O caso foi resgatado de modo mais amplo no livro “Notícias do Planalto”, de Mário Sérgio Conti, e levou à proibição do acesso com armas de fogo ao interior do Senado Federal.
Mas, não está tão na memória política e histórica do brasileiro, como deveria.
Tanto que é resgatado na seção “Você sabia” – está na página eletrônica da edição deste domingo (03) do jornal O Estado de S.Paulo (Estadão).
Intitulada “Tiroteio no Senado: há 60 anos, pai de Collor matou colega no plenário e saiu impune”, a reportagem assinada por Juliano Galisi traz áudio com o relato e da época.
Foi publicada para marcar os 60 anos do tiroteio protagonizado pelo então senador Arnon de Mello, pai de Fernando Collor e que denomina o grupo de comunicação que leva seu nome – e tem Collor como acionista majoritário.
Que – como, aliás, cita o mesmo livro do jornalista e apresentador no canal GloboNews, de tv por assinatura, de noticiosos da mesma rede – chegou ser o mais pujante na região, há menos de quatro décadas, à frente até da própria emissora local da rede, a Globo Nordeste, em Olinda (PE).
Isso quando tinha à frente, primeiro o senador e (após sua morte, em 1983), o irmão mais novo de Collor, Pedro.
Sob a administração de Collor, o grupo hoje encontra-se à beira da falência, em meio a um processo para evitá-la repleto de irregularidades e, segundo o próprio Ministério Público de Alagoas, com indícios de crimes contra a lei de falências.
E do qual o episódio mais recente é o anúncio da Rede Globo de encerrar uma parceria de 48 anos, porque Collor – conforme condenação do STF – usou a emissora para lavagem de dinheiro de corrupção.
Segue abaixo texto publicado pelo Estadão, com o resgate histórico do episódio e desdobramentos mais atuais, como a relação de ministro de Collor (o renomado médico Adib Jatene – falecido em 2014) e de ex-ministro do STF, Supúlveda Pertence (falecido em julho) com o caso:
Em 1963, rixa entre senadores alagoanos descambou em tiroteio que terminou com a morte de José Kairala; Arnon de Mello, autor dos disparos e pai de Fernando Collor, alegou legítima defesa e foi absolvido. (Foto: reprodução)
Arnon de Mello (PDC-AL) estava tenso antes de usar o microfone do Senado Federal naquele 4 de dezembro de 1963: se decidisse mesmo discursar, o faria sob jura de morte. Horas antes do início da sessão, num telefonema anônimo, havia sido informado de que o senador Silvestre Péricles (PTB-AL), na sala do café do Senado, apregoava que, se Arnon falasse naquele dia, “encheria sua boca de balas”.

Na manhã do dia 4, a ameaça de Silvestre Péricles foi correndo à boca pequena e chegou aos ouvidos do senador paulista Lino de Matos (PTN), que se espantou com o teor da expressão e foi confirmá-la com o próprio Góis Monteiro.
Ao questioná-lo se aquilo era verdade, um furioso Silvestre Péricles garantiu a Matos que, sim, encheria de balas a boca de Arnon de Mello se o desafeto tomasse a palavra. Lino de Matos achou melhor avisar o presidente do Senado, o colega de São Paulo Auro de Moura Andrade (PSD).

Moura Andrade já havia tomado medidas de segurança excepcionais para aquele dia, em face dos boatos de que capangas alagoanos estariam no Congresso Nacional para ajudar seus clãs se o conflito chegasse às vias de fato. Além de uma revista mais rigorosa para acessar a galeria do público, guardas à paisana estavam espalhados pelo recinto. Com o recado de Lino de Matos, porém, Auro achou melhor emitir um aviso incomum antes de ceder a palavra a Arnon de Mello, o primeiro a falar naquela sessão.
“A presidência precisa declarar que manterá a ordem e o respeito indispensáveis no Senado, nos limites máximos de sua força”, afirmou Moura Andrade. Em seguida, passava a considerar que algum ilícito estivesse prestes a acontecer. “Se houver qualquer delito, será imediatamente aberto inquérito e lavrado o auto de flagrante”, completou o presidente do Congresso. “Isto é provocação”, confessou Góis Monteiro ao colega José Kairala (PSD-AC), um jovem e simpático senador em exercício que, em resposta, lhe pediu calma.
Arnon tomou a palavra às 15 horas e 3 minutos. “Presidente”, disse Mello, “permita que eu faça o meu discurso olhando na direção do senador Silvestre Péricles de Góis Monteiro, que ameaçou me matar, hoje, ao começar o meu discurso…” Neste momento, interrompeu a fala. Notou que Silvestre Péricles vinha rumando ao seu encontro com o braço direito erguido, o dedo em riste e a garganta saltada pelos sucessivos gritos de “crápula”. Arnon sacou o revólver e, mirando o desafeto, disparou duas vezes.
Estava instalado o tumulto. Góis Monteiro agachou rapidamente e saiu ileso. Enquanto os guardas do Senado tentavam imobilizar Arnon, ele acabou atirando pela terceira vez. Silvestre Péricles, escorado entre as cadeiras da bancada, sacou o revólver e seguiu ao encontro de Mello. Achou um ângulo, mirou no desafeto e estava prestes a atirar. Era só apertar o gatilho, pois o mecanismo do revólver já estava acionado.
Subitamente, surge o senador João Agripino (UDN-PB), que se joga em cima de Góis Monteiro e, empunhando a arma do alagoano, trava o percursor do revólver com o dedo, impedindo o disparo.

Agora, ambos estavam imobilizados e o susto parecia ter passado. Mas havia um ferido: José Kairala, que estava a poucos metros de Silvestre Péricles, foi atingido no primeiro tiro.
Vítima era senador por acaso naquele dia
Kairala José Kairala tinha 39 anos e estava em exercício do mandato por acaso. Nasceu em Manaus, mas se mudou com 1 ano de idade para Brasiléia, na fronteira do Acre com a Bolívia, onde foi comerciante e prefeito.
Era o suplente de José Guiomard (PSD-AC), que estava licenciado para tratar uma pneumonia.
Em 1992, seu último ano na presidência, houve uma dança das cadeiras no Ministério da Saúde. Em 11 meses, quatro ministros assumiram a pasta. O penúltimo deles foi o cardiologista Adib Jatene, conhecido em Brasília por ser o cirurgião dos mais importantes políticos do País. Quanto a Fernando Collor, porém, havia tido pouco contato.

O ministro alegou que, antes da nomeação, tinha se encontrado com o então presidente apenas quatro vezes.
Apesar do contato restrito, há de se dizer que Jatene, na verdade, já havia cruzado com o destino da família Collor três décadas antes.
Na tarde de 4 de dezembro de 1963, no Hospital Distrital de Brasília, foi Adib Jatene quem atendeu o senador José Kairala, ferido à bala por Arnon de Mello, pai de Fernando.
Informações da reportagem: Juliano Galisi/Estadão