As empresas de Collor retiraram R$ 5,5 milhões acima do valor autorizado pela justiça, em operações envolvendo pagamento das dívidas com impostos à União e a quitação, alegada pelo grupo de comunicação – a Organização Arnon de Mello (OAM) –, dos débitos com credores trabalhistas.
Para essa quitação, as empresas de Collor pediram à Justiça estadual a liberação de R$ 2.500.000,00, de recursos que se encontravam penhorados.
O pedido é de 13 de maio de 2021 – e foi atendido.
Mas em 22 de setembro de 2023, o valor apresentado de retiradas era muito acima do que tinha sido pedido – e autorizado: foi de nada menos de R$ 8.082.181,18.
Conforme apuração do blog, a diferença, correspondente aos R$ 5.582.181,18, teria sido mais do que suficiente para que as empresas de Collor pagassem os débitos trabalhistas, principalmente porque impuseram aos ex-empregados supostos acordos em que ofereciam 60% do valor devido – e isso, já depois do desconto na época das demissões.
As informações sobre as retiradas constam de recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contestando decisão da Justiça estadual e apontando omissão do Judiciário local, que não comunicou o órgão responsável pelas questões tributárias no âmbito da União de que as empresas fizeram mais um pedido de liberação de recursos penhorados: desta vez de outros R$ 2,1 milhões.
Por isso, os credores vão cobrar do administrador judicial José Luiz Lindoso que apresente os termos de todos os acordos firmados ao longo desse período, e impor questionamento formal, se o valor dos acordos ficar abaixo da diferença – ou seja: der menos que os R$ 5.582.181,18 –, sobre qual o destino dado ao valor final.
O administrador judicial, a pessoa designada pelo juiz da 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió, onde tramita o processo de recuperação das empresas de Collor, para acompanhar as contas das empresas, foi alvo de questionamento pelo próprio Ministério Público de Alagoas, por não explicar de modo convincente as operações que destinaram R$ 6 milhões para os sócios.
Collor é o socio majoritário do grupo Organização Arnon de Mello.
Feitas sob a modalidade de empréstimos de mútuo, que não passam por instituições financeiras, foram apontadas como regulares por Lindoso, que alegou não ter visto irregularidades.
Para os denunciantes, no entanto, se constituíram, na verdade, em mais um caso de esvaziamento patrimonial das empresas.
Razão pela qual o MP de Alagoas emitiu parecer recomendando o afastamento de Lindoso da função, mas que não foi atendido pela Justiça.
Este episódio, aliás, é mais um argumento da alegação dos credores de que a recuperação judicial da OAM – que pela lei deveria durar no máximo dois anos, mas, no caso das empresas de Collor, já se arrasta há seis – se constitui, na prática, em mais uma manobra das empresas para dar um calote em seus credores, em especial nos credores trabalhistas.

A exemplo das operações de remessa de valores aos sócios, as denunciadas agora foram informadas pelas próprias empresas nos processos da recuperação judicial e na negociação das dívidas com a União.
E pelos questionamentos que devem motivar, não estaria descartado que os pedidos de informações dos credores trabalhistas resultem no adiamento da assembleia marcada para o próximo dia 10 de junho, para escolha de um comitê para fiscalizar a gestão das empresas.
Reprimenda
Os representantes da Procuradoria da Fazenda Nacional apontam que o órgão, o responsável pelas questões tributárias no âmbito da União, não foi intimado – no jargão jurídico, não foi informado – sobre a decisão da 10ª Vara Cível de liberar os outros R$ 2,1 milhões pedidos pelas empresas de Collor.
Em rigor, os valores chegaram a ser liberados pelo juiz Eric Costa, no último dia 7 de maio.
Mas a decisão foi desfeita no dia 14 de maio, depois que a defesa de um grupo de credores entrou com pedido para afastamento de Collor e do diretor-executivo da OAM, Luis Amorim.
Costa é o titular da 10ª Vara Cível de Maceió, porém, por mais de uma vez, teve de se afastar por motivos de saúde: no total pelo menos seis juízes e juízas diferentes estiveram respondendo pela unidade judicial, totalizando ao menos oito substituições, entre idas e vindas, desde que o processo da OAM está em tramitação.
O pedido de afastamento de Collor e de Luis Amorim da OAM foi feito sob o argumento de que não podem continuar à frente do grupo de empresas que detém, entre outros veículos, emissoras que operam mediante concessão pública, estando na condição de condenados pelo STF.
A proibição está prevista na lei das concessões.

“De fato, conforme o art. 10 do CPC, o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, diz trecho dos embargos de declaração, a medida acionada pela PGFN, por meio da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 5ª Região, com sede em Recife (PE).

Todos esses montantes objeto das operações questionadas pelos credores trabalhistas são referentes a valores penhorados para pagamento ou garantia da negociação das dívidas da Organização Arnon de Mello com impostos e outras obrigações para com a União.
Em 2019, ano em que as empresas de Collor entraram em recuperação judicial, esse débito fiscal era de R$ 386 milhões.
Os processos referentes a isso tramitam na 5ª Vara Federal de Alagoas.
Os R$ 2,5 milhões encontravam-se penhorados e a liberação dos valores (alegadamente para pagar credores trabalhistas) foi pedida pela OAM, em 2021, como parte das negociações para se regularizar perante a Fazenda Nacional: o grupo de comunicação não poderia seguir com a RJ (um processo que lhe garante uma espécie de blindagem) se não negociasse o débito fiscal, que tem prioridade, conforme a legislação.
Houve um embate jurídico sobre quem tinha competência para decidir sobre o caso: se o juiz da 10ª Vara Cível ou a 5ª Vara Federal.
A discussão chegou ao STJ, que decidiu ser o juiz da RJ (a 10ª Vara da justiça estadual) o que tinha a competência para decidir sobre quais os bens das empresas sob recuperação judicial são ou não essenciais.
Isso porque aqueles que não fossem enquadrados como essenciais poderiam ser liberados – nesse caso, terem suspensas as penhoras, para suposta quitação das dívidas com os credores.
A discussão vinha da origem dos valores bloqueados: os aluguéis do prédio onde funciona o TRE, como as demais edificações daquela quadra do bairro do Farol, pertencente à OAM.
Estes aluguéis estavam penhorados como garantia de quitação dos compromissos para com a União.
Daí decorreram dois outros embates jurídicos:
O primeiro era sobre se os aluguéis seriam ou não bens de capital.

A medida jurídica da Fazenda Nacional cita, num trecho, a definição mais simples para o que são bens de capital: “consideram-se bens de capital aqueles empregados para provocar o surgimento de novos bens, como no caso de equipamentos, maquinários, instalações, edifícios etc.”, cita o documento.
E acrescenta:
“Definitivamente, os valores dos depósitos de aluguéis, pleiteados pelas recuperandas às fls. 20.787/20.794, não se enquadram no conceito de bens de capital porque NÃO estão relacionados ao objeto social das recuperandas, tratando-se de outras receitas”, diz o documento.
Recuperandas é o termo do jargão jurídico para se referir às empresas que estão em recuperação judicial.
E, ainda assim, mesmo que juiz da 10ª Vara Cível decida que os aluguéis poderiam se constituir em um bem de capital (e que não poderia ser penhorado como garantia de pagamento da negociação das dívidas com a União), a legislação prevê que ele tem que indicar outro não essencial.
Ou seja: algo tem que ser dado, para garantir a penhora.

As empresas conseguiram negociar os débitos com a União, do qual ficaram de foram as dívidas com FGTS dos empregados.
Neste acordo, havia uma cláusula estipulando que enquanto a penhora prevendo o uso do prédio do TRE não fosse regularizada em cartório, todos os aluguéis deveriam ficar penhorados para pagar o débito fiscal.

Ainda segundo a Fazenda Nacional, a penhora só foi formalizada no registro de imóveis em setembro de 2023.
Quando o dinheiro foi enfim liberado, as empresas de Collor apresentaram ter pegado não o valor pedido (R$ 2,5 milhões), mas um montante bem acima: o que correspondia a todos os aluguéis do TRE até aquele mês de setembro de 2023 – o que totaliza os R$ mais de R$ 8 milhões.