Um contrato de sociedade, entre o detentor de uma franquia e a marca, por exemplo, ser considerado um bem do franqueado, tanto quanto os utensílios de uma cozinha industrial, os itens que compõem a fachada ou a mobília ou, no caso de que tratamos, câmeras ou microfones, entre outros.
O questionamento pode parecer estranho – e, de cara, muitos já responderiam que não.
Porém, foi justamente o contrário a conclusão a que chegou a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas, ao julgar o recurso movido pela Rede Globo, contestando a decisão do juiz Leo Denisson de Almeida.
Pela liminar concedida em dezembro passado, o juiz que responde pela 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió, onde tramita o processo em que as empresas de Collor tentam evitar a falência, determinou que a Globo permaneça presa à sociedade com a TV Gazeta por nada menos que mais meia década.
Alegação, atendendo pedido feito pelas empresas: o contrato é essencial e se perder o privilégio de continuar transmitindo o sinal de rede mais cobiçado no país, a emissora local – praticamente a única a bancar o outrora pujante grupo de comunicação do Nordeste – não teria mais como se manter e iria de vez à bancarrota.
Porém, o juiz não levou em consideração – nem, por óbvio, dois dos três integrantes da Terceira Câmara Cível – que no período em que está sob os privilégios da recuperação judicial (uma espécie de blindagem jurídica), as empresas de Collor repassaram R$ 6 milhões para os sócios das empresas, em operações de empréstimo de mútuo, ou seja, sem passar por instituição financeira.
Collor é o sócio majoritário das empresas.
Também não levou em consideração parecer do Ministério Público apontando indícios de crimes no processo da recuperação judicial.
Ou a revelação, em documento colocado pela própria Globo no processo, de que o diretor-executivo das empresas, Luís Amorim, recebe R$ 67 mil por mês.
Um valor que, convenhamos, não é nada compatível com a condição de uma empresa que diz estar ruim das pernas financeiramente.
Além de várias outras denúncias de irregularidades, num processo que se arrasta há cerca de cinco anos e que está mais para tentativa de acobertar um calote, mantendo as regalias do sócio que para, realmente, uma iniciativa recoberta de seriedade para recuperar as contas da empresa.
Este poderá ser um dos pontos questionados no recurso à decisão da Terceira Câmara Cível, que os advogados da Globo podem alegar, para reverter a decisão.
Como este espaço colocou, os movimentos apenas no âmbito jurídico podem se constituir em estratégia para manter as empresas de Collor faturando com o sinal da Globo.
Como demonstraram vários movimentos já executados até agora.
A decisão do juiz Leo Denisson foi de dezembro, o recurso da Globo, de pouco depois.
No entanto, um julgamento previsto para ocorrer, o mais tardar, no primeiro trimestre, só foi realizado semana passada.
A Terceira Câmara Cível tem três integrantes.
Quando, finalmente, o recurso foi colocado em pauta e estava para ser julgado, um deles, Alcides Gusmão, se averbou suspeito e o agravo da Globo teve o julgamento novamente adiado.
Seguiu-se uma polêmica acerca de quem o substituiria: o presidente da Câmara Cível, Fábio Bittencourt, queria indicar Ivan Vasconcellos Britto Júnior; o que foi contestado pelo terceiro componente, o desembargador Paulo Zacarias.
Primeiro, porque o regulamento que rege o Tribunal de Justiça de Alagoas determina que a escolha se dê por sorteio – e não por indicação.
E esse sorteio tem de ser feito entre os integrantes das Câmaras Cíveis – e Britto Júnior é integrante de uma Câmara Criminal.
Há duas semanas, Gusmão entrou em férias e indicou para o substituir a juíza Fátima Pirauá.
Coube a ela compor o quórum necessário para que, enfim, o julgamento fosse realizado.
Mas, como o blog frisou: a escolha seguiu um dos critérios previstos para substituição de integrantes naturais das Câmaras – ainda assim, não foi o mais transparentes por se tratar de indicação, e não de sorteio; que seria o mais recomendado.
Resultado proferido pela Terceira Câmara Cível: expondo os argumentos de que contrato não é um bem, como são prédios, antenas, câmeras e microfones, o relator do agravo, desembargador Paulo Zacarias, votou por atender o recurso da Globo e derrubar a liminar do juiz de primeiro grau Leo Denisson.
O presidente da Câmara Cível, Fábio Bittencourt, decidiu diferente.
E a juíza convocada se limitou a proferir a frase sumária: que acompanhava a divergência – no caso, votando com Bittencourt e negando a apelação da Globo.
Decisão de Fábio foi frontalmente contrária a outra proferida há duas semanas – na mesma Terceira Câmara Cível.
E quem foi o autor da tese que toda a Câmara Cível acatou – já que o julgamento, na época, foi por unanimidade?
A resposta: Fábio Bittencourt.
Recurso
Conforme consulta a um jurista, feita pelo blog, pela lei, mesmo que direcionado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), o provável recurso da Rede Globo deve ser encaminhado ao presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Fernando Tourinho.
Antes de uma alteração no Código de Processo Civil (CPC), o presidente do Judiciário estadual poderia, primeiro, colocar o recurso na pauta de julgamentos quando lhe aprouvesse e, até dar andamento ou não à apelação.
Caso considerasse não haver elementos para aceitar o recurso, o caminho da apelação da recorrente terminava por ali.
Com a alteração no CPC, “se o presidente do TJ negar a admissibilidade do recurso, o julgamento do Agravo não é aqui no TJ”, informou.
No caso, agravo é o recurso que a Globo está movendo contra a decisão do juiz Leo Denisson – e que foi negado no julgamento da Terceira Câmara Cível.
Admitir se aceita ou não discutir o recurso passará a ser tarefa do relator do processo – um ministro ou ministra a ser designado, por sorteio, no STJ, quando o caso chegar à corte superior.
O recurso da Globo também poderia ir ao STF, possibilidade que, segundo o jurista, seria mais remota, uma vez que isso só se daria em caso de os advogados da Globo encontrarem na decisão da Justiça alagoana (tanto no primeiro grau, quando, no segundo – na Câmara Cível) violações a algum preceito constitucional.
A suspeita para a verdadeira motivação para todo o atraso, tantos supostos ardis e estratégias questionáveis não estão longe: beneficiar Collor, pela influência que exerceria no Judiciário de Alagoas.
E pelo uma delas, soa surpreendente, por tão explícita – e, mais ainda porque dada pelo próprio Tribunal de Justiça de Alagoas: a presença, na condição de convidado de honra, de Collor na cerimonia de posse de Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, que declarou, no discurso, que “honraria a assinatura” dele, ao citar que era ele o governador quando Tenório ingressou no Ministério Público Estadual.
Pela desfaçatez – como este espaço registrou – o caso virou notícia do portal UOL, obtendo quase tanta repercussão quanto a que demonstrou ao ir à posse do ministro do STF, Flávio Dino, em fevereiro.
A condição de ex-presidente deve lhe garantir a benesse de figurar como convidado.
Porém, como citou o jornalista Josias de Souza, a cara de pau o impediu de declinar do convite de comparecer a um tribunal que no ano anterior o condenara por corrupção.
No STF, pelo menos, Collor teve de ficar na audiência, com o público em geral.