A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começa a julgar, na próxima quarta-feira (20), o pedido da Itália para que o ex-jogador Robinho cumpra, no Brasil, a pena de nove anos pelo crime de estupro coletivo.
O tribunal vai analisar a chamada homologação de sentença, um procedimento que valida uma decisão estrangeira e permite que ela seja executada no Brasil.
O STJ não vai julgar novamente a acusação contra Robinho, ou seja, não vai revisitar o caso, avaliando fatos e provas.
O G1 (responsável por esta reportagem) reuniu os detalhes do julgamento e o que pode acontecer a partir de uma decisão do tribunal.
O que o STJ vai julgar?
Em fevereiro de 2023, o governo da Itália apresentou um pedido de homologação de sentença estrangeira.
A solicitação foi encaminhada pelo Ministério da Justiça ao Superior Tribunal de Justiça, a quem compete analisar este tipo de processo.
O documento teve como base um tratado de extradição entre os dois países, de 1993.
A Itália quer que seja executada no Brasil uma decisão do Tribunal de Milão. Em novembro de 2017, o tribunal condenou o ex-jogador a nove anos de prisão pelo crime de estupro coletivo (violência sexual de grupo), ocorrido em 2013.
Segundo a acusação, Robinho e outros cinco homens teriam violentado uma mulher albanesa em uma boate em Milão. Em 2022, a decisão se tornou definitiva, ou seja, sem a possibilidade de novos recursos.
O que é homologação de sentença?
A homologação é um reconhecimento da decisão da Justiça de outro país, para que ela seja implementada no território brasileiro.
O pedido foi feito pelo governo da Itália porque Robinho vive no Brasil. A Constituição brasileira impede a extradição de brasileiros natos para cumprimento de penas no exterior.
O que diz a defesa?
A defesa de Robinho alegou, no processo, que a homologação da sentença viola a Constituição, já que a Carta Magna proíbe a extradição de brasileiro nato.
“Sendo vedada a extradição do brasileiro nato para se submeter a ação penal por imputação feita em Estado alienígena, por identidade de razões não se há de admitir que pena lá estabelecida seja simplesmente homologada e executada no Brasil”, afirmaram os advogados.
“Resguarda-se ao cidadão brasileiro o direito e a garantia de submeter-se à jurisdição brasileira, ainda que o fato tido como criminoso tenha ocorrido fora do Estado nacional, considerando uma série de circunstâncias que assegure plenamente um julgamento justo e isento”, completaram.
Além disso, sustentou que o tratado de extradição usado pelo governo da Itália no pedido não permite a transferência da pena para o país de origem do condenado.
Os advogados também apontaram violação a princípios constitucionais como a soberania nacional e dignidade da pessoa humana.
O que diz o Ministério Público?
O Ministério Público Federal (MPF) pontuou, no processo, que é possível a homologação da sentença, já que o pedido teria atendido os requisitos da legislação.
Para o MPF, não há como concordar com o argumento da defesa de que a transferência da pena não é possível.
“Caso contrário, o Estado brasileiro estaria permitindo a impunidade de Robson de Souza diante do cometimento de crime cuja materialidade e punibilidade foi reconhecida pelo Estado estrangeiro”, afirmou em parecer.
O MPF pontuou ainda que a medida respeita direitos constitucionais.
“Desse modo, ao se efetivar a transferência da execução da pena, respeita-se a vedação constitucional de extradição de brasileiros natos ao mesmo tempo em que se cumpre o compromisso de repressão da criminalidade e de cooperação jurídica em esfera penal assumido com o Estado requerente”, ponderou.
O que diz a lei?
Um dos pontos de divergência entre a defesa e o MPF é sobre a possibilidade de aplicação da Lei de Migração ao caso.
A legislação, de 2017, prevê a possibilidade de transferência de execução de pena, mas estabelece requisitos:
o condenado deve ser brasileiro ou ter residência ou vínculo com o Brasil;
a decisão judicial estrangeira deve ser definitiva;
a duração da condenação a cumprir deve ser de pelo menos um ano, na data de apresentação do pedido do país estrangeiro ao Brasil;
o fato que levou à condenação deve ser crime nos dois países;
deve haver tratado ou promessa de reciprocidade.
A defesa de Robinho diz que a regra não é cabível ao caso, porque o Tratado Brasil-Itália não prevê a transferência da pena e a lei trata de direitos e deveres do migrante e visitante.
O MPF entende que a Lei de Migração incide no caso, porque um dos requisitos para a transferência da pena é o de que o condenado seja brasileiro.
Por que cabe ao STJ julgar o caso?
A Constituição concedeu ao STJ a competência para realizar a homologação de sentença estrangeira no país.
O trabalho do STJ no caso envolve avaliar se os requisitos para a validação da decisão estrangeira foram cumpridos.
Não há um novo julgamento do processo contra Robinho.
Ou seja, o STJ não vai verificar se houve crime, se há provas.
Isso já foi feito pela Justiça da Itália.
O tribunal vai avaliar se os requisitos para a validação da sentença italiana foram cumpridos. Estes requisitos estão previstos no Código de Processo Civil:
a decisão deve ter sido de autoria de uma autoridade competente;
deve ter elementos que comprovem que os participantes do processo foram regularmente notificados;
deve ser definitiva, sem mais chances de recursos; ou seja, deve ter transitado em julgado.
Como será o julgamento?
Pelas regras internas do tribunal, cabe à Corte Especial analisar o processo.
Esse colegiado conta com os 15 ministros mais antigos do tribunal, que tem um total de 33 magistrados.
Para que a sentença seja validada, é preciso maioria de votos.
A sessão da quarta será presidida pelo vice-presidente Og Fernandes.
O relator é o ministro Francisco Falcão.
Os trabalhos serão transmitidos pelo canal do STJ no YouTube.
Antes dos votos dos ministros, advogados vão apresentar seus argumentos, pelo prazo de 15 minutos cada.
Na sequência, vota o relator.
Depois, os demais ministros, por ordem de antiguidade.
Como vai presidir a sessão, o ministro Og Fernandes vota apenas em caso de empate.
É possível recorrer?
É possível recorrer no âmbito do próprio STJ, com os chamados embargos de declaração, que buscam resolver contradições ou esclarecer pontos na decisão coletiva.
Também é possível recorrer no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, nesse caso, para ser admitido, o recurso tem que apontar uma ofensa clara e direta à Constituição.
O que acontece se houver a validação da sentença no Brasil?
Se o tribunal validar a decisão da Justiça italiana, a execução da condenação ficará a cargo da primeira instância da Justiça Federal.
Fernanda Vivas, G1 e TV Globo — Brasília