Desde que deputados e senadores votaram, no último 17, para derrubar dispositivos do veto do presidente Lula (PT) à proposta de lei que deve tratar da geração de energia eólica, não parou de surgir explicações – e especulações – sobre o que motivou o Congresso, inclusive parte expressiva do próprio PT e da base governista, a votar contra o presidente numa decisão que – todos sabiam – deve culminar no aumento da conta de luz em até 3,5% todo o país.
Esta foi a primeira de uma sequência intensiva de decisões que mexem, ou deixam de mexer, diretamente no bolso da população e dos mais ricos. Isso porque, apenas nesta quarta-feira (25), senadores e deputados também decidiram, em votações relâmpago, sobre o aumento no número de parlamentares na Câmara Federal e a derrubada do decreto que pretende reajustar o IOF, imposto que incide mais sobre quem tem rendas mais altas.
A decisão sobre a conta de energia foi o início da série de decisões impopulares. Em Alagoas, por exemplo, os deputados Paulão (PT) e Rafael Brito (MDB-AL), Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL) votaram por derrubar os vetos de Lula aos “penduricalhos”, além de Daniel Barbosa (PP-AL) e Luciano Amaral (PSD-AL).
No Senado, Renan Calheiros, Fernando Farias, ambos do MDB-AL, foram contrários aos vetos do presidente.
Os vetos derrubados tratam de trechos inseridos no Marco Regulatório e Energie Offshore, que não têm a ver com a proposta do projeto – os chamados “jabutis” – e que podem gerar, no total, um impacto total de R$ 197 bilhões.
Até o momento, os senadores e deputados tornaram obrigatório que o país contrate energia vinda de pequenas centrais hidrelétricas, de 4,9 GIGAWATTS – ainda que não haja necessidade – num custo que margeia R$ 140 bilhões.
Além do mais, determinam sobre a contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol no Nordeste, e de eólicas no Sul.
Há, ainda, a prorrogação por 20 anos de contratos de compra no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Todas essas vinculações são calculadas em um custo de R$ 57 bilhões.
Embora o impacto já tenha sido grande, ainda falta a votação sobre outros dispositivos vetados pelo presidente, o que significa que o ônus, e até o percentual de 3,5%, ainda pode aumentar.
Explicações, negociações & justificativas
Enquanto Lula fez declarações de preocupação contra a decisão do Congresso, e anuncia edição de uma Medida Provisória para conter os tais “jabutis” e o aumento da conta, petistas tentam explicar que os votos dos aliados fazem parte de negociações para que os outros trechos vetados pelo presidente – e ainda não votados – possam ter um resultado melhor.
Seja quais forem as justificativas, há ainda esforços de entidades como a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) que emitiu uma análise técnica, informando sobre a inconstitucionalidade dos trechos que deputados e senadores brasileiros insistiram em manter. A partir desse entendimento, estudam a possibilidade de buscar o Supremo Tribunal Federal (STF).
“O Poder Legislativo, mais uma vez, demonstra desrespeito pelos princípios constitucionais e democráticos ao persistir na defesa de propostas que prejudicam a população e ao conduzir o processo legislativo ignorando os regimentos internos, impedindo que a sociedade civil tenha uma ampla e plena participação e aprovando sumariamente medidas de grave repercussão sem base técnica nem justificativa econômica”, descreveram na nota.
Além das questões antidemocráticas, também apontam o quanto é problemática do ponto de vista econômico e da contraposição ao movimento mundial de defesa pela transição energética.
“A contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), a extensão dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), além da contratação de planta de hidrogênio e de eólicas na região Sul são medidas desnecessárias do ponto de vista da operação do sistema elétrico e, além do alto custo, têm potencial para ampliar ainda mais a já elevada sobre oferta de energia no país, em um contexto em que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já realiza cortes significativos na geração de energia eólica e solar, o chamado curtailment”.
“Com os jabutis em vigor, a perspectiva é de que haja retração na geração de energias renováveis.”
Ademais, a Federação ainda considera que a inclusão destes trechos, os jabutis, são incoerentes com a própria proposta do Marco em questão.
“Já é estranho que o marco legal das eólicas offshore tenha artigos determinando a contratação de térmicas a gás e subsídios para carvão, PCHs, plantas de hidrogênio, entre outras fontes que não estão no mar nem são à base de vento”.
“Pior ainda é constatar que a lei criada para explorar o potencial eólico nacional aumentará os cortes em usinas solares e eólicas, inclusive nas que vierem a se instalar no mar”.
“Maior impertinência temática, impossível.”

Aumento no número de deputados federais, mais gastos, e efeito cascata
Já nesta quarta-feira, 25, o Senado Federal e a Câmara Federal aprovaram, em votações relâmpago, o aumento no número de deputados federais, valendo a partir de 2017.
Em meio a uma série de medidas de austeridade, os deputados e senadores decidiram que é importante ter mais 18 integrantes na Câmara, aumentando de 513 para 531 parlamentares.
Ao passar pelo Senado, o texto original chegou a ser editado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que incluiu uma emenda do senador Marcelo Vieira (MDB-SE) que proibiu o aumento de despesas como passagens, verbas de gabinete.
No entanto, apenas com os salários dos deputados que assumem as novas vagas, os cofres do povo deverão arcar com R$ 95 milhões ao ano, o que significa R$ 380 milhões no decorrer de quatro anos.
O valor poderá ser ainda mais alto, uma vez que o texto abre a possibilidade de atualização monetária dos valores mantidos constantes a cada sessão legislativa.
A decisão de aumentar o número de deputados a partir da próxima legislatura ocorreu após uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que revisasse, até 30 de junho, a distribuição de parlamentares na Câmara, tendo em vista a proporção de acordo com os dados populacionais mais recentes.
Entretanto, o Congresso decidiu que faria diferente: ao invés de fazer uma redução, manteve o número de parlamentares nos estados em que houve redução do contingente populacional, mas aumentou o número nos estados em que houve um aumento da população.
Além desses reajustes, o aumento no número de federais também deverá promover um aumento no número de vagas para deputados estaduais, a partir de um efeito cascata.
A previsão desse aumento é calculada no artigo 27 da Constituição Federal, que define que “o número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.”
A controvérsia da derrubada do IOF
Em meio ao intensivão das decisões, os deputados federais também colocaram sob votação o projeto de decreto legislativo (PDL 214/2025) para barrar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que inclui empréstimos, financiamentos, operações com cartões de crédito e remessas de valores para o exterior.
A medida havia sido criada pelo Governo Federal com o objetivo de recuperar a arrecadação e promover maior equilíbrio fiscal, a partir de uma taxação maior a operações de crédito, compra de moeda estrangeira, e outras situações que produzem impacto mais diretamente aos mais ricos.
Entre as justificativas para a derrubada no Senado, houve uma série de discursos relacionando a necessidade de corte de gastos, ao invés de aumento na arrecadação, ou de falta de conversa o suficiente com o Governo Federal.
“Esse decreto começou mal”.
“O governo editou um decreto que foi rapidamente rechaçado pela sociedade brasileira”.
“E reconheço que, muitas das vezes, sem entender o que é o decreto do IOF, muitos daqueles que foram colocados contrários ao decreto nem tinham conhecimento do que estava escrito nele”.
“Agora é a hora de todos nós pararmos, conversarmos mais, construirmos as convergências e o que é necessário para o Brasil”, declarou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, segundo matéria na Agência Senado.
Durante a votação, os parlamentares proferiram uma série de discursos sobre a necessidade de o governo federal aumentar as conversas junto ao Congresso.
Em entrevista à BBC, o economista-sênior da consultoria LCA e pesquisador-associado da FGV, Bráulio Borges, não descartou a intervenção de lobby empresarial sobre a postura dos parlamentares, mas também identifica que a decisão de derrubar o PDL pode fazer parte da negociação pelo apoio da Câmara ao governo, de modo a aumentar o preço.
Ainda segundo o analista, o preço em questão trata-se da liberação das verbas parlamentares, na ordem de R$ 50 bilhões, que ainda não foram liberadas pelo presidente Lula.
Wanessa Oliveira — Mídia Caeté