Justiça alagoana mantém ação contra homem negro por “racismo reverso”

Decisão de desembargador que negou trancamento de ação penal abre precedente perigoso, diz Instituto do Negro de Alagoas – que vai ao STJ
Decisão pode abrir precedente bastante perigoso: promotora denunciou homem negro por supostas ofensas a um homem branco, italiano, por possuir uma “cabeça europeia escravagista” – “pelo caráter até esdrúxulo da situação, existem poucas decisões judiciais sobre isso”, diz advogada de movimento. (Foto: reprodução / FreePik)

O Instituto do Negro de Alagoas (INEG) terá que recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão da Justiça de Alagoas de não trancar uma ação penal – movida pelo Ministério Público Estadual (MPE) – que acusa um homem negro de cometer injúria racial contra um homem branco.

A decisão do desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), João Azevedo, foi considerada perigosa por abrir precedente no estado para a tese do “racismo reverso”.

A ação deve continuar, portanto, na 1ª Vara de Coruripe.

De acordo com o coordenador do Núcleo de Advocacia Racial do INEG, Pedro Gomes, a entidade estava confiante de que o TJ iria suspender a ação.

“É um caso que, em que pese a gente tenha uma vasta discussão técnica acadêmica, e essa questão do racismo reverso seja totalmente superada, nem sempre o Judiciário tem acompanhado os anseios da sociedade – especialmente, digamos assim, o lado progressista”, relata.

Ainda em meio ao estarrecimento, a entidade já planeja os próximos passos.

“Apesar de termos recebido com serenidade e com confiança de que fizemos um bom papel, a gente não concorda em nada com a decisão”.

“Acreditamos que ela não acompanha a melhor técnica jurídica e, logicamente, vamos recorrer vislumbrando agora impetrar um habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça”.

O advogado lembra, ainda, o quanto a postura dos órgãos em Alagoas está longe de se aplicar em outras situações.

“Digamos que, pelo caráter até esdrúxulo da situação, existem poucas decisões judiciais sobre isso”.

“Primeiro porque a maioria esmagadora dos órgãos do MP, nos quais denúncias dessa natureza chegam, já arquivam de pronto. Sabe-se lá por que ela foi proposta neste Ministério Público”.

“Além disso, normalmente os juízes de primeiro grau também têm a tendência de não aceitar, então é difícil a gente localizar situações semelhantes, porque a melhor técnica impede que isso exista”, explica.

Na verdade, segundo Pedro Gomes, outras decisões vêm dizendo exatamente o contrário.

“No caso da ex-assessora, da ministra Arielly Franco, há até uma sentença absolutória do Tribunal Regional Federal da Primeira Região na qual absorveu o suposto autor do fato por atipicidade penal, justamente porque não há crime, não há como ser condenado por um crime de injúria racial se ela é perpetrada contra pessoas que não fazem parte de grupos minoritários socialmente excluídos e que, pelo contrário, fazem parte de grupos que não são marginalizados”.

“Então, existem algumas decisões”.

“Quando uma ação chega nesse nível, infelizmente, é um conjunto de erros, mas sem dúvida abre um precedente muito perigoso”.

Foi em janeiro deste ano que o INEG foi acionado para prestar assistência a este caso, iniciado na comarca de Coruripe (AL).

A promotora do MP-AL, Hulda Paiva Torres de Castro, denunciou um homem negro por supostas ofensas a um homem branco, italiano, que foi chamado por possuir uma “cabeça europeia escravagista”.

Wanessa Oliveira

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