A relatora do processo contra o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) no Conselho de Ética da Câmara, Jack Rocha (PT-ES), votou nesta quarta-feira (28) pela cassação do mandato do parlamentar.
O político é acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL).
Jack Rocha argumenta, em um voto de 25 páginas, que a investigação conduzida pela PF e as informações colhidas pelo Conselho da Ética indicam que Brazão teve condutas incompatíveis com o mandato parlamentar.
A deputada afirmou que as provas demonstram a “prática de irregularidades graves” cometidas por Brazão e que as condutas “afetaram a dignidade e o decoro parlamentar”.
“Esta Relatora conclui que o representado [Chiquinho Brazão] praticou irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, afetando a dignidade da representação popular”, escreveu.
“Por todo o exposto, voto pela perda do mandato do deputado Chiquinho Brazão, tendo em vista haver este incorrido na conduta tipificada no inciso VI do art. 4º do Código de Ética e Decoro Parlamentar, pelas razões contidas no presente voto”, conclui Jack.
O parecer da deputada ainda precisará ser votado pelos membros do Conselho de Ética, que podem aceitar ou rejeitar as conclusões.
Brazão só perderá o mandato se a eventual decisão do colegiado nesse sentido também for referendada pelo plenário da Câmara por, no mínimo, 257 dos 513 deputados.
O voto de Jack Rocha contraria pedido da defesa de Chiquinho Brazão, que havia defendido ao Conselho de Ética que o deputado fosse punido somente com uma suspensão de seis meses do mandato.
Chiquinho Brazão se tornou alvo do órgão em abril, a pedido do PSOL.
O procedimento foi aberto na esteira de uma operação da Polícia Federal que prendeu o parlamentar por suposto envolvimento no atentado que matou Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, em 2018.
A investigação conduzida pela PF concluiu que Chiquinho e o irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, foram os mandantes da execução de Marielle.
Os dois estão presos desde março e são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por homicídio qualificado e tentativa de homicídio.
Ao Conselho de Ética, o PSOL argumenta que a manutenção do mandato de Chiquinho “fere o prestígio da Câmara” e que a cassação é necessária para evitar que ele “utilize do cargo para obstruir a Justiça”.
Chiquinho Brazão tem negado qualquer envolvimento na morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes.
Nesta quarta, ele repetiu que é “inocente” e que a vereadora era sua “amiga” no período em que dividiram o mandato de vereador na Câmara Municipal do Rio.
Apontado por investigadores como um dos elos da milícia da Zona Oeste do Rio, Chiquinho Brazão assistiu a reveses políticos desde que foi detido.
Primeiro, no mesmo dia em que foi preso, foi expulso do partido ao qual era filiado (União Brasil).
Semanas depois, viu a Câmara manter a sua prisão.
Parlamentar isolado na Casa, Brazão reuniu pouca defesa pública dos colegas desde que o procedimento no Conselho de Ética foi aberto.
Nos bastidores, lideranças da Câmara dizem ser quase impossível reverter a cassação do deputado no plenário.
Criado em 2001, o Conselho de Ética já aprovou 23 recomendações de perda de mandato. Desse total, somente oito foram aceitas pelo plenário da Câmara. Outras dez acabaram rejeitadas pelo conjunto dos deputados.
Defesa de Brazão
No início da reunião, logo após a leitura do relatório do caso, o deputado Chiquinho Brazão se defendeu.
Repetiu que é “inocente” e que não teve qualquer participação na morte de Marielle.
O parlamentar, que dividiu mandato de vereador com Marielle no Rio, disse ter sido amigo da vereadora e defendido a participação da esquerda em debates na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
“Sou inocente, totalmente inocente nesse caso”.
“A vereadora Marielle era minha amiga, não teria qualquer motivo [para ter mandado matar], porque sempre fomos parceiros”.
“Votamos juntos”, disse Brazão.
“Dentro da Câmara, o pouco tempo que ficamos juntos, se pegar as filmagens, vão ver a Marielle falando bem de mim, falando bem”.
“E eu não tenho uma única testemunha, sem tirar o Ronnie, que me acusa, não tem uma que me acusa”.
“Não tem uma testemunha que fala de mim”, prosseguiu Chiquinho Brazão.
Advogado de Brazão, Cleber Lopes argumentou que a defesa do parlamentar sofreu “prejuízos” ao longo do processo com a falta de depoimentos de testemunhas no caso.
Defendeu, ainda, a tese de que o fato questionado no procedimento do Conselho de Ética ocorreu antes do mandato de deputado federal — o atentado à Marielle ocorreu em 2018, e Brazão se tornou deputado em 2019.
“Ou seja, se o fato é anterior ao mandato, não há que se falar de quebra de decoro. De maneira que, à luz da jurisprudência da Casa, seria um paradoxo dizer que essa regra vale, mas não vale para Chiquinho Brazão”.
Não estamos entrando no mérito se o caso é grave, se tem prova, isso é criminal”, afirmou o advogado.
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Voto da relatora
Jack Rocha rechaçou o argumento da defesa de que o suposto delito atribuído a Brazão não deveria levar à cassação do mandato por ter ocorrido antes de sua posse como deputado federal.
“A assunção de um mandato parlamentar não pode, em hipótese alguma, ser tratada como um perdão automático para atos condenáveis cometidos no passado”.
“Um mandato eletivo carrega consigo a responsabilidade de honrar e proteger a dignidade de uma instituição que é permanente, representando o povo e a democracia”, afirmou.
Segundo a deputada, a análise das provas “sugere fortemente” que Chiquinho Brazão “mantinha uma relação com as milícias do Rio de Janeiro”.
Também afirma que a imputação de que o parlamentar é um dos mandantes da morte de Marielle é “verossímil e sustentada por evidências significativas”.
“O conjunto probatório ao demonstrar a prática de irregularidades graves cometidas pelo representado que afetaram a dignidade e o decoro parlamentar é robusta, razão pelo qual esta Relatora conclui que o representado praticou irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, afetando a dignidade da representação popular”, argumentou.
“As provas coletadas tanto por esse Colegiado, quanto no curso do processo criminal, são aptas a demonstrar que o representado tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”, prosseguiu Jack Rocha.
A deputada ainda argumentou que manter o mandato de um deputado preso preventivamente fere a imagem da Câmara dos Deputados.
“Contribui para a erosão do respeito pelo papel constitucional da Câmara, podendo ser interpretado como um indicativo de impunidade”, escreveu a relatora.
“Tal cenário exige uma ação firme e decidida por parte deste Conselho de Ética, a fim de proteger a honra e a dignidade da instituição, resguardando-a de elementos que comprometem sua missão fundamental.”
Réu no STF
Em junho, a Primeira Turma do Supremo STF decidiu tornar réus Chiquinho e Domingos Brazão por homicídio qualificado e tentativa de homicídio da então assessora de Marielle Franco, Fernanda Chaves.
Marielle e Anderson foram assassinados a tiros, em uma emboscada no Centro do Rio, em 14 de março de 2018.
As investigações foram marcadas por trocas de delegados e promotores, e poucos avanços. Em 2023, a PF passou a apurar o caso.
Até março deste ano, somente haviam sido apontadas as participações de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, ex-policiais militares acusados de serem os executores do atentado.
No período, o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, também foi apontado como responsável por levar o carro utilizado na emboscada para um desmanche.
Depois de seis anos do crime, uma delação premiada de Lessa ajudou os investigadores a preencher as lacunas que faltavam na resolução dos assassinatos.
A PF concluiu que a morte da vereadora foi encomendada por Domingos e Chiquinho Brazão.
Também identificou o delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil do Rio na época do crime, como mentor.
Em sua delação, Ronnie Lessa apontou que a morte de Marielle foi arquitetada pelos irmãos como reação à atuação da vereadora contra um esquema de loteamentos de terra em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio, reduto eleitoral de Domingos e Chiquinho.
Durante todas as fases da apuração do caso no Conselho de Ética, em pronunciamentos remotos ou por meio de sua defesa, Chiquinho Brazão negou ter qualquer envolvimento na execução de Marielle e Anderson.
Ao longo dos últimos quatro meses, a defesa do parlamentar também questionou as conclusões da Polícia Federal e argumentou que o deputado não poderia ser julgado, no colegiado, por um suposto delito ocorrido antes de tomar posse como deputado federal — o atentado à Marielle ocorreu em 2018, e Brazão se tornou deputado em 2019.
Kevin Lima — G1 / Brasília