Mais uma instituição vai entrar no impasse – para dizer pouco; ou melhor, para não usar uma palavra desrespeitosa com o leitor – que se constitui a forma como as empresas de Collor acham de caçoar (outro eufemismo) das autoridades constituídas de Alagoas e de torturar seus credores, aquelas pessoas que têm algo para receber de alguém que não outro senão o tempo se encarregou de mostrar tratar-se de notório mau pagador.
Vide o confisco da poupança, que no último dia 16 de março completou 33 anos.
Sem desmerecer os demais, aqui vamos nos ater aos credores trabalhistas, pela seguinte razão: direitos trabalhistas, após demissão, se constituem no que a justiça denomina de verbas de natureza alimentar.
E não é coisa só da lei ou que está só no papel: em muitos casos, elas continuam sendo dinheiro que o trabalhador vai usar para pôr comida na mesa.
Não há nada errado em comprar uma tv ou um iPhone para o filho, mas, em muitos casos – e muitos casos neste processo –, é alimentação, mesmo.
Alimentação, plano de saúde ou fralda geriátrica para um pai ou mãe adoentado e acamado.
Feita a justificativa, vamos aos fatos: há mais de quatro anos, as empresas de Collor pediram e a justiça autorizou que entrasse em recuperação judicial, instrumento da lei para evitar que grupos de grande porte sigam direto para a falência, arrastando consigo toda uma chamada cadeia produtiva.
Na prática, a empresa recebe uma espécie de blindagem, não podendo sofrer medidas como penhora de seus bens, por mais desesperados que estejam seus credores.
Mas, em compensação, tem a obrigação de, dentro de certo prazo, pôr as contas em dia e comunicar, para um observador designado pelo juiz, o que tem feito para melhorar enquanto empresa.
Esse observador é o administrador judicial – que no caso das empresas de Collor, é o Escritório Lindoso e Associados, de José Luíz Lindoso, com sede em Recife (PE).
Na prática, os “olhos e ouvidos” do juiz, atuando dentro das empresas que estão nesse processo para fugir da falência
Enfim, a empresa tem que demonstrar boa-fé, que quer botar as contas em dia e pagar a quem deve.
Só que, na prática, não é isso que as empresas de Collor têm demonstrado.
Primeiro, tem o escândalo dos empréstimos feitos pelas empresas já durante a recuperação judicial.
Essas operações, realizadas sob a modalidade de mútuo (sem passar por instituição financeira), beneficiaram sócios, acionistas das empresas. Collor é o principal.
No total, cerca de R$ 6 milhões foram repassados, “embaixo do nariz” do administrador – que deveria não só desconfiar, como cobrar satisfações da empresa e comunicar o juiz do caso.
Motivo: essas operações são irregularidades.
A justificativa de Lindoso: não viu irregularidade alguma…
Os procedimentos do mesmo escritório de Lindoso em outro processo de recuperação judicial rumoroso em Alagoas, o do grupo Laginha, do falecido João Lyra, desagradaram a filha Maria de Lourdes (Lourdinha) e ele acabou afastado e substituído por outro perito, que assumiu a função de administrador judicial.
A irregularidade foi apenas uma das que chocaram advogados localizados por credores em renomados escritórios no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Eles passaram a acompanhar o processo e assessorar credores trabalhistas, entre outras razões porque se sensibilizaram com a situação destes e a forma como a empresas de Collor os tem tratado.
Sim, como diz o adágio, quem trabalha de graça é relógio – e pouca coisa é mais digna que receber pelo suor do seu trabalho –, mas, muitos o fazem movidos, sobretudo, por inconformidade com as injustiças, mesmo.
Os chamados operadores do direito (como advogados, promotores e defensores) saberão do que falamos.
Porém, sejamos didáticos.
E para tal, sigamos a cronologia.
Em 2019, as empresas de Collor promoveram uma segunda leva de demissões em massa, em decorrência de greve por manutenção do piso da categoria.
Na época, a legislação estabelecia que os dissídios coletivos só iriam para julgamento em caso de greve – sem paralisação, ficava subentendido que o trabalhador aceitava o que os patrões queriam pagar: no caso, a redução do piso em 40%.
Após nove dias de um movimento que ganhou adesão fora de Maceió – e de Alagoas –, a Justiça do trabalho julgou a greve legal e manteve o piso.
Diz a lei que recursos a tais julgamentos só podem ser apresentados 24 horas após a publicação do acórdão: a sentença, no caso de decisões de colegiados (plenários de tribunais).
E essa publicação pode levar até quinze dias.
Mas, eis que as empresas de Collor começaram a demitir quem aderiu à greve menos de 24 horas após a sessão de julgamento.
E qual a reação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Alagoas ante tamanho desrespeito?
Silêncio.
Coube ao mesmo TRT de Alagoas outra medida que virou notícia até no portal UOL, sobre o tamanho da desfaçatez das empresas de Collor.
Um juiz do trabalho, na instância do primeiro grau, determinou o bloqueio de contas da família de Collor, após intervenção desse grupo de advogados de fora, valendo-se de um dispositivo da CLT que estabelece o seguinte: em casos de notórios maus pagadores, o juiz pode determinar o bloqueio dos bens, primeiro, e depois, intimar a parte devedora (que teve os bens bloqueados), comunicando a seus advogados.
O bloqueio não significa que o valor já vai passar para o credor – ficará em conta judicial aguardando o devedor apresentar sua defesa.
E o bloqueio pode até ser desfeito.
Mas, a defesa das empresas de Collor recorrer – e o TRT acatou, determinando que esse primeiro bloqueio fosse desfeito, para que primeiramente se fizesse a comunicação ao devedor.
Seguido, então, o protocolo, foi feita a intimação da parte – para apresentar seus argumentos.
E, em seguida, enfim, foi efetuado o bloqueio.
E eis que se deu o quê? O já sabido saldo, encontrado depois nas contas: míseros R$ 14,97.
Como se não bastassem esses exemplos para reforçar a contestação da própria credibilidade, de uma instituição cuja denominação se completa com o termo “Trabalho” – e não tribunal do patrão –, há o caso mais recente de a instituição reconhecer que as demissões promovidas por uma das empresas de Collor não foram em retaliação à greve, instrumento reconhecido até na Constituição como último recurso de pressão do trabalhador.
Em julgamento sobre isso, o TRT de Alagoas entendeu que as demissões foram por contenção de custos.
Porém, como lembraram advogados de credores, é difícil acreditar em contenção de gastos quando a empresa faz empréstimos com repasses mensais que chagavam à casa dos R$ 300 mil ou mais, já em pleno processo para –em tese– equilibrar as contas.
Tais contradições são da esfera da Justiça do Trabalho, mas, o processo do maior grupo de comunicação de Alagoas comprometeu também o Ministério Público estadual, revelando que o outro adjetivo que se atribui a ele – poderoso – não está só em entreter ouvintes e espectadores.
Aliás, um dos primeiros fatos estranhos e discutíveis do processo envolve o MP, do qual se descobriu que, à altura em que os autos alcançavam as 15 mil páginas, havia apenas duas manifestações do “fiscal da lei”: uma, em que seu representante se dizia suspeito, outra, em que um segundo se dizia impedido.
O terceiro promotor emitiu parecer atestando haver indícios de crimes no processo de recuperação judicial das empresas de Collor e recomendando abertura de inquérito policial e designação de delegado de polícia.
Providência que se arrastaria por um ano – e ainda está em vias de ser adotada. Não foi consumada ainda.
A justificativa: para cada movimentação do MP, tem de haver uma série de medidas da parte do Judiciário.
A designação da autoridade policial foi encaminhada após manifestação de grupo de credores, que ostentou faixa de protesto no elevado no CEPA e em frente à sede do MP, em gesto avaliado como impróprio, pela instituição, pelo que já fizera em prol dos trabalhadores, no caso.
Mas, eis que já se vai um mês desde tais episódios.
Agora, uma quarta instituição está para entrar no processo: a Polícia Civil de Alagoas, com a designação do delegado que investigará as empresas de Collor e se houve crimes falimentares durante o processo de recuperação de judicial.
Vale destacar que o inquérito, se aberto, será sigiloso.
O quê? Pelas contas, não dá quatro?
É que de outra instituição, as referências são as seguintes: de um processo que deveria durar, no máximo, dois anos, o caso já está em vias de bater os cinco; como se disse, lida com verbas de natureza alimentar (como são os salários); teve quatro responsáveis ao longo desse tempo; um deles se ausentou por motivo de saúde, porém, no período, foi solenemente parado; desses, a que ocupou a titularidade por um período – e adotou medidas que fizeram o processo andar – foi afastada; outro titular autorizou procedimento que advogados reputam como irregular e de um deles há registro de punição pelo CNJ.
Portanto, do Poder Judiciário de Alagoas não valeria nem a pena falar, não é mesmo?
Ah! Mas, o processo dos credores não é o único com que a instituição tem que lidar.
Verdade.
No entanto, o tempo para atender pedidos administrativos feitos pelas empresas de Collor, como a autorização para acordos com alguns credores fora do processo de recuperação judicial – o que advogados consideram irregular –, é um, geralmente mais rápido, que o decorrido para atender ao de advogados dos credores, como um de tutela de urgência.
Apesar do indicado no nome, o pedido levou oito meses para ser analisado.
Feito o esclarecimento, voltemos à proposta inicial: saber se a quarta instituição a entrar no processo, a Polícia Civil de Alagoas, também vai sucumbir ao desgaste por estar num processo que envolve as empresas de Collor ou conseguirá manter sua credibilidade, depois de passar por essa prova.