Manutenção do contrato da TV Gazeta com a Rede Globo, desde que seja afastada a atual administração das empresas de Collor.
Estes são dois dos pedidos que constam de petição encaminhada ao juiz do processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência.
E no documento, protocolado nesta segunda-feira (04) e obtido pela reportagem, consta ainda considerar que a Rede Globo também seja responsabilizada pelo passivo (dívida) de sua afiliada, conforme o artigo 2º da CLT.
Ao citar o dispositivo previsto no conjunto de leis que regem as relações trabalhistas na iniciativa privada, o documento destaca a condição de “responsabilidade solidária” e dá como exemplo caso julgado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) de relação semelhante entre a TV Guaíba (RS) e a Rede Record.
O juiz Leo Denisson de Menezes é quem, atualmente, responde pela 10ª Vara Cível da Capital, onde corre o processo de recuperação judicial da Organização Arnon de Mello (OAM).
Caberá a ele analisar o pedido – embasado com tabelas e documentos apresentados pela própria empresa e que, ainda assim, revelam diversas irregularidades.
Algumas tão flagrantes que, como cita o documento, podem se constituir “num evidente atentado à dignidade da Justiça”, não para induzir a erro, porém, lembrando uma atitude semelhante a caçoar, tripudiar da capacidade e seriedade do Poder Judiciário.
De início, o documento lembra que as empresas de Collor, em 28 de março deste ano, pediram prazo de trinta dias para prestar satisfações sobre uma das mais escabrosas operações constatadas no processo: os empréstimos que levaram R$ 125.123.416,67 dos cofres das empresas ao longo de anos – dos quais R$ 6 milhões já durante a recuperação judicial.
Mas, chegou o mês de setembro e como não houve resposta, coube ao juiz do caso dar prazo “impreterível” de quinze dias para que as empresas de Collor prestassem as informações.
O prazo se encerrou em 30 de setembro último, mas, as empresas só atenderam a justiça em 10 de outubro, apresentando “de forma conveniente, um único documento particular para justificar todos os mútuos, sem ao menos firma reconhecida, sem testemunhas, sem qualquer outro meio que possa certificar a data em que foi efetivamente firmado”, diz a petição.
Menezes é o quinto juiz a passar pelo caso, que se arrasta desde 2019 e pela lei já deveria ter sido concluído – tanto pelo prazo legal quanto pelo de prorrogação admitido em lei.
A petição (pedido, no jargão jurídico) é subscrita por advogados de escritórios também de outros estados, a exemplo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, que se agregaram à causa dos credores trabalhistas das empresas de Collor, pelo tanto de irregularidades que viram no processo.
Delas decorre outro pedido feito ao juiz Leo Denisson: a nomeação de um “watchdog” (“cão de guarda”, em tradução livre).
Figura jurídica tão recente, relativamente – tanto quanto a própria legislação da recuperação judicial (RJ) –, o watchdog já foi colocado em prática em outros processos de RJ pelo país.
Na prática, nada mais é do que o “fiscal do fiscal”.
É que outra figura estabelecida na legislação da RJ (cuja mudança mais recente entrou em vigor em 2021 – e teve como relator na Câmara dos Deputados, o alagoano Isnaldo Bulhões Jr.–MDB) é a do administrador judicial.
No processo das empresas de Collor, a função é desempenhada por José Luís Lindoso, do escritório Lindoso e Associados, de Recife (PE).
Os advogados que representam os credores, pessoas que têm direitos trabalhistas para receber, denunciam várias irregularidades cometidas pelo administrador judicial.
E no ano passado, o Ministério Público de Alagoas emitiu parecer endossando algumas denúncias dos advogados e recomendando o afastamento de Lindoso do processo das empresas de Collor.
Em outro processo rumoroso de RJ em Alagoas, o do Grupo Laginha, do falecido João Lyra, o escritório de Lindoso também respondia pela mesma função, mas, houve contestações da parte da família e ele acabou afastado e substituído por outro escritório para desempenhar a função.
É que ao determinar a recuperação judicial, na prática, a justiça concede benefícios à empresa que a solicita.
A primeira é de não ir à falência: em vez disso, recebe um prazo para reequilibrar suas contas, pagar a quem deve e retomar as atividades.
Outra é uma espécie de blindagem contra penhora de bens.
Mas, em troca assume vários compromissos perante a justiça – que, por não ter como acompanhar in loco, e para manter a isenção do processo, nomeia um perito, supostamente isento, para fazer o acompanhamento e comunicar mensalmente ao juiz.
Uma dessas obrigações assumidas pela empresa em RJ perante a justiça é de agir com responsabilidade em relação às contas, pagamentos e remessas.
Foi nesse o ponto em que se deu a denúncia de irregularidade mais grave contra o administrador judicial das empresas de Collor: já durante o processo, as empresas fizeram remessas de mais de R$ 6 milhões aos sócios – ou, conforme cita um dos documentos de instituição responsável pela fiscalização das denúncias de irregularidade, “somente durante o processo, foram desfalcados do cofre da empresa seis milhões de reais”.
O principal sócio das empresas é Collor e as operações foram realizadas sob a modalidade do empréstimo de mútuo, ou seja, sem passar por instituição financeira.
Contando com operações do mesmo tipo feitas antes de as empresas entrarem em recuperação judicial, foram mais de R$ 125 milhões.
O que levou o Ministério Público de Alagoas a questionar: se as empresas recorreram à Justiça para evitar a falência, alegando estar mal das contas, como ou por que fizeram essas operações?
Ao ser questionado pela justiça sobre a denúncia, José Luís Lindoso alegou não ter visto nada irregular nas operações.
Para os advogados de credores, no entanto, operações como esta são manobras para usar de um instrumento jurídico legítimo, de evitar falências de empresas que possam impactar num determinado mercado local, não para salvá-la:
“É flagrante como os sócios tentam a todo momento deturpar o instrumento da recuperação judicial não com o intuito de preservação da atividade econômica, mas sim para manutenção do seu padrão de vida de luxo”, diz trecho do documento encaminhado ao juiz Leo Denisson.
Outro argumento usado pelos advogados de credores é que, pela legislação, como detém uma concessão pública (direito de explorar um canal de comunicação), as empresas de Collor estão sujeitas a determinadas regras: uma das quais estabelece que, nessas condições, os gestores das empresas, mesmo sendo da iniciativa privada, são apontados, para efeito legal, como servidores públicos.
E assim, devem obedecer aos mesmos requisitos da administração pública, como imparcialidade, honestidade e probidade.
Como ambos, Collor e Luís Amorim (diretor-executivo do grupo de empresas), estão, por outro lado, na condição de condenados pelo STF (do julgamento concluído em maio), não podem permanecer à frente da emissora, como não poderia nenhum servidor público condenado pela Justiça – ainda mais na última instância do Judiciário brasileiro.