Comissão que investiga mortes e desaparecimentos na ditadura será recriada

Atividades da comissão foram encerradas no penúltimo dia do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022
Rubens Paiva: o do ex-deputado está entre os casos emblemáticos do período; ele foi sequestrado e torturado pelos militares, além de cinco desaparecidos políticos cujas ossadas estavam no Cemitério de Perus (SP). (Foto: reprodução / Globo News)

O governo federal publicou um despacho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Diário Oficial da União (DOU) desta quinta-feira (04), em que recria a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), cujos trabalhos foram encerrados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O ato de Lula anulou um despacho tomado em 30 de dezembro de 2022, penúltimo dia da gestão Bolsonaro, que aprovou o relatório final da comissão, o que levou à extinção do grupo.

Além de anular a decisão do governo anterior, Lula determinou a continuidade dos trabalhos da comissão e trocou integrantes do grupo (leia mais abaixo).

A retomada do trabalho da comissão era defendida pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, porém só foi oficializada um ano e meio depois de Lula iniciar o terceiro mandato.

Pesava o receio de criar atritos com os militares, já que a apuração da comissão contempla a ditadura militar (1964-1985), quando o país foi governado por cinco generais que não foram escolhidos em votação direta.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que a recriação da comissão “é um importante passo na garantia da memória, da verdade e da justiça”.

Os detalhes do funcionamento e o plano de trabalho do órgão serão definidos após a posse dos novos integrantes (veja nomes abaixo).

A comissão foi criada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A lei que criou o órgão reconhece:

“mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”.

Em sua história, a comissão conseguiu apurar as circunstâncias em que dezenas de vítimas da ditadura foram mortas.

Entre os casos mais emblemáticos estão a morte do ex-deputado Rubens Paiva, que foi sequestrado e torturado pelos militares, e de cinco desaparecidos políticos cujas ossadas estavam no Cemitério de Perus (SP).

Há diversas investigações ainda em andamento aguardando, por exemplo, a análise do DNA dos corpos de possíveis vítimas.

Troca de integrantes

Lula dispensou da comissão quatro integrantes ligados ao governo anterior e que, em dezembro de 2022, votaram pela extinção do órgão:

Marco Vinicius Pereira de Carvalho, que presidia a comissão;

Paulo Fernando Melo da Costa, ligado ao senador eleito Magno Malta (PL-ES);

Jorge Luiz Mendes de Assis, militar;

Filipe Barros (PL-PR), deputado federal.

Para substituir os integrantes, Lula designou:

Eugênia Augusta Gonzaga, que presidirá a comissão;

Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil;

Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa;

Natália Bonavides (PT-RN), deputada federal.

Lula optou por recolocar Eugênia à frente da comissão.

Procuradora Regional da República, ela presidia o órgão em 2019, quando foi destituída do cargo por Bolsonaro.

Missão prevista na Constituição

A criação da Comissão foi uma determinação das disposições transitórias da Constituição de 1988 para esclarecer violações e responsabilizar o Estado brasileiro por crimes.

O objetivo principal é encontrar os restos mortais de desaparecidos, um pleito das famílias das vítimas que jamais viveram o luto pelas mortes.

A comissão também busca a reparação financeira às vítimas.

A apuração das circunstâncias das mortes, no entanto, não resulta em responsabilização criminal em função da Lei da Anistia, de 1979.

Ativistas dos direitos humanos alegavam que o trabalho da comissão não foi concluído, uma vez que a busca por desaparecidos ainda continua.

Bolsonaro decidiu mudar a composição da comissão, nomeando aliados, em 2019, depois que órgão reconheceu que o estado brasileiro foi responsável pelo desaparecimento de Fernando Santa Cruz.

Na época, o presidente debochou do então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.

Guilherme Mazui — G1 / Brasília

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