Braskem: colapso das minas em Maceió demandará gastos e pode até ‘melar’ a venda

Obrigação de indenizar desabrigados e fazer reparos à cidade deve aumentar endividamento
Área afetada e os diversos problemas para os cofres da Braskem: endividamento já elevado; incertezas sobre o real tamanho do prejuízo (tirando poder de negociação com potenciais compradores), além de ações da controladora (hoje Novonor) estarem em alienação fiduciária, ou seja, qualquer transação delas só pode ser feita com a autorização dos credores – incluindo vender toda a companhia. (Foto: arquivo)

O desastre ambiental em Maceió, provocado pela exploração de sal-gema em uma mina da Braskem, encabeça uma lista de crises enfrentadas pela empresa.

Antes, a questão era puramente financeira: as dívidas bilionárias de seu principal acionista, a Novonor (antiga Odebrecht) abriu a necessidade de levantar dinheiro para manter a operação. Para isso, a Braskem tinha uma negociação aberta para a venda de mais de 30% de suas ações para a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (Adnoc).

Em novembro, a Adnoc fez uma oferta de compra da maior parte das ações detidas pela Novonor por um valor de cerca de US$ 2,1 bilhões, ou R$ 10,3 bilhões, na atual cotação do dólar. À época, os acionistas ainda não achavam a ideal.

Agora, com o risco de um colapso na região das minas em Maceió, a negociação ganhou novos contornos, já que a reparação necessária após o desastre deve aumentar expressivamente os gastos que a Braskem terá pela frente.

Os riscos para o negócio

O desastre causado pela Braskem acabou de gerar multas de mais de R$ 72 milhões para a empresa, aplicadas pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL). Segundo o IMA, a empresa já foi autuada 20 vezes, incluindo as últimas.

Além dessas multas, a petroquímica responde a diversas ações judiciais — civis públicas e individuais —, além de acordos que já firmou e outros que podem ser firmados com o Ministério Público, Defensoria Pública e governos municipais, estaduais e federal.

João Daronco, analista da Suno Research, comenta que, embora a oferta da Adnoc já tenha sido feita, caso seja aprovada pelos acionistas da Braskem, precisará passar por um período conhecido no mercado como “due diligence” (em tradução livre, diligência prévia).

O processo envolve uma série de estudos investigativos que o investidor faz para entender se aquele negócio que ele está fechando, de fato, é uma boa oportunidade, além de mapear os possíveis riscos. Dessa forma, se a Braskem aceitar a oferta, a Adnoc terá um período para entender o tamanho do desastre antes de decidir seguir com o negócio.

A principal consequência é a queda de poder de negociação da petroquímica brasileira, o que pode incluir uma severa redução do valor ofertado pelas ações da empresa para compensar as multas pelo desastre em Maceió.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, é pouco provável que a companhia dos Emirados Árabes desista da compra.

Daronco afirma que a questão principal é a insegurança jurídica que o possível comprador enfrentaria “por não saber qual o tamanho do passivo (dívidas e todas as outras obrigações financeiras de uma empresa) existente desse desastre, além da questão reputacional”.

“Dependendo do tamanho do passivo, podemos ver algum tipo de diminuição da liquidez financeira da companhia e, possivelmente, aumento do endividamento, mas esta é uma questão que ainda é difícil prever”, destaca o analista.

Os problemas financeiros da Braskem

Mesmo antes de pesadas multas estarem no radar da empresa, a Braskem já passava por um momento financeiramente delicado. Daronco dá dois principais motivos:

o setor petroquímico vive um período de “menores spreads”, ou seja, uma menor diferença entre o preço de produção e de venda de seus produtos;

a sua governança, com a Novonor, vem sendo obrigada a realizar uma série de desinvestimentos para poder pagar dívidas com seus credores.

Assim, a venda da companhia é vista como uma saída para que os acionistas minoritários tenham melhores resultados, além de uma troca na gestão ter o potencial de trazer maior eficiência para os negócios da companhia.

O principal acionista minoritário da Braskem é a Petrobras, que tem cerca de 36% das ações da empresa. Em outubro, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, afirmou acreditar que a venda da fatia da Novonor (de mais de 38%) seria concluída até fevereiro de 2024 — se não houver entrave devido à situação em Maceió.

Os débitos da petroquímica com seus credores (que são os grandes bancos) são multibilionários: o saldo de dívida líquida da companhia em seu último balanço, do terceiro trimestre deste ano, era de quase US$ 5 bilhões (ou R$ 24 bilhões).

As ações pertencentes à Novonor estão em alienação fiduciária, ou seja, qualquer transação dessas ações só pode ser feita com a autorização dos credores, e isso significa que a própria venda da companhia depende de aprovação.

Como a situação em Maceió pode agravar as dívidas

Sem uma geração expressiva de caixa, o desastre em Maceió pode acabar em um aumento do endividamento da Braskem.

Em um relatório divulgado pela petroquímica em setembro, antes do agravamento do afundamento em Maceió, a empresa explicou que já tem acordos em andamento e verbas separadas para arcar com danos, mas afirmou que ainda não há previsão de qual será o custo final de toda a situação.

“A companhia não pode descartar futuros desdobramentos relacionados ao evento geológico de Alagoas, ao processo de realocação e ações nas áreas desocupadas e adjacentes, de modo que os custos a serem incorridos pela Braskem poderão ser diferentes de suas estimativas e provisões”, aponta o relatório.

Além de multas aplicadas por governos à Braskem, a empresa também deve ser responsabilizada por todos os danos causados aos moradores dos locais afetados pelo desastre ambiental.

“Essas famílias têm que ser indenizadas, todo prejuízo material deve ser coberto”, aponta Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário do Tapai Advogados.

“Além disso, tem um problema emocional muito sério: você abandonar sua casa, largar tudo para trás sem saber onde vai morar — visto que muito provavelmente a empresa não vai disponibilizar um imóvel nas mesmas condições no dia seguinte —, precisando ir para casa de parentes ou hotel. Isso causa um abalo emocional muito grande. Então, o dano moral está configurado e essas pessoas têm direito a receber também uma indenização por danos morais”, diz ele.

Bruna Miato, G1

Leia também