, até porque eu sei que meu pai certamente seria um de vocês aqui. Muito obrigado a todos vocês”, comentou Vanessa.

Mariana Bispo, Henrique Coelho, Raoni Alves, Wesley Bischoff, TV Globo e G1/Rio

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