Especialistas apontam em CPI sinais de desabamento em Maceió desde 2008

José Geraldo Marques, que era morador do bairro Pinheiro, criticou valores oferecidos pela empresa: um “roubo consentido”
Segundo Marques e Galindo, o problema era conhecido pela Braskem, que não tomou as providências devidas. (Foto: reprodução / Pedro França / Agência Senado)

Especialistas ouvidos nesta terça-feira (05) pela CPI da Braskem explicaram aos senadores as peculiaridades geológicas e falhas da empresa petroquímica Braskem que levaram aos danos ambientais causados em Maceió pela extração de mineral.

Os depoentes afirmam que os riscos de afundamento nas minas de sal-gema eram conhecidos desde os anos 1970 e que as rachaduras nas casas das regiões começaram a surgir em 2008.

Em 2019, os moradores de alguns bairros localizados sobre as cavidades subterrâneas passaram a ser evacuados sob risco de desabamento do solo.

As convocações atenderam a requerimentos do relator da CPI, senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Ele afirmou que, de acordo com o que ouviu, considera a Braskem responsável pelos danos.

“Ficou claro que a empresa não seguiu as boas práticas [de engenharia]. (…) Quando as rachaduras começaram a aparecer, o movimento [da empresa] foi de negação de que tivesse algo a ver com a exploração do minério sal-gema”.

“Está claro que não foi feito nada objetivamente no início das rachaduras”.

Monitoramento

Engenheiro civil e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Abel Galindo Marques afirmou que a Braskem não tomou as devidas precauções com relação aos riscos particulares da abertura de minas nas camadas de sal-gema no subsolo.

Para ele, a empresa não observou a distância de segurança de 100 metros entre as minas e não utilizou devidamente a tecnologia de sondagem e de sonares (equipamentos de medição do tamanho das cavidades) para monitorar riscos de afundamentos.

“[O uso do sonar] foi feito, em partes, deixou muito a desejar”, disse Abel Galindo, respondendo ao presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Mas, para Galindo, as situações em que a empresa realizou o monitoramento eram suficientes para conhecer os riscos.

A resposta do convocado foi a um questionamento do senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL).

“A Braskem já sabia disso? E quando soube, ela parou? Foi realmente algo que ela não tinha condições de saber o tamanho dessas minas embaixo?”, indagou o senador.

Problema antigo

Galindo ainda afirmou que os primeiros sinais de desestruturação das cavidades de exploração de sal-gema apareceram em 2008.

Até o ano de 2020, a área principal da mineração afundou dois metros.

As informações, segundo ele, são de estudo de 2021 da revista britânica Nature, que faz publicações científicas.

Mas, no início das primeiras rachaduras, o engenheiro não tinha certeza da relação com a Braskem.

“O terreno era bom”, disse.

“Por que estava rachando?”, questionou.

“Tínhamos desconfiança que era a mineração, mas não tinha, ainda, certeza absoluta”.

Em 2019, a então Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM — atual Serviço Geológico do Brasil) concluiu relatório pela responsabilização da Braskem, que assumiu as atividades em 1996, segundo Rogério.

Galindo foi coautor do livro Rasgando a Cortina de Silêncios: O lado B da exploração do sal-gema de Maceió, de 2022.

A obra também foi escrita pelo pós-doutor em meio ambiente José Geraldo Marques.

Ele disse que, quando coordenava os trabalhos ambientais no Governo de Alagoas, de 1976 a 1978, sabia que as empresas responsáveis pelas explorações deixavam de observar a segurança.

Segundo ele, as primeiras minas foram feitas nas restingas das cidades, áreas costeiras consideradas por ele impróprias para esse tipo de escavação.

“[O sal-gema] era cavado nas minas fora das recomendações técnicas, várias delas, e levadas para a indústria”.

“Um dos diretores da DuPont [multinacional farmacêutica que tinha participação na exploração, à época, antes da Braskem] veio a Maceió e disse ‘eu só quero aqui, ou implantamos ali na restinga ou vamos embora’; eu comecei a exigir o que a lei mandava, que era monitoramento contínuo do que acontecia com as minas e a imediata cobertura”, disse.

Indenizações

José Geraldo Marques, que era morador do bairro Pinheiro — o primeiro a ser evacuado —, criticou a indenização oferecida por termo apresentado pela empresa aos atingidos.

Ele considerou o acordo um “roubo consentido” em razão de trecho que transferiu os imóveis dos bairros afetados à Braskem.

As indenizações também foram objeto de pesquisa da professora da Ufal Natallya de Almeida Levino.

Segundo ela, levantamento de opiniões dos afetados revelam que, em um primeiro momento, as vítimas estavam satisfeitas com as compensações financeiras sobre os danos materiais, mas “muito insatisfeitas pela forma com que os danos morais foram construídos”.

Com o passar do tempo, a insatisfação aumentou entre os novos evacuados.

Natallya ainda explicou que a tragédia não se restringiu aos moradores que perderam as casas.

Segundo ela, diversos impactos econômicos e urbanísticos foram sentidos na cidade, como o encarecimento dos imóveis após o aumento da demanda.

“O número de ofertas [de imóveis] quase dobrou entre 2017 e 2019 (…). Você causa uma mudança de hábito daquela população [evacuada], que muitas vezes tentava morar próximo ao trabalho e agora vai ter que pegar ônibus, vai ter que dirigir… Isso impacta o custo do padrão de vida”.

Afundamento

Segundo Abel Galindo, o sal-gema, que é utilizada na fabricação de PVC e outros produtos, é bastante rígida no subsolo.

Mas as perfurações nesse minério sofrem consequências diferentes de outras rochas. Ele usou o exemplo da Mina 7, uma das 35 cavidades de exploração na camada rochosa, que tem cedido aos poucos e se aproxima do solo.

“Se fizer um buraco no granito, vai ficar ali mesmo, agora o sal-gema, não”.

“Se você não tiver uma pressão interna, capaz de manter a pressão que existia antes de você fazer o buraco, (…) ela começa a ficar mole e vai se arrastando para dentro da mina”.

“E as camadas de rocha que estão em cima, mil metros de camadas de rocha, acompanham também, aí racha tudo o que está em cima”.

“Em 1989, [a Mina 7] estava dentro da camada de sal gema”.

“Já em 2019, ela tinha subido 200 metros fora da camada de sal; isso não pode, de jeito nenhum.

O processo continua em outras minas e pode afetar novos bairros.

Segundo Abel Galindo, estudos da empresa holandesa Well Engineering Partners estimam que a região deve afundar de dois a quatro metros no próximo século.

Danos em Maceió

Mais de 14 mil imóveis nos bairros Pinheiro, Mutange, Bom Parto, entre outros, foram afetados e cerca de 60 mil pessoas foram diretamente prejudicadas com os danos ambientais em Maceió.

Em 2019, a Braskem paralisou suas atividades de extração de sal-gema.

Agora, diversos órgãos públicos buscam a responsabilização da empresa por diferentes tipos de danos, como ao meio ambiente, à urbanização, à economia, além dos danos morais aos atingidos pelos acidentes.

Alguns acordos foram assinados com a Braskem como resultados desses processos judiciais, a fim de dar mais rapidez na reparação dos danos e evitar continuação das ilegalidades.

Segundo a empresa informa em página na internet dedicada ao tem, foram provisionados R$ 14,4 bilhões, dos quais R$ 9,2 bilhões já foram desembolsados para reparar, compensar ou mitigar os danos.

CPI

A CPI foi criada pelo requerimento do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para investigar os efeitos da responsabilidade jurídica e socioambiental da mineradora Braskem no afundamento do solo em Maceió.

Com 11 membros titulares e sete suplentes, a comissão tem até o dia 22 de maio para funcionar e limite de gastos de R$ 120 mil.

Fonte: Agência Senado

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