‘Esperamos que o Brasil tenha papel de liderança’, diz presidente da Guiana

Em entrevista à GloboNews, Irfaan Ali diz que a Venezuela é 'muito imprevisível'
Presidente da Guiana lembra que o plebiscito sobre a anexação ocorreu apesar de uma proibição da Corte Internacional de Justiça. (Foto: reprodução)

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, disse nesta quarta-feira (6), em entrevista exclusiva à GloboNews, esperar que o Brasil seja um líder na manutenção da paz na América do Sul, após o governo venezuelano fazer um referendo sobre anexação de 2/3 do território guianês.

“Nós esperamos que o Brasil tenha um papel de liderança, um papel significativo em garantir que essa região se mantenha… O que a Guiana quer, a única ambição da Guiana é que essa região se mantenha uma região de paz e estabilidade, onde todos nós podemos coexistir em harmonia”, diz o presidente da Guiana.

Ali diz ver apoio do Brasil à Guiana e classifica a resposta do governo brasileiro ao impasse como “muito madura” – no domingo (3), o presidente Lula (PT) disse esperar que ambos os lados tenham “bom senso”.

“Como você sabe, antes do referendo eu tive uma ligação com o presidente Lula. O presidente Lula e o governo brasileiro mandaram uma equipe de enviados para a Venezuela para conversar com o presidente Maduro. Nós vemos o governo brasileiro tomando medidas para garantir seu território”.

O fato de o Brasil ter uma boa relação com a Venezuela não é motivo de preocupação para a Guiana, diz o presidente.

“O Brasil tem uma boa relação conosco também e nós esperamos que a Venezuela aja com princípio. Nós conversamos com o presidente Lula e com o ministro do exterior (Mauro Vieira) e os dois garantiram que a Venezuela estará do lado certo da lei … Então, nós temos confiança de que o Brasil vai agir de maneira responsável, de maneira que seja condizente de um país que mostra maturidade e liderança”.

‘A Venezuela é muito imprevisível’

Questionado sobre uma eventual invasão militar por parte dos venezuelanos, Irfaan Ali disse que “a Venezuela é muito imprevisível”.

O presidente guianês lembrou que o plebiscito sobre a anexação do território da Guiana ocorreu apesar de uma proibição da Corte Internacional de Justiça.

“Eles mandaram um recado à Corte Internacional de Justiça de que não estão preocupados com uma ordem internacional e com a ordem da Corte. Ao lidar com um estado como esse, você tem que garantir que está do lado da cautela, você tem que garantir que tem todos os sistemas no lugar para qualquer eventualidade, porque não há racionalidade, não há comportamento racional”, argumentou Irfaan Ali.

Irfaan Ali classificou a atitude da Venezuela como uma “ação imprudente e aventureira” e disse que entrou em contato com várias autoridades para manter o diálogo e garantir a paz na região.

“Falei com o secretário-geral das Nações Unidas, já escrevemos oficialmente para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essas cartas foram entregues esta manhã, descrevendo o cenário e a situação atual e solicitamos que o Conselho de Segurança da ONU tome nota e convoque uma reunião para tratar desse assunto”.

O presidente da Guiana também disse que pretende conversar com Lula novamente nas próximas 24 horas, assim como outros líderes da região para uma reunião emergencial.

“As próximas 24 horas serão dedicadas a garantir que todos os nossos parceiros estejam totalmente informados sobre esse desenvolvimento e comportamento imprudente da Venezuela”

Diálogo com os EUA

Questionado sobre a possibilidade de instalação de uma base norte-americana na Guiana, Ali diz que a região deve continuar sendo um território de “paz e estabilidade” e que as relações com os EUA foram ampliadas.

“Nos últimos anos, nossa colaboração em nível de defesa se intensificou. Fizemos muito treinamentos conjuntos, tivemos muitas colaborações conjuntas. E sim, estamos discutindo não apenas com os Estados Unidos, mas com todos os nossos parceiros dentro e fora da região para garantir a criação de um mecanismo que garanta que essa região continue sendo de paz e estabilidade, que garanta a proteção da nossa fronteira, que nossa soberania e integridade territorial permaneçam intactas”, disse.

Ele falou ainda que o país vai examinar as medidas de precaução necessárias, incluindo no nível de defesa na região com os Estados Unidos.

‘Não somos uma ditadura’

Questionado como o país estaria se preparando para as ações venezuelanas, Ali ressaltou que o objetivo é por uma saída pacífica e baseada nos tribunais internacionais, ressaltando o caráter democrático de seu país.

“Somos uma sociedade baseada em regras. Nós nos submetemos à democracia. Não somos uma ditadura. Não somos uma ditadura. Não temos nenhuma ambição neste país de estabelecer qualquer ditadura. Somos uma democracia. Acreditamos no sistema internacional e na ordem internacional. É por isso que recorremos ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi por isso que recorremos ao tribunal para obter medidas provisórias. Não recorremos a um exército para conseguir tropas na fronteira. Recorremos ao tribunal para que isso fosse resolvido de forma pacífica”.

O referendo

Os venezuelanos aprovaram no domingo (3) em referendo a proposta de seu governo para criar um estado em Essequibo, a região atualmente controlada pela Guiana que os dois países disputam. Segundo o governo da Venezuela, mais de 95% dos eleitores votaram a favor da questão, uma das cinco elaboradas na consulta pública.

O resultado acirrou as tensões na região e os temores pelo risco de um conflito armado local – o Brasil já reforçou a presença de militares no norte de Roraima, região que faz fronteira tanto com a Venezuela quanto com a Guiana.

O referendo tinha apenas caráter consultivo e, por isso, não é automaticamente vinculante – ou seja, o resultado não significa que o Estado da Venezuela está autorizado a anexar a região, que representa mais de 70% do território da Guiana atualmente e tem uma área maior que a da Inglaterra. Mas foi visto por Caracas como um passo a mais para tomar o controle do território.

Fábio Santos/G1

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