Foi marcada para o próximo dia 10 de junho a assembleia de credores que deve escolher o comitê de fiscalização das empresas de Collor: o grupo de comunicação Organização Arnon de Mello (OAM).
A plenária foi a única das decisões favoráveis aos credores trabalhistas da OAM dada pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, ao julgar recurso movido pela categoria, em outubro do ano passado.
O grupo de fiscalização ganha relevância por várias razões.
Primeiro pelo momento em que passa o mais tradicional grupo de comunicação local, agravado pela aproximação do fim da relação com a Globo.
A direção das empresas coloca, pelo menos desde 2023, que 70% de sua receita é proveniente do que apura de apenas uma das empresas – a detentora do sinal da emissora carioca.
O blog apurou que as empresas de Collor já estão cogitando não honrar os acordos de pagamento de credores trabalhistas já firmados, por considerar que o grupo irá falência, caso perca o sinal da Globo.
Porém, para além dessa conjuntura, caso atue como deve atuar – ou seja: fazendo uma fiscalização séria –, o comitê de fiscalização deve dar respostas para vários questionamentos.
A maioria, no entanto, bem pode ser resumido num só: como o grupo de comunicação mais pujante da região chegou à situação em que está hoje.
Como mencionado no livro “Notícias do Planalto”, do jornalista Mário Sérgio Conti, em sua época áurea (quando tinha à frente o irmão empresário de Collor, Pedro Collor), a emissora só perdia, em estrutura, para a Globo Nordeste, com sede em Recife (PE).
Ou, de modo mais objetivo: o comitê de fiscalização pode apurar o destino de recursos retirados da empresa recentemente.
Como o blog vem citando há mais de um ano, entre os montantes estão os R$ 6 milhões em empréstimos feitos aos sócios – Collor é o sócio majoritário.
As operações, sob a forma de empréstimos de mútuo – que não passam por instituições financeiras – foram feitas já durante a recuperação judicial; o que é proibido.
Um dos integrantes do grupo de renomados advogados de escritórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Distrito Federal questionou ao representante das empresas de Collor como a OAM iria cobrar o pagamento: o representante não respondeu.
Recurso
No agravo julgado pela Terceira Câmara Cível, os credores fizeram pelo menos mais quatro pedidos: todos os demais foram negados pelo colegiado.
Ainda assim, não está descartado que a categoria volte a amargar uma perda, mesmo tendo sido atendida nesse pedido: na prática, é uma decisão em que a parte mais fraca, o trabalhador, de novo pode acabar perdendo para a mais forte, com o aval do Judiciário de Alagoas, no processo em que as empresas de Collor se encontram desde 2019.
A recuperação judicial (ou RJ no linguajar jurídico) é um instrumento da legislação para evitar a falência, mas no caso da OAM, vem se configurando num mecanismo para dar calote nos credores, em especial nos trabalhistas, com a benevolência da Justiça: a RJ não pode ultrapassar os dois anos, conforme uma das exigências da lei que a criou.
Já se vão seis, período em que o processo está envolto numa série de denúncias de irregularidades, com um inquérito policial instaurado na DRACCO por indícios de crimes contra a lei de falências, atestados pelo Ministério Público, e sem sinais de que haverá avanços.
O motivo de preocupação dos credores está em outra reunião semelhante, porém, mais abrangente.
A assembleia geral de credores (AGC), também prevista na lei que criou o mecanismo da recuperação judicial, é a instância em que todos com algo a cobrar de uma empresa nessa condição dizem se aprovam ou rejeitam sua proposta de recolocar as contas em dia.
Realizada em 2022, na gestão de Jair Bolsonaro, motivou a aproximação de Collor com o ex-presidente, para conseguir que o BNDES perdoasse uma parcela de mais de R$ 10 milhões – o que foi feito pelo banco federal.
Outra manobra foi a forma como o advogado Felipe Medeiros Nobre reuniu mais de cem procurações de pessoas que trabalharam para alguma das empresas de Collor e tinham direitos trabalhistas para receber.
O próprio advogado Felipe Nobre tinha trabalhado para a família Collor.
Os ex-empregados foram cooptados mediante a proposta de receber uma parte do valor a que tinham direito – e o restante, ainda em parcelas.
Mas, aceitaram passar as procurações para Felipe Nobre votar em seu nome na AGC, pelo tempo de espera até então.
As empresas apresentaram, na AGC, a proposta de pagar apenas R$ 12,5 mil a cada ex-empregado, independentemente da função ou do tempo de serviço – e ainda parcelados.
Para os credores, valor considerado não menos que um escárnio.
Por isso, toda a categoria se colocou contra, mas a proposta acabou aprovada, porque o advogado Felipe Nobre votou a favor da empresa.
Ou seja, em vez de votar pelo interesse dos que tinham passado as procurações para que ele votasse em seu nome, ele votou contra esses interesses.
Para advogados de credores, os votos que Felipe Nobre representava estavam viciados, pela forma como foram obtidos e pelo indício de patrocínio infiel, expressão do jargão jurídico para a atitude em que um representante legal atua em sentido contrário aos interesses daquele a quem está representando.
A anulação dos votos de Felipe Nobre foi, aliás, um dos pedidos feitos pelos credores, no recurso julgado pela Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas.
Mas o colegiado entendeu que os credores que passaram as procurações o fizeram por sua própria vontade.
O temor do grupo de credores é de que haja nova manobra semelhante para garantir que o comitê seja formado apenas por pessoas ligadas à empresa; o que não resultaria em fiscalização nenhuma.
Nas duas situações, no caso das procurações e no dos empréstimos, o administrador judicial, José Luiz Lindoso, disse não ver irregularidades nas operações.
Entre as constatações do Ministério Público, no mesmo documento que recomendou abertura de inquérito policial, estava a recomendação para afastamento de Lindoso.
E outro temor dos credores em relação a um novo ardil das empresas para burlar a lisura do processo de escolha do comitê de credores é que, se o grupo tiver a composição que resulte em fiscalização de verdade, algumas das primeiras atitudes a serem contestadas estão as de Lindoso.
Patrimônio
O motivo para a empresa levantar a hipótese de não pagar os acordos já firmados é que o grupo de comunicação só aceita negociar sobre seu patrimônio; os credores trabalhistas, ao contrário, consideram ter o direito de cobrar dos bens do próprio Collor.
A justiça já proferiu decisões nesse sentido, ou seja: reconhecendo o direito de credores trabalhistas de cobrar do patrimônio pessoal dele – e não dos bens do grupo de comunicação.
A decisão passou a ser adotada em vários processos depois que advogados de credores começaram a arguir o dispositivo legal do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).
E o fizeram depois de reunir documentos que comprovavam que as empresas pagavam contas pessoais de Collor, como despesas com cemitério (onde estão enterrados os pais dele) e manutenção de piscina, entre outros – gastos sem nenhuma ligação com a atividade do grupo de comunicação.
A prática, para a lei, se constitui na chamada confusão patrimonial.
Pela lei, as empresas devem assumir o custeio de ações relativas à sua atuação – apenas.
Os sócios podem pagar seus gastos com o que tiram de seus ganhos empresariais, mas não podem ter as contas pagas diretamente pelas empresas.
Assim, demonstrada a confusão patrimonial e obtidas as decisões favoráveis nos pedidos de IDPJ feitos pela defesa dos credores trabalhistas, um grupo deles adquiriu o direito de cobrar do patrimônio de Collor e de sua atual mulher, Caroline.
Com base nesse dispositivo, obtiveram a penhora de bens como a chácara na celebrada estância de inverno paulista de Campos do Jordão; uma cobertura num condomínio de frente para a praia, em Jatiúca, e até do controle acionário das empresas.
Para ter esses bens de volta, o dinheiro que muitos credores aguardam há seis anos – sem receber –, logo apareceu.
Para pagar os credores em cujos processos os advogados conseguiram a penhora desses bens, foram desembolsados mais de R$ 1 milhão.
Somente com o valor de um desses imóveis é possível quitar a dívida com todos os credores trabalhistas.