Quem visita hoje as duas comunidades mais próximas da barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG) se depara com enorme quantidade de terrenos e casas que possuem placa similar na entrada: “Propriedade particular. Proibida a entrada de pessoas não autorizadas”.
Janelas e portas fechadas, mato alto e nenhum sinal de pessoas morando ali.
São imóveis que foram adquiridos pela Vale.
São tantas, que não é possível contar.
Questionada pela Agência Brasil (responsável por esta reportagem), a mineradora não informou o total de terrenos e casas adquiridos.
Em Parque da Cachoeira, localizada próximo ao ponto onde os rejeitos atingiram o Rio Paraopeba, moradores informaram que cerca de 180 casas e terrenos foram vendidos para a Vale.
Também contam que a maioria das famílias que fizeram essa negociação se mudaram de lá.
No Córrego do Feijão, em algumas ruas, há mais imóveis com essas placas do que sem elas.
A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) entidade escolhida pelos próprios atingidos para prestar assessoria técnica, faz um alerta.
“A gente não acompanha cada atingido na negociação individual com a Vale”, explica.
“O escopo da nossa atuação foi definido em decisões judiciais e no acordo de reparação e é voltado para o coletivo”, diz.
“Mas acho importante ressaltar que o dano ao imóvel, à estrutura, ao terreno tem que ser indenizado pela Vale”.
Segundo a entidade, “compra de imóvel não é indenização”.
“Então mesmo a Vale comprando a casa do atingido, ele continua tendo direito à indenização”, informa a entidade.
Indenização
De acordo com a Vale, a indenização de propriedades em Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão segue critérios estabelecidos em termo de compromisso firmado com a Defensoria Pública do Minas Gerais. Segundo nota da mineradora, o destino das casas adquiridas ainda é incerto.
“Atualmente, está em andamento um estudo para avaliar o uso futuro desses imóveis, considerando as demandas e características da região”, afirma.
Através acordo firmado entre a Defensoria Pública e a Vale, foram definidos critérios e valores para as indenizações dos atingidos que aderissem ao termo.
Na época, a medida foi anunciada como uma forma eficaz e célere de receber os recursos, mas gerou divergências.
Algumas entidades que representam os atingidos avaliaram que as vítimas ficaram enfraquecidas.
Elas defendiam uma negociação coletiva.
Essa posição também era defendida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
A tragédia completou cinco anos nessa quinta-feira (25).
Ao todo, 270 morreram soterradas pela lama de rejeitos liberada no episódio e diversas comunidades na bacia do Rio Paraopeba foram impactadas.
Para marcar a data, Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) coordenou uma série de eventos ao longo desta semana.
Em Córrego do Feijão, uma moradora que não quis se identificar, conta que a comunidade mudou muito.
Com investimentos da Vale, há mais estrutura, foi construída uma praça. Ela vê a comunidade mais bem cuidada.
“A Vale só começou a fazer alguma coisa aqui depois do rompimento”, critica.
A melhora parece valorizar os imóveis, o que afeta da moradora.
Ela conta que os aluguéis subiram.
“Pagava R$ 350 antes; hoje pago R$ 500 e a partir do mês que vem meu aluguel vai ser R$ 700.”
Moradores de Parque da Cachoeira, os aposentados João Moreira do Carmo e Vera Lúcia Barcelos do Carmo deixaram Belo Horizonte e se mudaram para a comunidade depois que se aposentaram.
Eles possuem um comércio que vende artigos variados, principalmente produtos de papelaria, de obra, de marcenaria.
Há também alguns brinquedos.
“Após o rompimento, chegamos a ficar três meses sem vender nada”, conta João.
Eles disseram que a Defensoria Pública chegou a informá-los sobre a possibilidade de vender o imóvel, mas optaram por permanecer.
O casal usou parte da indenização que receberam para investir na loja e fazer obras na casa.
“Muita gente foi indenizada e foi embora. Agora tem chegado outras pessoas, de empresas que estão trabalhando na reparação”, acrescenta João. Vera conta que também auxilia moradores da comunidade com serviços variados. Após o rompimento da barragem, ela cobrava R$ 10 para ajudar cada um com a papelada necessária para dar entrada no pedido de indenização, conforme termo firmado entre a Vale e a Defensoria Pública. “Todos os pedidos que eu preparei foram aceitos.”
Vera afirma que após a tragédia, as comunidades receberam a visita de um grande volume de advogados.
“Vieram vários aqui na loja. Advogados enganaram muitas pessoas. Falavam que iam receber muito dinheiro e não deixavam as pessoas irem na Defensoria Pública. E todo mundo que foi recebeu. Temos vizinhos que não aderiram ao termo e estão até hoje estão na Justiça. Chegou advogado aqui que veio do Rio Grande do Sul. Eu respondia que não precisava, que meu neto está estudando Direito. Temos vizinhos que não aderiram ao termo e estão até hoje estão na Justiça”.
Conflitos familiares
O casal também acredita que, com as indenizações, cresceram conflitos familiares na comunidade. “Muitas pessoas não estavam preparadas para essa situação e não administraram bem”, diz Vera.
O testemunho vai ao encontro do relato da juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Perla Saliba Brito.
Na época da tragédia, ela atuava na Comarca de Brumadinho e estava de plantão.
Coube a ela deferir os primeiros pedidos de bloqueios financeiros da Vale, de busca e apreensão e de prisões preventivas.
“Várias ações relacionadas indiretamente a tragédia envolviam o âmbito familiar. Os núcleos familiares das pessoas que morreram foram atingidos. Ações relacionadas com os inventários e com a separação dos bens, disputas de guardas de crianças que perderam os pais. Houve um aumento exponencial do acervo de ações no Juizado da Infância. Famílias foram destruídas.”
Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Brumadinho (MG); edição: Maria Claudia