Justiça bloqueia contas de filhas de Collor para confisco de R$ 1,3 milhão

Cecile e Celine tiveram ordens de retirada de até R$ 649 mil para quitar débito não pago da TV do pai; dúvida é se há saldo
Collor e as filhas: defesa diz que bloqueio foi medida abusiva, mas desembargador que analisou recurso admitiu o direito pedido pelo trabalhador: “a notória capacidade econômica dos envolvidos, pessoas públicas cujo patrimônio tem ampla divulgação na imprensa nacional e estadual, corrobora a plausibilidade do direito”, diz trecho da manifestação oficial proferida pelo desembargador Roberto Gouveia. (Foto: reprodução)

A Justiça do Trabalho de Alagoas determinou o bloqueio das contas das duas filhas gêmeas do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Cecile e Celine, de 19 anos, tiveram ordens de retirada de até R$ 649 mil de cada uma delas para quitar um débito não pago a um ex-funcionário da emissora de TV de propriedade do pai.

A decisão do bloqueio foi da juíza Sarah Vanessa Araújo, substituta da 1ª Vara do Trabalho de Maceió.

O despacho com a ordem ao Sisbajud (sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições financeiras) foi assinado no dia 18 de agosto.

Collor tem as contas bloqueadas desde agosto de 2023, mas a Justiça só encontrou R$ 14,97.

Naquele mesmo ano, porém, ele fez doações às filhas em um total de R$ 1,3 milhão.

A defesa de Cecile e Celine entrou com recursos no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de Alagoas alegando que o ato foi “ilegal e abusivo”, já que as jovens não são alvo da ação e não tiveram direito a defesa.

Mas o desembargador Roberto Ricardo Guimaraes Gouveia negou o pedido e confirmou o bloqueio no último dia 9.

Os valores encontrados ainda não foram informados.

Entenda o pedido

O pedido do bloqueio foi feito por um ex-trabalhador da TV Gazeta que entrou com processo contra a empresa em novembro de 2019, após ser demitido, e que teve trânsito em julgado em fevereiro de 2024.

O valor final cobrado por ele e alvo de bloqueios anteriores das contas de Collor e esposa, Caroline Serejo, é de R$ 1,34 milhão (valor ainda a ser confirmado em cálculos judiciais).

A inclusão das duas filhas no processo ocorreu porque o pai delas fez quatro transferências para elas nos valores de R$ 375 mil e R$ 277,1 mil (cada um em cifras iguais para elas) em 2023.

Os valores doados às filhas foram descobertos após quebra de sigilo fiscal de Collor.

A defesa do trabalhador alega que essas doações configurariam “fraude à execução” do pagamento já determinado pelo Judiciário.

Segundo eles, a doação de bens e valores para descendentes é considerada um adiantamento de herança, “razão pela qual o bem doado responde pelas dívidas do doador”.

“As doações foram materializadas em período de notório e agudo comprometimento patrimonial do executado”, diz a ação assinada pelos advogados Rodrigo Botelho Vieira, Marcelo Andreatta e Luiz Felipe Gonçalves.

Segundo eles, a doação de bens e valores para descendentes é considerada um adiantamento de herança, “razão pela qual o bem doado responde pelas dívidas do doador”.

Ainda segundo o pedido, a doação ocorreu em um momento em que a TV de Collor está em “estado de quase insolvência”, e que isso “não poderia ser ignorado pelo doador”.

Desde 2019, o grupo de comunicação de Collor em Alagoas está em recuperação judicial e atolado em dívidas, enquanto a TV Gazeta enfrenta um processo da Globo que chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) para derrubar o contrato de afiliação fechado forçadamente por ordem da Justiça de Alagoas e confirmado em 19 de agosto pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

“Nesse contexto, a realização de doações de tamanha vultuosidade não pode ser encarada como mero ato de liberalidade desinteressada”, diz trecho da ação do ex-trabalhador.

“Ao revés, configura manobra astuciosa e proterva para esvaziar o patrimônio do devedor”, enfatiza a ação, em trecho seguinte.

“A má-fé do doador, aliás, revela-se implícita no próprio cenário de sua insolvência manifesta, prescindindo de prova cabal e específica”, conclui.

Na decisão, a juíza alega que as doações “representam valores bastante elevados sem que se tenha a justificativa legal para tais ações, especialmente considerando que no momento das transferências de valores, o executado FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO já integrava o polo passivo desta e de diversas outras execuções em trâmite nesta Justiça”.

Ato é ilegal e abusivo, diz defesa

Em mandado de segurança contra a decisão impetrado no dia 26 de agosto no TRT de Alagoas, a defesa das filhas de Collor classificou o ato da juíza como “ilegal e abusivo”.

“Não há qualquer menção à inclusão de Cecile e Celine como partes executadas nesse processo”, afirma o advogado Luiz Thiago Amorim, que defende as filhas de Collor.

Essas ordens de bloqueio, representam uma iminente e grave ameaça ao patrimônio das Impetrantes, que, repita-se, não foram formalmente incluídas como devedoras na execução por qualquer decisão judicial transitada em julgado.

Luiz Thiago Amorim

A defesa ainda alega que “há evidente abuso de poder, uma vez que a determinação de bloqueio de valores nas contas das Impetrantes fora efetuada sem que elas tivessem qualquer participação ou envolvimento com o processo trabalhista em questão, configurando flagrante ilegalidade”.

“A mencionada decisão foi totalmente arbitrária, pois sequer oportunizou as impetrantes o exercício do direito de defesa”, pontua.

O desembargador Roberto Gouveia negou o pedido da defesa e alegou que as transferências, associadas “às infrutíferas tentativas de localização de bens do executado no processo principal, configura indícios veementes de fraude à execução, caracterizando a transmissão de bens aos herdeiros com o objetivo precípuo de frustrar o cumprimento da obrigação e antecipar, de forma fraudulenta, a partilha patrimonial”.

“A notória capacidade econômica dos envolvidos, pessoas públicas cujo patrimônio tem ampla divulgação na imprensa nacional e estadual, corrobora a plausibilidade do direito invocado pela parte exequente e a necessidade da medida constritiva”, diz trecho da manifestação oficial proferida pelo desembargador Roberto Gouveia.

“Assim, a decisão atacada, ao sopesar tais circunstâncias, demonstrou a fundamentação apta a justificar o procedimento adotado”, conclui o desembargador, concedendo a razão ao trabalhador.

Carlos Madeiro — Colunista do UOL

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